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Só o polígrafo revela a verdade dos fatos

José Nêumanne / O ESTADO DE SP

 

Em 15 de julho de 2005, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, inaugurou na República a fala do trono: confortavelmente instalado numa poltrona posta num jardim em Paris, deu a primeira de suas várias versões sobre o momentoso caso do mensalão à repórter brasileira Melissa Monteiro, que trabalhava numa emissora francesa. A Rede Globo de Televisão, segundo informou a jornalista da casa Glória Maria, comprou os direitos de retransmissão, que, sem perguntas de repórteres abelhudos, foi ao ar no programa dominical Fantástico. Inaugurou-se, então, o atual padrão de “entrevista coletiva”, em que profissionais de imprensa podem ouvir e registrar, jamais perguntar.

A 16 anos de seu feito pioneiro, o ex-dirigente sindicalista avançou rumo à retomada da narrativa em programas de entrevistas nos meios eletrônicos de comunicação ao condicionar sua presença no Conversa com Bial, da mesma rede, a uma transmissão ao vivo. Em teoria, para evitar eventuais distorções na edição. “Ao vivo só com polígrafo”, ironizou o apresentador no programa Manhattan Conection. Foi o suficiente para desabar uma tempestade de insultos impublicáveis e outras agressões em redes sociais, numa demonstração de que o gabinete do ódio instalado por Carlos Bolsonaro no Palácio do Planalto tem antecedentes no teórico lado oposto do espectro ideológico. A palavra teórico, aqui usada, registra a afirmação do cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eurico Lima de Figueiredo, na série Nêumanne Entrevista, publicada neste blog, de que o então deputado Jair Bolsonaro disse que “na vida pública, precisamos de gente como Vossa Excelência”, referindo-se à colega Luiza Erundina, então no PSB. E votou em Ciro Gomes, hoje no PDT, no primeiro turno, e em Lula, sempre no PT, no segundo, para presidente, em 2002. Útil ainda lembrar que o capetão sem noção dissera ao Estadão que o coronel venezuelano Hugo Chávez era “uma esperança para a América Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil”.

O repórter esclareceu na editoria de Opinião da Folha de S.Paulo em artigo intitulado O passado como polígrafo: “O caso é pessoal e Lula sabe muito bem que já mentiu a meu respeito. A verdade está registrada, há provas e testemunhas”. O autor destas linhas, verbi gratia, conhece entrevistador e entrevistado há tempo suficiente para saber quem conta a verdade. E contribui para essa discussão relatando fatos históricos indesmentíveis, que têm faltado na crônica jornalística do dia a dia nesta época de pandemia. O gabinete do ódio da famiglia Bolsonaro não é uma inovação e o paredón petecomunista “anti-Bial” não vai me deixar mentir.V

Pensando bem, a boutade do apresentador seria uma excelente ideia a ser usada para o perfeito funcionamento das nossas instituições, ao contrário do que seria a bolivarianização proposta pelo “mau militar” (apud Geisel) no apagar das luzes do século 20. O que a verdade faria da cruzada do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes na sua tentativa de desacreditar depoimentos de delatores premiados comprovando os crimes cometidos por Lula para envernizar com juridiquês a vexaminosa higienização da ficha suja do dito cujo? Se Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda do ex-sindicalista e chefe da Casa Civil de Dilma do PT, tivesse sido submetido ao detector de mentiras, continuaria sendo usado cinicamente por advogados de defesa, ministros do “pretório excelso” e outros entusiastas das fantasias garantistas de araque, hein?

A autorização do uso do polígrafo não teria poupado a Polícia Civil do Rio de ter de ouvir duas versões opostas de Tainá Ferreira, babá de Henry Borel, e da empregada doméstica do vereador Jairo Jr. sobre o assassínio sob tortura do menino de 4 anos pelo “Maçaranduba de Bangu”, acusado de chefiar uma milícia? Que tal seria autorizar a tecnologia a detectar os fatos relatados nos votos dos oito ministros do STF que acordaram subitamente para a incompetência de Sergio Moro para julgar o citado Lulinha Rumo ao Centro, após cinco anos de confirmações em todas as instâncias, incluindo as dos próprios “chaveiros de tornozeleiras”?

O que restaria das lives semanais do presidente da República e seus sequazes se os arroubos nelas perpetrados fossem denunciados como mentirosos pelo frio e imparcial aparelhinho, tá OK? Como diria o Cristo, que o apreciador de milicianos Jair (quase Jairo) diz venerar, “em verdade, em verdade, eu vos digo”, a submissão das sessões da Câmara, do Senado e do próprio Congresso não faria os sinais de falta de convicção do que dizem os ditos representantes do povo do alto da tribuna, na qual exercem a sua imunidade, ou seja, impunidade com pê oculto, virar tábula rasa?

Mas este escriba, que nunca viu um polígrafo ao vivo, pode garantir, com certeza absoluta, que quem inventou a polarização, que agora a soi-disante oposição execra, foi o protagonista deste texto, “o cara”, conforme Obama, que também talvez não passasse incólume por uma dose do soro da verdade… Poucos se lembram de que foi o PT que inventou o abismo insondável entre nós e eles, e não a extrema direita, que também não é tão infensa assim ao uso da patranha como método. É que, tal qual a verdade, a memória não é muito popular e benquista no país onde agora a cúpula da Justiça se prepara para condenar o julgador e permitir que um tríplice condenado dispute um pleito no qual talvez se confirme o velho brocardo de bardo segundo o qual quem mentir mais vai chorar menos.

Calma, Centrão de Eduardo Cunha e Arthur Lira! Ninguém aceitará essa ideia do “polígrafo para todos”. No máximo, Planalto, Congresso e Supremo exigirão a prova da verdade inútil apenas dos inimigos antifas.

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