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Para pesquisadores, criação de factoides ajuda Bolsonaro a mobilizar militância e lidar com notícias negativas

Marlen Couto / O GLOBO

 

BOLSONARO À PORTA DO ALVORADA

 

RIO - A cena tem se repetido na saída do Palácio da Alvorada. Sob aplausos de sua claque, o presidente Jair Bolsonaro é questionado pelos jornalistas sobre temas do momento — do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) aos desdobramentos da investigação do Ministério Público do Rio envolvendo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). A resposta do presidente é disparada na forma de ataques à imprensa ou de declarações não esperadas de quem ocupa o comando do Executivo.

 

Aparentemente espontânea, a fórmula é uma estratégia que, na avaliação de especialistas consultados pelo GLOBO, serve a múltiplos propósitos: mobiliza sua base mais fiel nas redes sociais; cultiva a posição antiestablishment adotada por Bolsonaro desde a campanha de 2018; e divide a atenção de notícias negativas para sua gestão e a primeira-família.

No episódio mais recente, Bolsonaro foi ao encontro dos jornalistas na última quarta-feira, acompanhado pelo humorista Márvio Lúcio, conhecido como Carioca, que estava fantasiado com terno, peruca e faixa presidencial. Perguntado sobre o resultado do PIB, que segundo o IBGE teve alta de 1,1%, a menor taxa desde o fim da recessão, o presidente fugiu do tema e sugeriu ao humorista responder à imprensa. A cena foi filmada por um ajudante de ordens da Presidência e transmitida nos perfis de Bolsonaro nas redes sociais, onde gerou mais de 5,7 milhões de visualizações até a última sexta-feira.

No Twitter, o resultado do PIB gerou 208,8 mil menções entre o dia 2 e 6 de março, de acordo com levantamento da startup de big data Arquimedes, feito a pedido do GLOBO. A maior parte das postagens, cerca de 81,2%, teve tom de desaprovação ao desempenho da economia e à participação do humorista na coletiva de imprensa na porta do Alvorada. Já as publicações em defesa do governo e que repercutiram positivamente a presença de Carioca somaram 18,8% das menções.

— No saldo final, o humorista acabou dando mais argumentos aos detratores do governo, que dominaram o debate nas redes — avalia Pedro Bruzzi, sócio da Arquimedes.

A fórmula do presidente
humorista Carioca
Debate sobre o PIB e humorista
04/3
Após o PIB crescer 1,1%, Bolsonaro não respondeu a perguntas da imprensa sobre o fraco desempenho da economia. O presidente apareceu no Alvorada acompanhado do humorista Carioca, que distribuiu bananas aos jornalistas
Impacto nos
perfis de Bolsonaro
Impacto
no Twitter
FACEBOOK
INSTAGRAM
TWITTER
2,3 milhões
3,1 milhões
de visualizações de
vídeo e 30 mil
compartilhamentos
de visualizações
de vídeo
208,9
265,9 mil
menções
no Twitter*
visualizações
de vídeo
81,16%
19,84%
Mensagens em tom de desaprovação ao governo e ao resultado do indicador. A participação do humorista Carioca na coletiva de imprensa ao lado de Bolsonaro também foi mencionada
Mensagens de apoiadores do governo, que argumentaram que o PIB não é a única medida para avaliar a economia e também citaram a participação do humorista
* Menções entre o dia 2 a 6 de março. O levantamento foi feito pela Arquimedes
Ataque a Patrícia
Campos Mello
Caso
Wajngarten
Caso Flávio
Bolsonaro
18/2
16/1
20/12
Bolsonaro insultou com insinuação sexual a jornalista do jornal “Folha de S. Paulo” Patrícia Campos Mello. A declaração ocorreu em meio à repercussão das investigações sobre a morte do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, ligado ao senador Flávio Bolsonaro. No mesmo dia, foi noticiado que 13 telefones celulares e sete chips apreendidos com o miliciano passariam por perícia.
Bolsonaro foi questionado em uma coletiva na porta do Alvorada sobre a abertura de um inquérito para investigar o titular da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Fabio Wajngarten. Em resposta, atacou a imprensa e mandou uma repórter “calar a boca”.
Quando questionado sobre a investigação de rachadinha contra o filho, o senador Flávio Bolsonaro, o presidente voltou a atacar a imprensa: “Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual”, afirmou a um repórter. Dois dias antes, endereços ligados ao senador foram alvos de uma operação do MP do Rio.
Impacto no perfil de Bolsonaro
no Facebook
316,5 mil
763 mil
415 mil
visualizações
de vídeo
visualizações
de vídeo
visualizações
de vídeo

Estilo troll

Estudiosa do bolsonarismo, Isabela Kalil, pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), lembra que a estratégia de se associar ao humor e a falas ofensivas ou inesperadas para o cargo, no estilo troll, adotado por provocadores na internet, não é novidade na trajetória política do presidente Jair Bolsonaro, que antes de ser eleito para o cargo frequentava programas de auditório e humorísticos na TV.

— A ideia de que Bolsonaro é um homem comum, um outsider, é a estratégia que cria a figura política do Bolsonaro. Ela foi muito bem-sucedida entre os eleitores de sua base até aqui. O ápice dessa estratégia foi a publicação sobre golden shower (a prática sexual foi citada pelo presidente no Twitter no ano passado).

Kalil destaca, no entanto, que é a primeira vez que o presidente adota essa estratégia para abordar um assunto da agenda econômica, o que pode ter impacto negativo em parte de sua base eleitoral.

— O problema é que parte do eleitorado que sustenta a base do presidente é formada por apoiadores da agenda econômica, representada pelo ministro Paulo Guedes. Para essa base pragmática, a piada não teve graça, o presidente não deu uma resposta satisfatória — diz a pesquisadora, acrescentando:

— É um eleitorado que tolera as declarações e ataques do presidente em nome da agenda econômica. A questão é que, se essa agenda se desgasta, há risco de ele não tolerar mais.

Outros casos recentes — também transmitidos nas páginas de Bolsonaro nas redes — indicam que há um método. No fim de fevereiro, o presidente insultou com insinuação sexual a jornalista do jornal “Folha de S. Paulo” Patrícia Campos Mello, ao afirmar que a jornalista “queria dar um furo a qualquer preço”, em referência ao depoimento na CPMI das Fake News no Congresso de Hans River, ex-funcionário de uma empresa que fez disparos em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018. Na ocasião, o ex-funcionário atacou Patrícia afirmando que a repórter “se insinuou” e queria “sair” com ele, o que foi desmentido pelo jornal com a publicação de troca de mensagens entre os dois. A declaração ocorreu em paralelo à repercussão das investigações sobre a morte do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, ligado a Flávio Bolsonaro. No mesmo dia, foi divulgada a informação de que treze telefones celulares e sete chips apreendidos com Adriano passariam por perícia.

Em janeiro, Bolsonaro foi questionado em uma coletiva na porta do Alvorada sobre a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para investigar o titular da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Fabio Wajngarten, após a revelação de que a empresa do secretário tem contratos em vigor com emissoras de televisão e agências de publicidade que recebem verbas do governo federal. Bolsonaro atacou mais uma vez o jornal “Folha de S. Paulo” e mandou uma repórter “calar a boca”.

Em dezembro, o presidente teve a mesma reação quando perguntado sobre a apuração do MP do Rio da prática de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), dois dias depois de endereços ligados ao filho do presidente serem alvo de uma operação de busca e apreensão autorizada pela Justiça. Na ocasião, Bolsonaro afirmou a um repórter do GLOBO que o questionou sobre o assunto: “Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual”.

Tática militar

O antropólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Piero Leirner defende que os episódios de contradições e polêmicas criados pelo presidente não são espontâneos, mas compõem uma tática militar de comunicação extremamente pensada que funciona na lógica do que chama de “guerra híbrida”, uma modalidade de guerra em estado permanente que opera no campo psicológico com o objetivo de desorientar.

— Desloca-se a guerra para um campo psicológico, da cognição. A ideia é fazer o “inimigo” e a “população” entrarem em um modo constante de dissonância cognitiva, desorientá-los e introduzir neles um viés que opere a seu favor. O que interessa não é o conteúdo em si, mas a forma — analisa Leriner. — O mesmo governo que produz um “ataque” vem com a solução. As pessoas passam a perceber que a solução já está dada no próprio governo, apagam o registro de que o caos é gerado por ele próprio.

Para Leirner, os militares no governo ocupam esse papel:

— Bolsonaro estica a corda, e os militares aparecem como solução de moderação. Ele tensiona para que eles depois apareçam como solução de ordem.

 

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