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Federico Finchelstein: 'Bolsonaro será lembrado com um dos maiores mentirosos da História'

Ruan de Sousa Gabriel / O GLOBO

 

O historiador argentino Federico Finchelstein tem, na ponta da língua, uma lição da filósofa Hannah Arendt: desde a Grécia Antiga, política e mentira andam de mãos dadas. No entanto, há um tipo de político que, além de mentiroso, acredita nas falsidades que ele próprio conta, o fascista. No livro “Uma breve História das mentiras fascistas” (Vestígio), Finchelstein mostra como governantes como Hitler, Mussolini e Franco (e também outros, mais contemporâneos, como Trump e Bolsonaro) descartam a História e a substituem por uma mitologia feita sob medida para seus projetos políticos.

Professor da New School for Social Research, em Nova York, a mesma instituição onde Hannah Arendt lecionou após se refugiar do nazismo nos Estados Unidos, Finchelstein afirma que Bolsonaro se comporta como líder de uma religião na qual sua interpretação particular da História é um artigo de fé. Nesta entrevista ao GLOBO, ele reforça que votos e protestos não são suficientes para barrar a recessão democrática. É preciso defender a História.

A mentira é objeto de estudo do historiador?
Sim. Hannah Arendt disse que, desde os gregos, a mentira anda de mãos dadas com a política. Em maior ou menor grau, todos os governantes da História foram mentirosos. Políticos das mais diversas tradições — conservadores, liberais, socialistas — mentem para gerar adesão das massas. No entanto, em regimes totalitários, a mentira adquire um caráter distinto, vai além da pura retórica, e passa a ser tratada como verdade absoluta, tornando a política violenta e assassina. A mentira fascista está de volta com políticos como Bolsonaro, que não só mente, mas também tenta tornar a realidade parecia com as mentiras que conta.

Você afirma que os mentirosos fascistas almejam reescrever a História. Isso é possível? O que hoje é mentira pode virar História amanhã?
O fascismo tenta transformar a História em ficção, em mito. Em outras palavras: em uma mentira. Quando falam de História, na verdade, estão falando de realidades alternativas, de ficção. Quando os neofascistas italianos ou espanhóis apresentam as ditaduras de Mussolini e Franco, que foram terríveis do ponto de vista econômico, social, cultural e político, e deixaram seus países em ruínas, como grandes momentos da História nacional, estão propagando uma mitologia. O mesmo acontecia quando Trump falava em “make America great again”, reivindicando passado em que os direitos civis não eram para todos como “great”. E acontece com Bolsonaro e sua idealização da ditadura brasileira. Infelizmente, no Brasil não se fala o suficiente do que foi a ditadura, o que confere êxito e legitimidade ao discurso de Bolsonaro.

A mitologia propagada pelos mentirosos fascistas e a História construída pelo trabalho dos historiadores podem coexistir?
De um lado está a História, que não é uniforme ou homogênea, mas um conjunto de diferentes interpretações do passado. Ao analisarmos os discursos de Hitler e Mussolini, ou de Trump e Bolsonaro, percebemos que eles não se importam com o relato histórico, mas criam algo parecido com o texto litúrgico de uma religião política, que nada tem a ver com fatos e, portanto, não pertence mais ao campo da História. Os mentirosos fascistas distorcem o passado, criando uma ficção que tomam por verdade absoluta, como se fosse um artigo de fé. Criam um mito.

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Os apoiadores de Bolsonaro o chamam de mito.
Isso define o caráter quase sagrado que os seguidores de Bolsonaro lhe atribuem. Ele é o único intérprete de uma religião nacional e da vontade popular. Ele se apresenta como profeta, como personagem não da realidade, mas de uma narrativa mitológica. É líder de um seita. Só quem não participa de sua religião política percebe que ele é um grande mentiroso, que suas mentiras sobre o vírus e a vacina têm consequências terríveis.

As epígrafes de “Uma breve História das mentiras fascistas” são frases de Hitler, Mussolini e Trump sobre a verdade. Bolsonaro gosta de repetir o Evangelho de João: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Falar sobre a verdade é uma obsessão dos mentirosos?
Mentirosos como esses se acham donos da verdade e querem tornar o mundo parecido com as mentiras que contam. Para eles, quem fala apoiado em dados científicos é que é mentiroso.

Líderes como esses conseguem mudar a realidade para que ela corresponda às mentiras que eles contam?
Pense nos nazistas. Eles espalharam a mentira de que os judeus eram sujos e transmitiam doenças. Depois, criaram laboratórios para transformar essa mentira em realidade. Colocaram os judeus em guetos e campos de concentração, onde as condições sanitárias eram péssimas, até que eles se transformaram, de fato, em sujos e doentes. Trump e Bolsonaro mentiram sobre a pandemia. Disseram que a Covid era uma gripezinha, facilmente curável, mas, nesse caso, a realidade não mudou. Muita gente morreu nos EUA e no Brasil em decorrência dessas mentiras. Eles quiseram mudar a realidade, mas o vírus continuou existindo. Uma hora o rei fica nu.

No seu livro, você diz que não devemos combater o iliberalismo apenas com protestos e votos, mas também com a História? Como podemos usar a História como arma se os negacionistas não creem nela?
Lamentavelmente, muita gente crê na religião política dos mentirosos fascistas e será difícil convencê-los do contrário. Em alguns casos, as pessoas só abrem os olhos quando sentem na pele as consequências das mentiras de seus líderes. Por outro lado, eles não são todo o eleitorado. Por isso, é importante continuar informando, divulgando a História, para que o passado terrível não se repita. A História, o jornalismo independente e a liberdade de expressão são essenciais para limitar a propaganda ideológica.

Nossa época, em que tantos tomam informações falsas por verdadeiras, representará um desafio interpretativo para os historiadores do futuro?
Oxalá os historiadores do futuro interpretem nossa época como um período em os ataques à democracia foram limitados e não tiveram êxito. Para defender a democracia, temos que recordar as ditaduras em nossos países e os ataques do fascismo à liberdade de expressão. Como latino-americano, considero uma catástrofe o que está acontecendo no Brasil. Como um país que era líder regional em política sanitária pode estar em uma situação tão terrível? O futuro vai recordar lideres como Bolsonaro, (Viktor) Orbán (primeiro-ministro da Hungria)(Narendra) Modi (primeiro-ministro da Índia) e Bolsonaro como alguns dos líderes mais mentirosos da História, como criminosos causaram grandes catástrofes.

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