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O mundo depois do tombo / O ESTADO DE SP

Nem bilhões ou trilhões de dólares nem taxas de crescimento: a soma de mortos pela covid-19, mais de 1 milhão até agora, é a primeira referência numérica da recém-divulgada Perspectiva Econômica Mundial, o mais importante relatório periódico do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao falar sobre o documento, a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, professora licenciada de Harvard, começou citando também aquele dado. Contraste: mortos foram raramente mencionados, até hoje, pelo presidente da maior economia do mundo, Donald Trump. Seu discípulo Jair Bolsonaro, presidente da maior economia latino-americana, também rejeitou o assunto. “Não sou coveiro”, respondeu, ao ser confrontado com o tema numa entrevista.

Também trágico foi o segundo número destacado no relatório: cerca de 90 milhões de pessoas devem afundar na miséria extrema por causa da pandemia. A economia global voltou a movimentar-se, depois do maior tombo em décadas, mas dezenas de países – avançados, emergentes e em desenvolvimento – chegarão ao fim de 2021 sem ter retornado ao patamar de 2019. Será uma ascensão longa, desigual e incerta, uma previsão inscrita no título da edição de outubro da Perspectiva.

O Brasil é um dos países condenados, segundo as projeções atuais, a terminar o próximo ano sem completar a recuperação. Em 2020, pelas novas contas, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ser 5,8% menor que o do ano anterior. A contração estimada em junho era bem maior, 9,1%.

A reação econômica a partir do terceiro trimestre motivou a revisão. No Brasil, como em dezenas de outros países, fortes medidas de estímulo fiscal e monetário impediram um desastre maior e atenuaram o desemprego. Mas o cenário previsto para 2021 é outro.

O crescimento brasileiro estimado para o próximo ano foi reduzido de 3,6% para 2,8%. Estímulos fiscais aplicados neste ano – gastos emergenciais e alívio temporário de impostos e contribuições – serão abandonados em 2021, se o governo respeitar os limites fiscais, como o teto de gastos, lembrou a economista-chefe Gita Gopinath.

Se possível, será bom o governo evitar a retirada total dos estímulos, comentou o diretor adjunto da área econômica, Gian Maria Milesi-Ferretti. Mas as medidas de auxílio, acrescentou, deverão ter foco muito bem definido.

Foco definido, no entanto, é uma noção estranha à atual política fiscal brasileira, exceto por um detalhe: o presidente Jair Bolsonaro mantém-se focado, há muito tempo, na reeleição.

Já se discutiu, ainda sem resultado, a inclusão da Renda Cidadã, versão bolsonariana do Bolsa Família, no projeto de Orçamento de 2021. Outros membros do Executivo têm examinado, talvez mais modestamente, o prolongamento de estímulos emergenciais. O resultado, até agora, foi muito falatório, nenhuma definição e muitos sustos para o mercado financeiro.

Enquanto o Executivo e seus aliados se enrolam nessa discussão, mantém-se a insegurança quanto às contas federais. Os frequentes saltos do dólar são explicáveis principalmente por esse e por outros problemas – nacionais e internacionais – criados pelo Executivo.

Ao construir suas projeções, no entanto, os economistas do FMI pressupõem, como explicou Gopinath, o respeito ao teto de gastos e uma política monetária adequada a uma inflação compatível com as metas oficiais. Essa aposta, pelo menos formal, numa gestão ajuizada é o aspecto mais otimista das estimativas para o Brasil.

Mas otimismo tem limites. Quando se trata de perspectivas de médio e de longo prazos, é difícil apostar num desempenho acima de medíocre. Em 2025 a inflação poderá continuar controlada. O déficit nas contas externas poderá ser moderado. Mas o crescimento do PIB estará limitado a 2,2%, taxa bem inferior às da Colômbia (3,7%), Paraguai (4%), Peru (3,8%) e, é claro, dos emergentes mais dinâmicos, como China (5,5%), Índia (7,2%), Indonésia (5,1%) e Vietnã (6,6%). Como prever algo melhor, quando o investimento produtivo continua muito baixo e nenhum plano de governo sugere pelo menos um rumo?

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