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O serviço secreto pessoal do presidente

Bolsonaro montou um serviço secreto pessoal de informações para proteger seus filhos, parentes e amigos e que conta com relatos diários de integrantes da milícia do Rio de Janeiro. Esse núcleo clandestino recebe informes também de policiais civis, militares e federais de todo o Brasil, alinhados com sua doutrina de extrema direita. A estrutura ilegal funciona como uma Abin paralela, e é típica de governos autoritários, como aconteceu na Alemanha de Adolf Hitler, que montou a Gestapo e a SS para a sua proteção pessoal e ataque aos inimigos. Paralelamente ao seu serviço secreto particular, Bolsonaro está agora aparelhando a PF, com o objetivo de unir a estrutura dos órgãos oficiais (Abin, PF e GSI) ao sistema ilegal, que atua nos subterrâneos da política: a ideia é ter os dois grupos integrados na defesa de seus interesses pessoais, e, ao mesmo tempo, perseguir os adversários.

A maior ilegalidade cometida por Bolsonaro na vexatória reunião ministerial do dia 22 de abril, portanto, não foi a que ele confessa que iria interferir na PF, substituindo o diretor-geral e o superintendente no Rio, ou até mesmo o ministro Sergio Moro, caso ele não aceitasse operar as mudanças pretendidas, como de fato não aceitou, e por isso os três foram trocados. O mais grave foi o capitão revelar, no encontro, que ele possui um serviço secreto de informações, à margem da lei. “Sistema de informações: o meu funciona. O meu, particular, funciona. Os ofi..,, que tem oficialmente, desinformam”. Essa frase, dita por Bolsonaro na reunião, escancarou a existência do esquema clandestino de informações. No vídeo que registrou a reunião, e que está em poder do ministro Celso de Mello, do STF, o mandatário chegou a se vangloriar de ter o sistema próprio de averiguações, à revelia dos organismos oficiais, como a Polícia Federal (PF), Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Foi a confissão de mais um crime.

 

A milícia como informante

O próprio presidente explicou, em entrevista na porta do Palácio do Alvorada, na sexta-feira 22, após a divulgação do vídeo, que esse serviço secreto pessoal recebe informações de policiais civis e militares do Rio de Janeiro e de outros Estados, O esquema paralelo, como o próprio Bolsonaro esclareceu, foi montado porque ele estava cansado de reclamar que a PF, então coordenada pelo ministro Sergio Moro, não lhe passava as informações necessárias para a proteção de seus filhos, parentes e amigos, ameaçados por investigações que poderiam, eventualmente, levá-los para a cadeia. Para exemplificar como era “vítima” do precário sistema oficial de informações, Bolsonaro lembrou que o seu esquema de arapongagem ajudou-no a salvar de encrencas um dos seus filhos do Rio, que poderia ser alvo de apreensão de drogas em sua casa. “Passo o tempo todo vivendo sob tensão, com a possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu, onde provas seriam plantadas. Levantei isso. Graças a Deus tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio de Janeiro, de que estava sendo armado para cima de mim”, disse Bolsonaro. Juristas consultados por ISTOÉ afirmam que a manutenção do sistema secreto de informações é ilegal e inconstitucional.

Segundo parlamentares ouvidos por ISTOÉ, e que já foram íntimos da família Bolsonaro, mas que hoje estão rompidos, essa estrutura ilegal recebe informes, além dos policiais civis e militares ligados às milícias do Rio, de policiais federais, de membros da Polícia Rodoviária Federal, agentes da Abin e oficiais das Forças Armadas, ex-companheiros de profissão.“Ele tem esse esquema paralelo de informações desde o tempo em que era deputado. Eu convivi com ele e via como funcionava: a maior parte das informações vem dos milicianos cariocas. Basta ver que a maioria dos funcionários dos gabinetes de seus filhos no Rio era de parentes de milicianos. O capitão Adriano da Nóbrega, assassinado na Bahia, tinha sua mãe e a mulher como servidores no gabinete de Flávio”, disse o deputado Delegado Waldir (PSL-GO).

As informações chegam basicamente por meio do Whatasapp ou pelas mídias sociais, sobretudo de blogs bolsonaristas. Fontes do Legislativo e Judiciário acreditam que o “serviço secreto” de Bolsonaro “monitora” deputados e ministros do STF para usar informações pessoais que possam denegrí-los. O delegado Waldir garante que o presidente obtém ainda informações privilegiadas sobre o andamento de investigações e processos que envolvem seus amigos e parentes. “Agentes e delegados que participam de operações policiais, e que recebem informações antecipadas, mandam mensagens para ele, passando detalhes dos passos das investigações. Isso certamente aconteceu no caso do governador Wilson Witzel, acusado de irregularidades nos hospitais de campanha. Se o governador mexer em um parafuso no Rio, Bolsonaro fica sabendo. É por isso que, na véspera da operação da PF, o senador Flávio já sabia de tudo e disse que outras seis secretarias também passariam por um tsunami”, denunciou o deputado. Witzel, por sua vez, acusou Bolsonaro de “usar a PF para perseguição política”, enquanto o governador de São Paulo, João Doria, viu na ação contra o colega “uma escalada autoritária”. O governador do Maranhão, Flávio Dino, disse em live na ISTOÉ que “Bolsonaro está milicianizando o governo, depois de tê-lo militarizado”.

E não foi somente Flávio Bolsonaro que soube com antecedência da operação contra Witzel, comandada nos primeiros dias da gestão de Tácio Muzzi, o novo superintendente da PF no Rio, agora sob ordens do presidente. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também soube antes . “A Carla faz parte dessa rede. Ela dorme com a maior fonte de informações do país hoje. É casada com o coronel Antonio Aginaldo de Oliveira, chefe da Força Nacional, do Ministério da Justiça. Ele sabe de todas as operações policiais em andamento no país. Toma café da manhã com o presidente, com os ministros militares. Sabe de tudo”, afirmou Waldir.

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A Gestapo brasileira

A deputada Joice Hasselmann, líder do PSL na Câmara e que conviveu na intimidade com o presidente durante o primeiro ano do mandato, por ter sido a líder do governo no Congresso, é bem mais clara sobre os objetivos do mandatário na montagem dessa estrutura à margem da lei. “Bolsonaro criou uma Gestapo particular, com agentes ligados à Abin, à PF, e policiais do Rio de Janeiro. É óbvio que é um esquema criminoso. O presidente está montando sua milícia pessoal para perseguir adversários e proteger familiares e amigos”, denunciou a parlamentar, que já havia acusado os filhos do presidente à CPMI das Fake News. Quando a deputada fala na criação da Gestapo de Bolsonaro, ela compara o bolsonarismo ao nazismo. Com o desejo de se perpetuar no poder de forma autoritária, perseguindo e eliminando inimigos, Adolf Hitler criou, em 1933, a sua polícia secreta, conhecida como Gestapo. Essa estrutura era sustentada, também, pela SS (tropa de proteção), que chegou a ter um milhão de homens armados. As duas organizações, à margem das Forças Armadas da Alemanha, sustentaram o Terceiro Reich – o regime nazista -, e cometeram os mais bárbaros crimes durante a Segunda Guerra. “Guardadas as proporções, é um modelo semelhante”. Na história, outros governos autoritários montaram estruturas de informações paralelas. Na ditadura brasileira iniciada em 1964, os militares criaram oficialmente o Serviço Nacional de Informações (SNI), mas por debaixo dos panos usaram recursos clandestinos do Doi-Codi e Operação Bandeirantes.

Abin paralela

E a parlamentar sabe do que está falando. Conviveu com Bolsonaro e seus filhos durante meses a fio. “Eu era da cozinha do presidente”. Essa proximidade a fez ter informações privilegiadas da movimentação do presidente na criação desse serviço secreto. “No início do governo, o Carlos Bolsonaro tentou estruturar, junto com o pai, uma Abin paralela, justamente para fazer investigações próprias, produzir dossiês ilegais para perseguir desafetos e proteger os parentes, já que àquela altura o Flávio já era acusado pelas rachadinhas e enriquecimento ilícito no Rio. Na época, a iniciativa foi barrada tanto pelo general Santos Cruz (ministro da Secretaria de Governo), como por Gustavo Bebianno (ministro da Secretaria-Geral da Presidência). E nós vimos o que aconteceu com eles: o presidente colocou os dois para fora”. Após a saída de ambos, a Abin paralela foi criada, assegurou Joice.

Essa iniciativa, na verdade, foi revelada pelo ex-ministro Bebianno poucos dias antes de morrer, em fevereiro último. Bebianno disse que a estrutura estava sendo montada com a participação de policiais federais e agentes da Abin oficial. “O próprio Bebianno me contou, e outros ministros do núcleo duro do governo confirmaram, que a Abin paralela tinha o delegado Alexandre Ramagem como operador”. A deputada afirmou que Carluxo, “com a anuência do pai”, tentou colocar Ramagem como o coordenador da Abin paralela, mas como a iniciativa foi barrada, Carlos e o pai emplacaram seu nome na Abin oficial. “Se Ramagem faz um trabalho duplo, um oficial pela Abin e outro paralelo, isso tem que ser investigado rapidamente. Porque estão usando instrumentos oficiais para cometer crimes”, alertou Joice. O esquema paralelo passa também pelo “gabinete do ódio”, coordenado por Carluxo. “A Abin paralela está atrelada ao gabinete do ódio, porque a milícia de Bolsonaro promove fake news, forja dossiês, investiga desafetos de forma ilegal, quebra sigilos, vasculha contas, usa todos os instrumentos legais e ilegais”, acusa.https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2020/05/57-3-418x246.jpg 418w" sizes="(max-width: 1024px) 100vw, 1024px" style="box-sizing: border-box; margin: 0px auto; padding: 0px; font: inherit; vertical-align: baseline; display: block; height: auto; max-width: 100%; width: 879px;">

Paralelamente, o capitão segue aparelhando a PF. Ramagem, que é amigo dos filhos do presidente e foi o chefe da segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, foi barrado pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, de assumir a direção da entidade, mas deixou lá o delegado Rolando de Souza, seu braço direito na Abin. Depois de mudar o superintendente da PF no Rio, como Bolsonaro queria, o novo chefe da PF assinou, na quarta-feira 27, um total de 99 portarias, modificando a composição da organização em todo o pais. “Está tudo dominado na PF agora”, disse um deputado.

Exemplos dos perigos desse serviço secreto não faltam. As contas bancárias do empresário Paulo Marinho foram devassadas, depois dele ter denunciado que Flávio Bolsonaro foi avisado com antecedência de que a PF realizaria uma operação para investigar seu ex-motorista Fabrício Queiroz. O jornalista William Bonner, da TV Globo, considerado inimigo do bolsonarismo, teve quebrado o sigilo de seus dados pessoais informados à Receita Federal. Em nota, a Globo disse que o vazamento dos dados do jornalista “tem o claro propósito de intimidar”. Essa é mais uma face obscura do presidente.

 

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