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O histórico nó entre os presidentes da República e o comando da PF

Por Thiago BronzattoLaryssa Borges - VEJA

 

ROLANDO SOUZA COM BOLSONARO

Nas palavras de Jair Bolsonaro, o país esteve bem perto de uma crise institucional nos últimos dias. “Faltou pouco, muito pouco”, segundo ele. E o motivo dessa situação foi a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou liminarmente o decreto de nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Para o magistrado, havia o risco de a corporação ser usada para atender a interesses privados do presidente. Bolsonaro, por sua vez, considerou que Moraes exorbitou de suas prerrogativas, e chegou a cogitar a hipótese de não cumprir a determinação judicial, mas desistiu. Foi convencido de que a desobediência provocaria uma perturbação de consequências imprevisíveis, e ele poderia ser acusado de crime de responsabilidade, delito que pode levar ao impeachment. “Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes, não engoli. Não é essa forma de tratar o chefe do Executivo”, protestou.

POR MUITO POUCO - Substituição de Valeixo: quase uma crise institucional Paulo Lisboa/AFP

O embate parecia, mas não estava encerrado. O presidente insistia na indicação de Ramagem, que coordenou sua segurança durante a campanha eleitoral e é amigo do filho Carlos Bolsonaro. Junto com assessores, chegou a traçar uma ousada estratégia para burlar a liminar sem deixar transparecer que estaria afrontando diretamente o STF. A resolução do ministro Alexandre de Moraes impedia a nomeação do delegado para a direção-geral, mas não falava nada sobre outros postos dentro da estrutura da polícia. Bolsonaro foi então aconselhado a assinar um novo decreto, dessa vez colocando Ramagem na diretoria executiva da PF, o segundo posto da instituição. Dessa forma, o número 2 responderia interinamente pela corporação, o que daria a Ramagem, na prática, as atribuições de diretor-geral.

NA JUSTIÇA – Moro: ele reafirmou as tentativas de interferência política na PF Cristiano Mariz/VEJA

O anúncio do novo diretor executivo seria publicado no Diário Oficial da segunda-feira 4. Na madrugada, porém, alertado de que o ardil para burlar a ordem judicial, mesmo indireto, poderia resultar na mesma acusação de crime de responsabilidade e, por consequência, funcionar como gatilho para um processo de impeachment, Bolsonaro finalmente desistiu. Para o lugar de Maurício Valeixo, o ex-diretor que ele demitiu há duas semanas, foi nomeado o delegado Rolando de Souza, amigo e assessor direto de… Alexandre Ramagem, que reassumiu seu antigo cargo de comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A crise institucional realmente não aconteceu por pouco, muito pouco. É de perguntar por que razão o presidente quase pôs a estabilidade do governo em jogo e o próprio cargo em risco apenas para nomear uma pessoa de sua confiança para comandar a Polícia Federal.

 Sergio Lima/Arquivo

O GRAMPO
Fernando Henrique Cardoso escolheu o delegado Vicente Chelotti, irmão de um de seus seguranças de campanha, para dirigir a Polícia Federal. Logo nos primeiros meses de governo, o tucano enfrentou um enorme escândalo, depois que foi revelado que a PF grampeara clandestinamente os telefones do chefe do cerimonial do Planalto durante uma investigação de tráfico de influência que envolvia assessores do presidente

Algumas pistas foram dadas pelo ex-ministro Sergio Moro no depoimento que ele prestou à Justiça no sábado 2, depois de pedir demissão do cargo e acusar Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal. O ex-juiz da Lava-Jato confirmou que decidiu deixar o Ministério da Justiça quando o presidente, sem seu conhecimento, exonerou Maurício Valeixo da direção da PF — o ponto de ebulição de um processo que já se arrastava havia muito tempo e tinha como foco as pressões do presidente para trocar o comando de alguns setores da PF. Moro reafirmou que Bolsonaro insistia para que ele afastasse Valeixo e o superintendente da corporação no Rio de Janeiro. Para provar o que estava dizendo, o ex-ministro mencionou uma mensagem que recebeu do presidente da República com o seguinte teor: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. De acordo com o ex-juiz, “a substituição sem causa do diretor-geral e a indicação de uma pessoa ligada ao presidente e à sua família seriam uma interferência política na PF”.

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 Cristiano Mariz/VEJA

PROTEÇÃO
Michel Temer já estava com os investigadores da Lava-Jato em seus calcanhares quando decidiu trocar a direção da Polícia Federal. O ex-presidente se considerava alvo de uma perseguição que incluía seus familiares e amigos. Ao nomear Fernando Segovia para dirigir a PF, Temer acreditava que conseguiria reduzir a pressão. Após tomar posse, o delegado defendeu publicamente o presidente — repercutiu tão mal que ele caiu logo depois

Na terça-feira 5, já sob as ordens de Rolando de Souza, o então superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira, foi promovido a diretor executivo da corporação. Para o lugar dele, foi indicado o delegado Tácio Muzzi, ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Depois de quase um ano de tentativas, Bolsonaro finalmente conseguiu implementar as mudanças que tanto queria, e explicou sua singela motivação: “O Rio é meu estado”. Em 2003, no governo Lula, o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, dizia que o PT só teria o domínio efetivo do governo quando controlasse a Polícia Federal. A PF, segundo ele, era tucana e estaria aparelhada para inviabilizar a administração petista. Depois de algum tempo, soube-se quais eram as verdadeiras preocupações de Dirceu e seus companheiros de partido em relação à polícia. Bolsonaro, assim como Dirceu, acha que a PF, particularmente a seção carioca, estava aparelhada para inviabilizar seu governo, inclusive forjando investigações contra seus filhos e amigos.

 Lula Marques/.

AOS INIMIGOS
O ex-ministro José Dirceu dizia que o PT só teria pleno domínio do governo quando controlasse a Polícia Federal. Lula escolheu Paulo Lacerda, um antigo conhecido dos petistas, para comandar a PF. O delegado iniciou um ciclo de operações espetaculosas que envolviam casos de corrupção. Nenhuma delas farejou o mensalão nem o petrolão. Lacerda ainda dirigiu a Abin, na qual acabou pilhado na condução de uma operação de espionagem contra supostos inimigos do PT

O presidente tem um fato que o ajudou a alimentar essa desconfiança. Em setembro do ano passado, ele foi informado de que havia uma investigação da PF do Rio que envolvia um de seus aliados, o deputado Hélio Lopes, conhecido como Hélio Negão, em um esquema de fraudes previdenciárias. Havia mesmo, mas, descobriu-se depois, o alvo verdadeiro do inquérito era um homônimo do parlamentar. Bolsonaro achou que a confusão tinha sido proposital — e aparentemente foi mesmo —, que estavam armando uma cilada a ele e, a partir dali, intensificou a pressão sobre Sergio Moro para trocar a chefia da superintendência.

Na cabeça de Bolsonaro, ter alguém de confiança no comando da PF evitaria conspiratas como essa. É provável que, sim, mancadas desse tipo não acontecessem. Mas o fato é que a Polícia Federal é um órgão estatal que funciona independentemente de quem está no poder. Existem grupos mais simpáticos a uma ou outra corrente política? Sim, mas a maioria são profissionais sérios. E, como existem muitas correntes, não há como controlar investigações que possam comprometer aliados ou pessoas próximas. Além disso, o poder do diretor-geral é limitado. Diversas incursões ocorrem sem que ele ao menos saiba. E, se existem provas, não há mais como segurar a situação. Controlar a Polícia Federal, aliás, sempre esteve na pauta de objetivos dos governantes — e as tentativas nessa direção quase sempre resultaram em problemas ou rumorosos escândalos. Foi assim no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, foi assim no governo do petista Lula e foi assim no governo do emedebista Michel Temer. Todos eles tentaram. Como mostram os boxes desta reportagem, nenhum deles se deu muito bem.

Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

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