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Pecuária intensiva e integrada à soja faz fazenda ecológica multiplicar produção

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo

04 de janeiro de 2020 | 05h00

Correções: 04/01/2020 | 15h18

SÃO PAULO - Quando Pelerson Penido decidiu modificar o negócio de décadas da família, sua maior preocupação era fazer a velha fazenda de gado dar certo. Os animais cultivados de modo extensivo não se mostravam rentáveis, a terra estava seca, o pasto, improdutivo. Era quase mais vantajoso deixar o dinheiro no banco do que na fazenda. Ele, então, intensificou a pecuária, integrou com o plantio de soja e, em apenas dez anos, aumentou a produção de alimentos em 40 vezes sem derrubar nenhuma árvore. Sustentabilidade não era sua meta, mas se tornou a consequência de suas ações. E hoje é seu plano futuro. Com a agropecuária, ele quer melhorar o planeta.

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Fazenda Roncador, no norte de Mato Grosso, que já teve pecuária extensiva, passou por um processo de intensificação da pastagem e integração com a lavoura de soja Foto: Marcos Lopes

Penido, que comanda uma das principais fazendas de gado e soja do Brasil, a Roncador, em Querência (MT), trilha um caminho considerado uma das melhores alternativas para um setor que vem acumulando má fama em sua relação com o ambiente. A agropecuária é a atividade econômica responsável pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa no País, tanto por causa do desmatamento associado para expansão da fronteira quanto pela fermentação entérica dos animais.

No início de agosto, quando as queimadas escancaravam a alta do desmate na Amazônia provocado em parte por madeireiros e pecuaristas, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que 23% das emissões de gases-estufa mundiais são provenientes da agropecuária e do desmatamento. O corpo científico declarou que combater a perda das florestas e produzir alimentos de forma mais sustentável são fundamentais para conter o aquecimento global. E ainda sugeriu que a humanidade consuma menos carne.

“Todo mundo fala mal do boi. Coitado do boi...”, reflete Penido. “Mas não precisa ser assim. Fazendo as coisas certas, em vez de emitir, passamos a sequestrar carbono”, diz, em referência a um dos principais resultados da transformação da Roncador. Considerando o balanço de toda a operação, a fazenda, que na safra de 2007-2008 emitia 46,7 mil toneladas de CO2-equivalente, passou a capturar, em 2018, 89 mil toneladas de CO2-equivalente. “A gente neutraliza as emissões anuais de 51 mil carros”, calcula.

Por “coisas certas”, Penido resume: “fazer gestão, medir, aplicar”. Para ele, falta isso para o pecuarista tradicional: medir e entender os dados da própria fazenda. Foi o que lhe deu base para saber quais vacas retirar do pasto porque não ficavam prenhes, recuperar a área e ajustar a taxa de lotação. 

A pecuária, que ocupava quase 60 mil hectares da fazenda (cerca de metade era degradada), foi intensificada e hoje alcança cerca de 30 mil hectares (o equivalente a cerca de 30 mil campos de futebol). A produção de carne, por sua vez, cresceu 30%. Parte da área original foi convertida para um sistema consorciado que alterna pasto com soja - a chamada integração lavoura-pecuária (ILP). 

A fazenda cria 70 mil cabeças de gado e, na última safra, produziu 1,4 milhões de sacas de 60 quilos de soja - no total, produz 40 vezes mais alimentos que há uma década. “E a expectativa é dobrar a produção de carne em quatro anos”, diz Penido.

Sistema 4Ps

Isso foi resolvido dentro do mesmo espaço já aberto no passado. A fazenda, de 152 mil hectares (tamanho da cidade de São Paulo), manteve metade de sua área preservada. “Aumentamos a produção de alimentos cuidando da floresta, da fauna, arrumando onde precisava e com as pessoas se desenvolvendo”, diz o produtor, que apelidou seu sistema de 4 Ps - “plantio, pecuária, pessoas e planeta”.

Ao longo de quatro meses, parte do terreno é ocupada com a agricultura. Um pouco antes da colheita, sementes de capim são jogadas por avião no terreno. “Quando colhemos a soja, o capim já está pequenininho no campo. No início da temporada seca, quem sobrevoa o norte de Mato Grosso em julho, agosto, vê tudo seco na região. Mas na fazenda está aquele mar verde escuro, de terra boa. Parece um oásis. E o gado, que antes tinha dificuldade de se alimentar na seca, agora tem seu período mais farto nesse período.”

Um cultivo ajuda a melhorar o outro, aumentando a ciclagem de nutrientes no solo e mantendo sua umidade. O plantio da soja é feito sobre a palha do capim. E, com a alternância de cultivos, não ocorre a compactação do solo tradicional da pecuária pelo pisoteio do gado. 

Os dados sobre a transformação do sistema e o balanço de carbono da Roncador foram publicados em setembro na revista Agroanalysis, com o aval do engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, uma das maiores autoridades sobre agricultura de baixo-carbono. A ideia é replicar o modelo.

“A ideia não é só melhorar a pecuária. Meu olhar é abrangente sobre qual é o melhor sistema. Qual é a forma de ter mais eficiência e assim melhorar o mundo”, afirma Penido.

‘Isso comprova que tudo o que falamos é viável’

A estratégia é defendida já há alguns anos por especialistas como uma forma de aumentar a produção de alimentos, conter o desmatamento e ainda evitar emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global. O governo federal tem desde 2010 o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) exatamente para incentivar transformações nesse estilo. E, dentro do Plano Safra de crédito rural, há uma porcentagem voltada para iniciativas ABC.

Mas pouco se avançou nessa agenda ao longo da década e, neste ano, o ABC teve o menor repasse desde que foi criado. Os casos de sucesso no País de sistemas integrados ou de intensificação da pecuária são, em geral, projetos-piloto em pequenas ou médias propriedades.

Alguns dos exemplos são os que contam com a consultoria da empresa Pecsa (Pecuária Sustentável da Amazônia), que atua na recuperação de pastagens e intensificação da produção no MT. O bom desempenho em uma fazenda do tamanho da Roncador indica que o modelo pode ser replicado em grandes propriedades de modo vantajoso (veja os resultados dos modelo tradicional, da Pecsa e da Roncador no quadro acima).

“Os resultados comprovam que tudo o que falamos há anos é viável. A pecuária, se bem feita, pode ser responsável por tirar muito gás de efeito estufa da atmosfera”, diz Assad, que assinou o artigo com Penido. “Mas em geral, quando o pecuarista vê que precisa gastar para implementar a mudança, se desinteressa. Agora o pessoal está percebendo que pode captar dinheiro por fazer práticas sustentáveis, com pagamento por serviços ambientais e mercado de carbono”, complementa.

Expansão do modelo

Os resultados da Roncador estão sendo usados para tentar convencer outros pecuaristas a também mudarem seus negócios. Esse trabalho vem sendo conduzido por Caio Penido, irmão de Pelerson, que preside o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável e coordena a Liga do Araguaia.

A articulação, que surgiu com a missão de neutralizar 500 mil toneladas de CO2 com reflorestamento por ocasião da olimpíada, trabalha para estimular a intensificação sustentável da pecuária, a regularização fundiária e ambiental e a valorização do ativo ambiental, com o pressuposto de que a mudança é economicamente viável. Já foram mobilizadas 63 fazendas, em um total de 150 mil hectares, no Vale do Araguaia.

“A ideia é mostrar que o produtor pode ser protagonista. Se ele está sendo afetado por notícias negativas, tem de mostrar que pode ser um aliado (do ambiente) e grande beneficiário. Além de ganhar mais com a intensificação, pode ganhar com crédito de carbono. Temos de evoluir”, afirma Caio.

Correções
04/01/2020 | 15h18

Diferentemente do que foi publicado, 30 mil hectares equivale a cerca de 30 mil campos de futebol.

As emissões do gado

Pecuária é uma das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa, mas intensificação e integração com a lavoura podem inverter a situação, e a produção passa a sequestrar carbono

Pecuária

tradicional*

BAIXA TAXA DE LOTAÇÃO (1 CABEÇA POR HECTARE)

NÃO USA

INSUMOS

PASTAGEM E SOLO

DEGRADADOS

PRODUÇÃO DE 73 QUILOS DE CARNE POR HECTARE POR ANO

EMISSÃO

Pecuária

sustentável**

AUMENTO DA TAXA DE LOTAÇÃO (PODE CHEGAR A 5 CABEÇAS POR HECTARE)

USA

INSUMOS

PASTAGEM RECUPERADA

PRODUÇÃO DE 1.012,5 QUILOS DE CARNE POR HECTARE POR ANO

EMISSÃO

Integração

lavoura-pecuária***

EM DEZ ANOS DE REFORMA DO SISTEMA, PRODUTIVIDADE DO GADO CRESCEU 30% E A PRODUÇÃO DE ALIMENTO AUMENTOU 40 VEZES

USA

INSUMOS

PASTAGENS DEGRADADAS TRANSFORMADAS EM UM SISTEMA DE PRODUÇÃO INTENSIVO, EM CONSÓRCIO QUE ALTERNA PASTO COM PLANTIO DE SOJA

A SOJA É PLANTADA SOBRE A PALHA. A FAZENDA RONCADOR CRIA 70 MIL CABEÇAS DE GADO E, NA ÚLTIMA SAFRA, PRODUZIU E COMERCIALIZOU 1,4 MILHÕES DE SACAS DE 60 KG DE SOJA

CAPTURA

* Dados médios válidos para fazendas do Mato Grosso; ** Valores máximos obtidos em sistemas implementados pela Pecsa; *** Exemplo da Fazenda Roncador
Fonte
Imaflora, Pecsa e Grupo Roncador

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