Governo registra média de uma denúncia de violência contra mulher a cada seis minutos
Como exemplo, ela cita dados do próprio Tribunal de Justiça do Rio, que, de janeiro a julho deste ano, registrou 132 mil processos de violência contra a mulher. Ela critica a falta de mecanismos para a ressocialização dessas vítimas:
— A mulher precisa ter ferramentas para sair dessa situação de violência. Fala-se muito da dependência financeira, mas também é um fator a dependência emocional — explica. —Por isso, enfatizo a necessidade de criação dos centros especializados, principalmente para as mulheres que não têm uma rede de apoio familiar. Muitas vezes elas acabam presas em um cenário abusivo e não fazem a denúncia por medo de terem de enfrentar mais consequências.
Denúncia anônima
Criado em 2005, o Ligue 180 —Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência— é um serviço gratuito e confidencial, por meio do qual qualquer pessoa (não apenas a vítima) pode denunciar episódios de agressão a mulheres. Não é preciso se identificar, mas deve-se dar informações que ajudem a chegar até as vítimas e ajudá-las.
Desde março de 2014, o serviço envia as denúncias recebidas para as secretarias de segurança pública e para os Ministérios Públicos de cada estado.
Dois anos depois da promulgação da lei que tipifica o feminicídio, diminuíram radicalmente as queixas classificadas como homicídios e tentativas de homicídios (-98,91% e -77,88%, respectivamente) e multiplicaram-se as de feminicídio (aumento de 571,43%) e tentativa de feminicídio (aumento de 1.321,37%).
— As próprias atendentes estão fazendo esse registro (adequado à nova classificação), graças à mudança, que é recente — afirma Cecilia Sardenberg, professora de antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim).
Falta de confiança
Cecilia também pontua que ainda há muitas mulheres que não denunciam os casos de violência:
— Uma das questões é o descrédito nas instituições. As mulheres não acreditam que isso vai resultar em algo. Elas também têm medo porque esse processo demora, têm medo da violência piorar ou de que se vire para os filhos —afirma a antropóloga. —Há, ainda, uma naturalização da violência. Muitas têm mães e avós que também sofreram.
Alice (nome fictício) ligou para a central em fevereiro deste ano, depois de começar a ser perseguida no trabalho por um rapaz com quem se relacionava. Ela conta que se afastou dele depois de ser “obrigada a manter relações quando não queria”.
— Ele foi até minha casa e disse para o meu pai que eu devia dinheiro a ele, sendo que eu é que tinha emprestado uma quantia para ajudá-lo porque ele dizia estar em dificuldade — conta Alice. — Criou um perfil falso nas redes sociais, me mandava mensagem. Foi ao meu trabalho e fez um escândalo porque queria falar comigo.
Ela chegou a ser transferida do emprego. Quando a poeira baixou, retornou à unidade antiga de seu trabalho e recebeu uma mensagem do ex: “Que bom que você voltou”.
— Lembrei, então, que tinha visto um anúncio do Ligue 180. Entrei em contato, fiquei uns 50 minutos no telefone, pois chorava muito e a moça que me atendeu me deu muita atenção, estava preparada, agregou todas as informações — conta ela. — Ainda assim, achei que não ia dar em nada. Quase um mês depois, uma investigadora me ligou e disse que ia denunciá-lo a partir da minha ligação para o 180
Alice foi instruída a fazer uma denúncia formal na Delegacia das Mulheres e conseguiu uma medida protetiva, determinando que o ex se mantivesse a 300 metros de distância dela. Ela se mudou de casa e o homem responde a um processo na Justiça.
*Estagiário, sob orientação de Marco Aurélio Canônico