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'Pessoas suscetíveis que estavam em distanciamento social e agora voltam a sair estão mais vulneráveis que nunca', diz especialista

RIO — O Brasil se tornou mau exemplo global do que de pior pode acontecer na pandemia de coronavírus. Com mais de cem mil mortos e três milhões de infectados pela Covid-19, é o segundo país mais afetado. Ainda assim, e em parte por isso, é um dos que menos testa.

Testes moleculares, os RT-PCR, são essenciais para conter a pandemia, mas não basta ter o exame. É preciso oferecer rapidamente o resultado e usá-lo para interromper a propagação do vírus, afirma Pedro Barbosa, presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), ligado à Fiocruz, e integrante do conselho de especialistas do Todos pela Saúde, uma  iniciativa do Itaú Unibanco que investiu cerca de R$ 170 milhões nos centro de testagem da Fiocruz no Rio e em Fortaleza.

Como está a testagem no Brasil?

O Brasil testa muito pouco. Somente 1,5% da população brasileira foi testada por exame molecular, o RT-PCR. E só o exame molecular pode conter a pandemia. O ideal é que pelo menos 10% da população seja testada. Países como Reino Unido, EUA, Espanha e Bélgica testaram já mais de 10% da população, por exemplo.

Por que testamos tão pouco?

Nosso problema não foi desenvolver testes. Isso foi feito muito depressa pela Fiocruz e pelo Instituto de Biologia do Paraná. Hoje temos disponibilidade de exames. O problema é que a cadeia, a logística da testagem não foi organizada.

Como assim?

Não é só ter o teste. É preciso, por exemplo, distribuí-lo depressa, treinar pessoal no país inteiro para aplicá-lo, ter os EPIs necessários, coletar as amostras, transportá-las para os centros de processamento e ter esses centros em número adequado, como esse inaugurado agora. Estruturar essa cadeia não é simples. E houve o grave problema da desinformação sobre os testes rápidos de anticorpos.

Os testes rápidos servem para quê?

A maioria para nada, pois fomos inundados por testes rápidos de péssima qualidade, que causaram uma confusão enorme. Mas mesmo os melhores testes rápidos não servem para conter a transmissão. Eles são um instrumento de pesquisa epidemiológica, dão um retrato do passado. Esses testes mostram quantas pessoas foram expostas (e por isso têm anticorpos), mas não quantas estão infectadas naquele momento e potencialmente transmitindo o coronavírus.

E para conter a pandemia?

Precisamos ver o presente. E isso só com o teste molecular de RT-PCR. É ele que revela o que realmente está acontecendo. Você testa o presente, encontra as pessoas infectadas e faz rastreamento de contatos. Isto é, procura os indivíduos que tiveram contato com as pessoas infectadas, os testa e os isola, se estiverem com o coronavírus. É assim que se contém a pandemia.

Por que o percentual de contágio no Brasil é tão elevado?

Porque testamos pouco. Testamos basicamente por PCR os doentes e os mortos, e o resultado é uma taxa de 30% enquanto que o esperado seria 5%. Isto é, procuramos num grupo com viés, e isso distorce a realidade porque é claro que haverá mais gente infectada pelo coronavírus entre os doentes graves e os mortos com suspeita de Covid-19. Uma testagem assim comprova o óbvio e não busca nem os contatos. Você precisa achar onde o vírus está e não esperar que ele venha até você, testando só os doentes.

É preciso encontrar os portadores assintomáticos do coronavírus?

Isso é fundamental. Estima-se que o número de assintomáticos seja muito maior do que o de doentes positivos, e é por isso que a pandemia se estende. Os assintomáticos transmitem praticamente tanto quanto os doentes. Sem serem identificados, eles ficam por aí, disseminando o coronavírus.

Qual o papel dos testes moleculares na reabertura da economia?

A reabertura só deve ser feita com alta capacidade de testagem molecular. Os suscetíveis que estavam mantendo distanciamento social e agora começam a sair estão mais vulneráveis do que nunca. Para conter novas ondas, só com testes de PCR, isolamento dos infectados, doentes ou não, rastreamento de contatos, uso de máscaras.

Por quanto tempo?

Vamos ter que viver assim até contarmos com uma vacina.

Qual a expectativa com as novas centrais de testagem?

O desafio é entregar os resultados dos exames num prazo de 48h a 72h, se não, não adianta muita coisa. Temos desafios na logística e no processamento dos exames. Só na central, o processamento de uma amostra leva até 10 horas. Precisamos fazer com que as amostras de cidades do interior, onde a pandemia avança agora, recebam o resultado nesse prazo.

E o que fizeram para que isso ocorra?

Estruturamos com o Ministério da Saúde a logística da distribuição e da coleta, uma rede. Precisamos que as amostras cheguem às centrais de processamento em 24 horas.

Como o sistema todo pode melhorar?

Precisamos de um novo modelo de vigilância baseado na atenção primaria, na saúde de família, que tem muita capilaridade pelo país. Mas focamos no hospital, que é a ponta de processo. O foco na atenção primária poderia ter evitado muitos casos graves.

Em alguns lugares chegamos a uma imunidade coletiva?

Estima-se que exista uma imunidade coletiva quando de 15% a 20% estão soropositivos, isto é, têm anticorpos que mostram terem sido expostos ao coronavírus. Mas imunidade coletiva não quer dizer que o vírus não circula mais.

Por quê?

Porque ainda existem muitas pessoas vulneráveis, na verdade, a maioria. Apenas diminuiu a velocidade de propagação. É bom deixar claro que imunidade coletiva não é instrumento de política pública. Isso é suicídio.

O que é política pública contra a Covid-19?

Uma estratégia baseada em testagem, isolamento dos infectados, rastreamento de contatos e vacina. O GLOBO

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