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A situação calamitosa dos presos provisórios - O GLOBO

Há um “estado de coisas inconstitucional” nas prisões brasileiras, disse recentemente o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. A definição resume as contradições nos três Poderes sobre a política penal, postas a nu pela liberação do narcotraficante André do Rap, mesmo condenado em segunda instância a penas que superam 25 anos de cadeia.

A rigor, o Legislativo habituou-se a escrever leis sobre novos tipos penais em resposta à sociedade angustiada com as taxas de criminalidade. O Executivo reluta na necessária reforma da segurança pública e dos presídios. O Judiciário aplica o poder punitivo com uma seletividade que se tornou estrutural. Todos supõem que está tudo resolvido, até que se chocam com a realidade.

Evidência desse “estado de coisas inconstitucional” foi ressaltada pelo ministro Alexandre de Moraes no julgamento da semana passada: a situação de precariedade em que se encontram quatro em cada dez encarcerados, os presos provisórios.

A Justiça mantém 40% dos presos recolhidos sem condenação definitiva. Ou em razão de prisão em flagrante, ou prisão temporária à espera de pronúncia, ou ainda de sentença recorrível. É uma situação esdrúxula, reveladora do risco de deterioração do Estado resultante dos danos sistêmicos derivados da tendência ao encarceramento. Moraes lembrou, apropriadamente, que a média de presos provisórios no Brasil é o dobro da mundial (20%) e muito acima da europeia (9%).

Por coincidência, enquanto o Supremo discutia o problema, o Superior Tribunal de Justiça certificava sua gravidade e determinava que fossem soltos todos os presos cuja liberdade dependesse apenas do pagamento de fiança. Não se sabe exatamente quantos são os beneficiários da decisão. É certo, porém, que, dos 337 mil atualmente atrás das grades sem condenação definitiva, quase 70% foram presos em razão de crimes considerados de subsistência: delitos contra o patrimônio, como furtos, roubos ou tráfico de drogas no varejo.

É frequente, em tais casos, o aprisionamento por até quatro anos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como lembra o juiz Raúl Zaffaroni, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, há um século e meio predomina o entendimento de que penas de prisão provisória são reprodutoras de crimes. No Brasil, o Estado que prende os pequenos criminosos, os alimenta e paga pensão a suas famílias na realidade acaba por oferecê-los como mão de obra gratuita ao crime organizado nos presídios.

Não se trata de problema insolúvel, demonstra a experiência conduzida no Piauí em 2018, onde 71% dos presos eram provisórios. No ano passado, de acordo com o CNJ, a proporção caiu a 39% dos encarcerados. A solução exige iniciativas cooperadas entre os três Poderes. E, principalmente, mais eficiência do Judiciário.

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