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Supremo penalista - o estado de sp

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

11 de novembro de 2019 | 03h00

A maioria das decisões colegiadas do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 (56,5%) foi tomada em processos criminais. O dado foi apurado pelo Supremo em Números, grupo de pesquisa vinculado à Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio). É a primeira vez na série histórica do Supremo em Números, idealizado em 2010, que mais da metade das decisões colegiadas do STF tratou de questões de natureza penal.

É um sinal dos tempos, corolário de profundas mudanças por que passam não apenas a Corte – internamente e aos olhos dos cidadãos –, mas também o País. Se há alguns poucos anos era inimaginável que autoridades dos primeiros escalões da República, altas lideranças partidárias e empresários graduados pudessem ser tocados pelo Direito Penal, hoje causa rebuliço quando seus processos repousam em paz nos escaninhos da Justiça.

O ponto de inflexão, quando passou a ser mais habitual o julgamento de casos criminais pelo STF, foi a chegada do caso do mensalão do PT à Corte, em 2007. Por envolver uma série de autoridades com foro especial por prerrogativa de função, o STF teve de ser envolvido desde a fase de inquérito até o julgamento da Ação Penal 470, cinco anos depois. A Corte tratou, inclusive, dos casos de réus que não detinham o chamado foro privilegiado, mas foram julgados pelos ministros por suas ligações com aquelas autoridades. A Operação Lava Jato, iniciada em 2014, só fez aumentar a quantidade de ações criminais no STF.

Embora tenha aumentado a proporção de decisões colegiadas em processos criminais, ações dessa natureza ainda são minoria no STF, como aponta o Supremo em Números. Dos 31.476 processos em tramitação no STF, 5.581 (18%) tratam de matéria penal, sendo 75% dos casos o julgamento de habeas corpus. “O Supremo trabalha predominantemente com a legislação ordinária e, neste aspecto, pode-se dizer que atrai para si uma competência que é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a duplica”, conclui o relatório do Supremo em Números. Na prática, o STF se tornou a quarta instância de julgamento em matéria penal.

Evidente que esse aumento da carga criminal que chega ao STF diminui a dedicação de seus 11 ministros aos temas de natureza constitucional, o que, em tese, seria a missão precípua da Corte. Há juristas que veem nesse novo balanço processual do STF um desvio de finalidade, sobretudo porque as questões penais envolvem indivíduos e não têm, portanto, o condão de gerar repercussão para outros casos. “O STF é a Corte Suprema que mais julga matérias da Justiça comum no mundo. Acaba perdendo a sua natureza constitucional, passando a ser um tribunal ordinário, o que desconfigura a sua função de guarda da Constituição”, disse ao Estado o professor Cláudio Langroiva, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na verdade, quem determina que o STF não é apenas uma corte constitucional é a própria Lei Maior. E desde há muito.

A competência do STF para o julgamento penal de certos casos e certos réus é dada pela Constituição desde a fundação do Império, tendo sido consolidada na primeira Constituição republicana, de 1891. Pode-se discutir – e, de fato, é uma discussão pertinente – se a Corte Suprema está ou não estruturada para o processamento de ações dessa natureza. Se não está, não foi por falta de tempo para que se organizasse a fim de exercer bem a missão.

Se, por um lado, o STF há de se estruturar materialmente para o julgamento de ações de natureza penal em prazo aceitável – crítica que constantemente se faz à Corte –, por outro, as instâncias inferiores do Judiciário também precisam urgentemente corrigir suas distorções. Um pernicioso efeito cascata, causado até pelo desrespeito a decisões exaradas pela Corte Suprema por juízes de graus inferiores, também contribui para o aumento dos casos criminais que chegam a Brasília. Mas não seria exagero dizer que alguns ministros do STF gostaram do protagonismo que passaram a ter na vida nacional a partir do crescimento de sua atuação em ações penais. 

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