Pasadena não passará
Passa, passa, Pasadena. Não passou. A refinaria no Texas que deu prejuízo de US$ 700 milhões reaparece agora com novo nome: Ruivinha.
Ninguém faria um negócio desses, tão prejudicial ao lado brasileiro, se não gastasse alguns milhões de dólares com propina. Agora, está comprovado que houve corrupção. Há até uma lista preliminar de quem e quanto recebeu para aprovar a compra de uma refinaria enferrujada, docemente tratada pelos próprios compradores como a Ruivinha.
A Operação Lava Jato tem elementos para pedir a anulação da compra e o dinheiro de volta. Acontece que Pasadena está no Texas. Foi uma transação realizada na esfera da legislação americana. Necessariamente, a Justiça dos EUA terá de analisar todos os dados enviados pelas autoridades brasileiras e, eventualmente, pedir outros.
Existe uma questão cultural e política no caminho. Os americanos não conseguirão ver a compra de Pasadena só como uma conspiração criminosa de quadros intermediários da empresa que comprou. A tendência natural será verticalizar a investigação. Quem eram os responsáveis pela Petrobrás, como deixaram que isso acontecesse?
Não só nos EUA, como em outros países, os dirigentes máximos são responsáveis, mesmo quando alegam que não sabiam de nada. Numa empresa privada, se uma direção fizesse um negócio tão desastroso, renunciaria imediatamente e responderia aos processos legais fora do cargo. O caso de Pasadena, se internacionalizado, como na verdade tem de ser, vai pôr em choque a tolerância brasileira com os dirigentes que alegam não saber de nada.
A própria Petrobrás deveria pedir a anulação da compra de Pasadena. No entanto, isso é feito pela Lava Jato. A empresa assim mesmo, parcialmente, só reconhece que Pasadena foi um mau negócio. Ainda não caiu a ficha de que foi uma ação criminosa, que envolve também os vendedores belgas. Por isso é bom internacionalizar Pasadena. A Justiça americana poderá cuidar do vendedor belga, mais fora de alcance da brasileira.
Uma pena a Petrobrás ainda não ter percebido seu papel. É uma questão político-cultural. A própria Dilma diz que não sabia de nada porque teria sido enganada por um relatório. Esse impulso de jogar para baixo toda a culpa já aparecia no mensalão, quando Lula se disse traído.
Duas grandes empresas brasileiras vivem um inferno astral. Petrobrás e Vale: o maior escândalo de corrupção no País, o maior desastre ambiental de uma associada.
No caso do mar de lama lançado no Rio Doce, com mortes e destruição pelo caminho, os dados técnicos e científicos ainda não foram divulgados. Mas já se sabe que os mecanismos de contenção, filtragem e escoamento nas barragens mineiras já não são usados em alguns países do mundo. Há métodos mais modernos, possivelmente mais caros. Isso questiona toda uma política de investimento, no meu entender, de forma semelhante ao que ocorre no setor público.
O Brasil ainda não universalizou o saneamento básico porque são obras que não aparecem, não rendem votos.
Nas empresas privadas, como na Vale e na própria Samarco, existem políticas ambientais, mas também uma preocupação com a margem de lucro. A sustentabilidade nem sempre responde rápido ao quesito lucro.
Muitas pessoas veem o princípio de precaução – um dos temas que a ecologia política levantou – como um exagero de ambientalistas apocalípticos. Em termos econômicos, a precaução revela a sua importância no longo prazo: quanto custa um desastre ambiental? Quanta custa a renovação dos equipamentos?
Uma semana nas margens do Rio Doce, pontuada por um atentado terrorista em Paris, me entristece. No entanto, fica cada vez mais claro que é o mundo que temos e é preciso encará-lo. Não há como escapar.
As coisas só pioram na economia e o País se limita a contemplar o próprio declínio. Não há uma resposta política. O Congresso é um pântano. Só haverá um pouco de esperança no ar se discutirmos um caminho para depois desse desastre. O PT propõe apenas entrar no cheque especial e continuar entupindo o País com carros e eletrodomésticos.
Além dos passos políticos e econômicos, será preciso considerar algo que ainda não foi acrescentado à corrente descrição da crise. Não é só econômica, política e ética. Vivemos também numa crise ambiental. No cotidiano, documento problemas agudos de falta d’água, cachoeiras reduzidas a fios, rios secando e, agora, o Doce levando este golpe lamacento. Há uma seca prolongada em grandes regiões do País, queimadas aparecem em vários lugares, algumas em áreas teoricamente protegidas.
Políticos convencionais tendem a subestimar a importância que as pessoas dão hoje à crise ambiental. Não é preciso percorrer os lugares atingidos pela lama. As cidades ameaçadas por barragens vivem em tensão.
A oposição, homens e mulheres que foram eleitos e ganham para isso, deveriam estar propondo alguma coisa para superar essa crise, que tem muitas cabeças. Se eles não têm ideia do que propor, pelo menos poderiam sair perguntando, sentir os anseios de renovação e deduzir algo deles.
Muito se falou de pauta-bomba nesse Congresso. Essa etapa está quase passando. Eles inauguraram a pauta-míssil: repatriar dinheiro suspeito e uma patética lei sobre a imprensa.
Neste momento da História do País, apesar de morto politicamente, o governo, que tem seus tentáculos na Justiça, agora pode brandir uma espada sobre a cabeça dos jornalistas. Começam dizendo que você não viu o que está acontecendo porque sofre de miopia ideológica. Em seguida, tomam precauções para que os juízes de linha justa os liberem: agora, preparam o caminho para punir quem divulga a verdade que os ofende.
É o tipo de lei que, mantida com esse texto, acaba sendo um convite a desobedecer. Lembro-me de que escrevi uma apresentação da edição brasileira do Desobedeça, de Henry David Thoreau. Voltarei ao livro em busca de inspiração.
* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA / O ESTADO DE SÃO PAULO