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O colegiado decide - Marcelo Knopfelmacher

Usuários das redes sociais passaram a criticar o fato de que alguns ministros do STF decidiram trabalhar durante o recesso forense, atitude essa que foi interpretada como uma afronta a seu presidente, ministro Luiz Fux.

A narrativa era que tais ministros impediriam a prerrogativa do presidente do STF de tomar decisões em processos durante esse período de descanso, diminuindo-se, com tal “manobra”, seus poderes de chefe do Judiciário.

O Brasil de fato é um país curioso: reclama-se de que os juízes não trabalham ou trabalham pouco. E, agora, a nova moda é reclamar dos juízes que trabalham demais.

O princípio do juiz natural determina que os jurisdicionados sejam julgados pela autoridade competente. Nos tribunais, diferentemente da primeira instância, onde há apenas um juiz, o juiz natural é, num primeiro momento, o juiz relator mas, em momento subsequente, passa a ser o respectivo órgão colegiado.

Assim, a regra perante os tribunais é a colegialidade, o conjunto de opiniões de seus respectivos integrantes, a fim de formar uma posição média voltada ao consenso.

Os tribunais, uma vez assim concebidos, permitem uma análise integrada e oxigenada sobre as questões jurídicas que lhes são submetidas, evitando imposições individuais ou injustiças.

Dito isso, voltamos à situação do presidente do STF durante o recesso. Não lhe cabe, salvo hipóteses excepcionalíssimas, decidir sobre questões que já se encontram sob a relatoria de outros ministros. Defender, portanto, que os ministros não trabalhem durante o recesso forense porque isso retiraria poder do ministro presidente significa atropelar o princípio do juiz natural.

O episódio, entretanto, da revolta contra os juízes que trabalham demais pode ter um significado importante para a nação, quanto à necessidade de serem colegiadas as decisões.

É que o protagonismo dos relatores tem se mostrado também prejudicial ao nosso sistema de Justiça, violando a essência dos tribunais, que é justamente a decisão em conjunto.

Defendemos, assim, proposta que modifique o Regimento Interno do STF, a fim de que se faça inserir em seu artigo 21, incisos IV e V, redação que determine a imediata submissão, por parte dos relatores, ao plenário ou à turma, de medidas cautelares de urgência.

Segundo ofício encaminhado pelo ministro Gilmar Mendes ao presidente do STF no último dia 21 de outubro, há 69 decisões monocráticas em processos de declaração de inconstitucionalidade de leis sem que tenham sido apreciadas pelo plenário. Dessas, pelo menos cinco estão pendentes de submissão pelo Plenário há mais de 2.500 dias, de acordo com o mesmo ofício. Mas é de supor que o número seja muito maior, porque o ministro Gilmar Mendes se referia apenas a Ações Diretas de Inconstitucionalidade e a Ações Declaratórias de Constitucionalidade, e não às demais classes de ações.

Esse sim é o grande problema de nosso STF; e não o fato de os juízes quererem trabalhar durante o recesso, sendo urgente, portanto, que se restabeleça a colegialidade de suas decisões.

Marcelo Knopfelmacher é advogado / O GLOBO

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