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Susep pede devolução de mais de R$ 1,2 bilhão de gestora do DPVAT

RIO DE JANEIRO

Investigação da Susep (Superintendência de Seguros Privados) detectou ao menos R$ 1,2 bilhão em supostos gastos irregulares da Seguradora Líder, empresa responsável por gerir o DPVAT, o seguro obrigatório para proprietários de veículos.

Responsável pela fiscalização do setor de seguros, a Susep quer o ressarcimento dos recursos aos cofres públicos. As supostas irregularidades ocorreram entre 2008 e 2020 e o valor final deverá ser corrigido — considerando o IPCA do fim de cada ano em que os gastos foram feitos, daria mais de R$ 1,7 bilhão.

A Líder afirmou que não tolera práticas irregulares e que está comprometida em prestar os esclarecimentos.

A investigação aponta gastos com despesas não relacionadas ao DPVAT, sem comprovação de pagamento ou de prestação dos serviços e com sobrepreço ou contratados sem concorrência. Em documento assinado no último dia 11, o procurador federal Jezhiel Pena Lima dá 30 dias para que os recursos sejam devolvidos.

A gestão do DPVAT é alvo também de uma ação do Ministério Público Federal, que pede o bloqueio de R$ 4,4 bilhões acumulados nas reservas técnicas do seguro. A Procuradoria alega que os recursos são fruto de fraudes para inflar o valor do seguro.

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O seguro DPVAT foi tema de uma série de reportagens da Folha que mostraram denúncias de mau uso do dinheiro arrecadado —com a compra, por exemplo, de veículos e garrafas de vinho— e de conflitos de interesse e favorecimento de sindicatos de corretores.

As primeiras denúncias de mau gasto foram feitas em relatório da consultoria KPMG, contratada pela própria Líder para averiguar suas contas após a deflagração da Operação Tempo de Despertar, que investigou um suposto esquema para a concessão de sinistros fraudulentos.

A investigação da Susep considerou os achados do relatório da KPMG e foi além, analisando transações identificadas pela auditoria interna da Líder e por fiscalizações do próprio órgão regulador. E identificou que as supostas irregularidades permanecem na gestão atual, nomeada pelos controladores da companhia após a operação da Polícia Federal.

Ao todo, a fiscalização identificou 2.119 transações suspeitas. Entre elas, por exemplo, estão doações sob influência política, contratação de consultoria com interesse próprio da Líder, pagamento de participações nos lucros, convênios e patrocínios sem evidência de prestação de serviços.

A Susep relata que a ausência de evidência de que os serviços contratados foram efetivamente prestados é passível de ressarcimento porque denota a saída de recursos do sistema DPVAT.

No caso, segundo as investigações, foram identificados 405 casos em que a falta de evidência da prestação do serviço foi a irregularidade considerada para a proposta de ressarcimento. Tais relatos superam o montante de R$ 108 milhões.

Entre tais despesas, está o patrocínio a um projeto de estudos sobre acidentes de trânsito, em atividades que renderam questionamentos próximos a R$ 10 milhões, além da contratação de escritórios de advocacia e empresas de consultoria no montante de R$ 9,3 milhões.

A Susep acusa a empresa de gerar um prejuízo de R$ 79,8 milhões com o pagamento de sinistros em valores maiores do que os previstos para cada caso, sob o argumento de que assim poderia evitar ações judiciais.

O relatório ainda elencou outras despesas não relacionadas com a operação do seguro DPVAT.

Alguns exemplos foram doações de R$ 300 mil para a reforma de um galpão a pedido de uma empresa privada, R$ 500 mil a uma entidade assistencial que tinha presidente preso em operação da Polícia Federal, R$ 700 mil a entidade vinculada a partido político e R$ 2 milhões em equipamentos a um órgão público.

Foi apurado um total de R$ 1,1 milhão em pagamentos a agências de turismo em serviços que não tinham relação com a operação do seguro e mais R$ 576 mil em passagens aéreas nos mesmos termos.

Além disso, a Susep mencionou gasto indevido na contratação de uma consultoria para avaliação de oportunidades de negócios no valor de R$ 925 mil.

Entre os gastos considerados irregulares pela Susep estão também despesas com festas e restaurantes. Em confraternizações de fim de ano de 2012, 2017 e 2018, foram R$ 788,7 mil. Com apenas um restaurante, outros R$ 306,6 mil, incluindo bebidas alcoólicas.

"Tais despesas não podem ser custeadas com recursos do DPVAT", diz o relatório do órgão regulador.

Para o Ministério Público Federal, a empresa foi leniente com as fraudes na concessão dos sinistros e maquiou suas finanças para aumentar seus lucros, já que o ganho de seus acionistas é proporcional ao valor arrecadado na venda das apólices.

Responsável pela gestão do DPVAT, a Seguradora Líder é controlada por um consórcio de seguradoras. Este ano, o grupo experimentou uma debandada inédita, com a saída tanto de grandes seguradoras, como Porto Seguro, Tokio Marine e Mapfre, quanto de subsidiárias dos maiores bancos brasileiros.

As empresas não detalharam o motivo da saída, mas o mercado viu uma estratégia para reduzir os riscos de danos à imagem e de eventuais responsabilizações criminais caso os processos contra a Líder cheguem a condenações.

No fim de 2019, o governo Jair Bolsonaro tentou extinguir o seguro DPVAT, mas a medida foi revertida no STF (Supremo Tribunal Federal). Como alternativa, reduziu em 68% o valor das apólices para carros e 86% para motos, alegando que há sobra de recursos no caixa da Líder.

LÍDER DIZ QUE NÃO TOLERA IRREGULARIDADES

A Líder afirma que recebeu ofício encaminhado pela Susep em 16 de novembro e informa que está comprometida com todos os esclarecimentos que se façam necessários sobre a gestão dos recursos do seguro DPVAT.

A seguradora também apontou "que não tolera, em hipótese alguma, quaisquer práticas irregulares ou ilícitas".

Ainda complementou que sua "atual diretoria implementou diversas boas práticas de governança e integridade corporativa para estar sempre aderente às premissas legais e regulatórias do setor, inclusive na relação com seus fornecedores e prestadores de serviços, que devem ser contratados com base em critérios técnicos, imparciais e transparentes".

De acordo com a Líder, a maioria das transações financeiras citadas no ofício da Susep refere-se ao entendimento de que os recursos do DPVAT são públicos, contrariando decisão do Tribunal de Contas da União e do poder Judiciário e objeto de contestação da Seguradora Líder em ações judiciais.

Por fim, a seguradora apontou que sua defesa será protocolada no prazo de 30 dias, conforme previsto no ofício enviado pela Susep.

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