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Uma agenda para combater o coronavírus

HOSPITAIS

A tragédia maiúscula na rede pública de saúde não tem precedente. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou que o Brasil passa pelo “maior colapso sanitário e hospitalar da história”. Das 27 unidades da Federação, 26 estão com taxas de ocupação de UTIs acima de 80%. Quem contrair a forma grave da Covid-19 terá de entrar na fila por um leito de UTI, como já acontece em várias capitais. A fila de espera se converteu numa macabra fila da morte.

Em São Paulo, o número de hospitalizações nunca foi tão alto em um ano de pandemia. A situação é tão crítica que hospitais particulares pedem socorro ao SUS, já sobrecarregado. No Rio, a quantidade de internações voltou a subir a níveis preocupantes, soando todos os alarmes. Em Santa Catarina, a fila de espera por um leito de UTI tem mais de 450 pacientes. Sedativos para entubação estão em falta, estoques de oxigênio começam a baixar.

Sob qualquer ângulo, os indicadores são alarmantes. O número de mortes bate recordes sucessivos e se aproxima dos três mil diários. A cada dia, sepultamos o equivalente às vítimas dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. Sem perspectiva de trégua, já que os novos casos não param de subir. As taxas de contágio não dão sinal de queda, prova de que a epidemia continua em ascensão.

Enquanto o sistema de saúde desmorona, não se vê ação consistente do governo federal. Ao contrário. Dias antes de ser defenestrado, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello causou perplexidade ao dizer que o sistema de saúde “não colapsou, nem vai colapsar”. O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que a situação do país “é até confortável”. Numa mistura de capricho autoritário, ignorância e arrogância, o presidente Jair Bolsonaro recorreu ao Supremo para impedir governadores de impor restrições à circulação, sabidamente eficazes contra o contágio.

Tudo isso não é apenas um acinte à memória dos brasileiros que perderam a vida para a Covid-19. É prova de que, com um ano de pandemia, ainda falta às autoridades uma agenda mínima para combater o vírus. A troca de Pazuello pelo cardiologista Marcelo Queiroga oferece uma oportunidade de mudança no enfrentamento desastrado da pandemia. Queiroga tem defendido medidas de isolamento, o aumento na capacidade da rede hospitalar e a aceleração da vacinação. Tem dito que terá autonomia para montar sua equipe. Não deixa de ser auspicioso, depois de tanto negacionismo, tantos erros e omissões. Ao mesmo tempo, tem afirmado que a política do ministério é a política do presidente. Não é exatamente bom augúrio.

É perfeitamente viável conter a tragédia. Basta implementar uma agenda mínima de combate ao vírus, concentrada em três pontos. Primeiro, ampliar a capacidade de atendimento nos hospitais, para que ninguém mais morra na fila da UTI. Nem é preciso montar hospitais de campanha. É possível, afirma o sanitarista Gonzalo Vecina, aproveitar os hospitais existentes para abrir novos leitos, ainda que seja necessário contratar médicos, enfermeiros e garantir suprimentos. Isso exigirá um programa ágil para alocar recursos onde são necessários, coordenado pelo SUS.

O segundo item da agenda é o que desperta mais controvérsia: será preciso, ainda que temporariamente, ampliar o isolamento e reduzir a circulação. Nas regiões críticas, são necessários quarentenas rigorosas e lockdowns. “Sem medidas drásticas para reduzir a circulação, os casos continuarão explodindo e chegaremos aos 500 mil mortos”, diz Vecina. “Não tem outra saída. Aumentar número de leitos não resolve. Com um bom isolamento de 14 dias, os casos cairão.”

Foi o que ocorreu nas cidades que adotaram medidas rígidas de isolamento, como Araraquara, em São Paulo. Não é à toa que, na ausência de coordenação federal, estados e prefeituras passaram a criar suas próprias regras. Fecharam praias e parques, limitaram atividades não essenciais e impuseram toques de recolher. Um lockdown nacional não seria razoável, pois a pandemia não está na mesma fase em todo o país. Mas iniciativas calibradas às diferentes realidades surtirão efeito. Para isso, Executivo e Legislativo precisam entrar em acordo sobre critérios nacionais de restrição, que sejam cientificamente consensuais e respeitados sem sabotagem.

Por fim, é preciso acelerar a vacinação — que já dá resultado. Mortes entre 85 e 89 anos caíram à metade na capital paulista. No Rio, a hospitalização de pacientes com mais de 90 anos recuou 34%. Só que, em dois meses, o Brasil vacinou pouco mais de 5% da população. Novas variantes do vírus têm atingido os mais jovens, que ainda demorarão a ser vacinados. Uma projeção da Fiocruz estima que, mantido o ritmo atual, o pais só vacinará a população em dois anos e meio. A perspectiva de aumento na produção e a compra de novas vacinas podem mudar esse quadro. O  GLOBO

O principal empecilho ao avanço dessa agenda sempre foi Bolsonaro. Ele tem horror ao isolamento, sabotou a vacinação e, no ano passado, incentivou seguidores a invadir hospitais. As últimas pesquisas mostram que tal atitude tem lhe custado pontos em popularidade, daí a mudança no discurso bolsonarista em relação às vacinas. Espera-se que a troca no ministério represente uma guinada nos demais itens da agenda. De nada adiantarão as boas intenções do novo ministro se o presidente insistir nos desatinos que levarão o Brasil a alcançar nos próximos dias a marca trágica de 300 mil mortos.

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