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Paciência - Por Antônio Gois

Para a maioria das famílias que começou a quarentena na semana passada, os primeiros dias de adaptação da rotina doméstica, conciliando trabalho e estudos, foi certamente um desafio. As primeiras orientações da escola eram confusas, gerando mais ansiedade no grupo de WhatsApp de pais: era preciso pegar os livros no armário do colégio? E quem já estava em quarentena? Os professores postariam as páginas dos exercícios em alguma plataforma? Como docentes de duas disciplinas puderam marcar uma aula ao vivo para o mesmo horário? Enquanto uma parte comemorava o sucesso da primeira aula virtual, outros se frustravam pois não conseguiram a conexão. 

Diante dos primeiros desencontros, alguns questionavam: como a escola não se preparou? Não podem exigir isso ou aquilo. Deveriam ter gravado a aula. Poderiam ter feito de outra maneira... É compreensível que uma mudança tão súbita e drástica na rotina, no meio de um quadro de tanta incerteza, gere esse tipo de reação. Mas os dias exigem, na medida do possível, um pouco mais de paciência. De nós, dos professores, das crianças, de todos.

É difícil lidar com a ansiedade nesse contexto, especialmente em tempos de cobrança excessiva para sermos superprodutivos no trabalho, sem descuidar da atenção à educação dos filhos. A expectativa de que tudo funcione perfeito, como se devêssemos todos ser “Tiger Moms” (apelido das mães de origem asiática que dedicam tempo intensivo na tarefa de superestimular seus filhos), já não era realista em tempos normais, e é ainda menos factível no atual contexto. 

Há famílias e escolas que se adaptarão com menos dificuldade à nova rotina, mas, mesmo nesses casos, prejuízos à aprendizagem serão inevitáveis. E aqui está um ponto muito importante de atenção para o sistema educacional: alguns alunos serão mais prejudicados do que outros. 

Uma das evidências a respeito disso vem de estudos de um fenômeno conhecido como “summer gap”. Durantes as férias, é normal que crianças e jovens apresentem alguma perda da aprendizagem, medida em testes de disciplinas tradicionais. O problema é que alguns alunos, especialmente filhos de pais com menor renda e escolaridade, têm perdas maiores. Esse fenômeno é mais intenso no ensino médio e nas provas de Linguagem.

As hipóteses para explicar por que isso ocorre são bastante intuitivas: famílias com mais recursos têm mais capacidade de proporcionar aos seus filhos oportunidades de aprendizagem fora da escola. A constatação de que o fenômeno é mais intenso na área de Linguagem é explicada pelo fato de essa disciplina ser mais sujeita à influência familiar do que a matemática. Nem todos os pais têm conhecimento avançado em matemática, mas, em Linguagem, desde muito cedo, crianças que vivem em lares com adultos mais escolarizados estão expostas a um volume maior de vocabulário, e têm mais incentivos para desenvolver hábitos de leitura. 

Num período de homeschooling forçado para todos, é razoável supor, diante dessas e de outras evidências, que teremos agravado um problema de desigualdade na aprendizagem. Portanto, passada a fase de prioridade absoluta de preocupação com a saúde, será necessário um esforço adicional dos sistemas educacionais, especialmente com os estudantes de famílias mais vulneráveis. Não sabemos ainda quando tudo voltará ao normal, mas é bom já começarmos a pensar em estratégias futuras para mitigar os prejuízos inevitáveis. O GLOBO

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