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Seca no Chile: animais morrem de fome em meio à pior crise de água em 50 anos

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Um barco abandonado na lagoa Aculeo, cerca de 70 km ao sul de Santiago. Este local, que durante décadas foi uma importante atração turística, hoje é um símbolo da seca chilena — Foto: Getty Images/ BBC

Um barco abandonado na lagoa Aculeo, cerca de 70 km ao sul de Santiago. Este local, que durante décadas foi uma importante atração turística, hoje é um símbolo da seca chilena — Foto: Getty Images/ BBC

 

"Os animais estão morrendo de fome, de desnutrição. Também não podemos cultivar nada porque não há água para irrigar. Estamos em um ponto crítico, não aguentamos mais."

A fala é de Aldo Norman, um agricultor de 33 anos que dedicou toda a sua vida à agricultura e à criação de gados. Seu amado vale de Colliguay, na região de Valparaíso, no Chile, costumava ser um local verde, com flora e árvores nativas, como o quillay (típica do Chile).

Hoje, porém, nada disso é visto nas redondezas de sua casa. Em vez de grama, há terra e os poucos arbustos parecem a ponto de cair.

"Isso é sério porque está afetando o modo de vida das pessoas, não podemos mais produzir ou alimentar nossos animais", acrescenta.

A triste realidade que Aldo Norman enfrenta não está isolada. O mesmo está acontecendo com famílias em sete regiões do Chile, do norte do deserto do Atacama até a região de Ñuble, no centro-sul do país.

A razão? A seca intensa que atinge o país sul-americano e que se arrasta há pelo menos dez anos.

Em 2019, no entanto, o problema ficou mais grave.

capital do país, Santiago, por exemplo, teve apenas 81 milímetros de chuvas neste ano, de acordo com a Direção Meteorológica do Chile. Enquanto isso, Valparaíso, segunda cidade mais importante do Chile, teve apenas 82 mm de precipitações – a média histórica é de 397 mm.

 

Como comparação, embora seja três vezes maior em território que Santiago, a cidade de São Paulo registrou 1.272,7 milímetros de chuvas de janeiro a setembro, segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), órgão da prefeitura. Só em fevereiro, foram computados 375 mm.

O mesmo cenário de falta de chuvas se repete em várias áreas do Chile, com um déficit de mais de 85% em cidades como La Serena, no norte.

E a previsão para o futuro não é animadora, porque a temporada primavera-verão está apenas começando, e as temperaturas, no centro do Chile, já estão acima de 30ºC.

Segundo o governo e especialistas do Chile, esta é a crise hídrica mais profunda desde 1968.

A escassez de chuvas causou um colapso nos sistemas de irrigação de várias províncias do país, e milhares de pessoas tiveram que ser abastecidas com água por meio de caminhões-pipa.


Leito seco do rio La Ligua, na província de Petorca, região de Valparaíso, no Chile, em registro feito no dia 12 de setembro de 2019  — Foto: Martin Bernetti / AFP

Leito seco do rio La Ligua, na província de Petorca, região de Valparaíso, no Chile, em registro feito no dia 12 de setembro de 2019 — Foto: Martin Bernetti / AFP

Cerca de 34 mil animais morreram em virtude da seca.

Segundo o Ministério da Agricultura do Chile, existem também 470 mil cabras, 170 mil bois e vacas e 150 mil ovelhas em "más condições" – ou seja, os animais estão desnutridos e fracos.

A situação é ainda pior se considerarmos que, com o gado magro, os preços por animal caíram acentuadamente, enquanto o valor da forragem para alimentá-los disparou.

"O preço de um bezerro chegava a 200 mil pesos (cerca de R$ 1,1 mil, em cotação atual) e agora está em apenas 60 mil pesos (R$ 348)", explica Aldo. Ele acrescenta: "Se você não tem recursos, não pode comprar forragem... É por isso que as pessoas estão decidindo vender seus animais a qualquer preço, para que eles não morram".

A apicultura (criação de abelhas) também foi severamente afetada pela seca. A escassez de água fez com que muitas plantas não florescessem como deveriam, de acordo com o seu ciclo natural. Portanto, o néctar necessário para as abelhas não está sendo produzido.

"Quem deixar suas abelhas aqui vai simplesmente perdê-las", diz Andres, um apicultor que, depois de 25 anos em Quilpué – região de Valparaíso –, decidiu mudar suas 260 colméias para Linares, uma cidade localizada no centro-sul do Chile.

"Eu nunca tinha visto nada assim, a seca está muito acentuada. Há pessoas avaliando se vale a pena continuar aqui, ou se é hora de comprar algo mais ao sul e simplesmente migrar", acrescenta o apicultor.

A fala de Andrés não é aleatória: alguns produtores, de fato, já decidiram se mudar para mais ao sul.

Em 12 de setembro, por exemplo, 180 pequenos produtores foram transferidos com seus animais das áreas de Illapel e Salamanca, na região de Coquimbo, para um local perto de Ñuble.

O mesmo está acontecendo, mas em escala maior, em outras cidades da região, como o Monte Patria. Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), 15% da sua população da área (cerca de 5 mil pessoas) já emigraram por razões climáticas.

E, de acordo com a prefeita da região de Coquimbo, Lucia Pinto, essa área está passando por um processo de desertificação que "não tem retorno".

Mudanças climáticas e desertificação


Vista aérea mostra plantações de abacate em La Ligua, na província de Petorca, região de Valparaiso, Chile, em de setembro de 2019  — Foto: Martin Bernetti / AFP

Vista aérea mostra plantações de abacate em La Ligua, na província de Petorca, região de Valparaiso, Chile, em de setembro de 2019 — Foto: Martin Bernetti / AFP

Mas qual é a dimensão da seca chilena e qual o papel das mudanças climáticas em tudo isso?

Segundo a meteorologista María Alejandra Bustos, embora tenham sido observadas secas comparáveis ​​à atual no Chile, como as dos anos 1998, 1988, 1968 e 1924, a grande diferença é que essa crise hídrica ocorre durante um período de 10 anos secos consecutivos.

"Isso faz com que ele tenha características mais agudas. E, além disso, a frequência desses eventos tem aumentado", disse Bustos à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

O pesquisador do Escritório de Mudanças Climáticas do Chile acrescenta que "a tendência média de precipitação entre 1961-2018 diminuiu em 23 mm por década para todo o país, uma queda particularmente concentrada nas zonas central e sul".

Em relação à importância das chamadas mudanças climáticas para a escassez de água no Chile, existem diferentes posições.

María Alejandra Bustos afirma que, enquanto o Centro de Ciência do Clima e da Resiliência, conhecido como (CR) 2, ressalta que cerca de um quarto do déficit de chuvas é atribuível à mudança climática antrópica, existem outras publicações – como uma recentemente desenvolvida pela Fundação Chile – que determina que, dentre as causas, apenas 12% dessa queda pode ser explicada por esse fator.

Mesmo assim, há uma coincidência no fato de que a desertificação esteja avançando nos solos do norte, centro e sul do Chile. Esse fenômeno – que tem a ver com a degradação do solo – afeta a produtividade, a biodiversidade e o ecossistema como um todo.

Segundo um relatório recente publicado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a desertificação afeta 2,7 milhões de pessoas em todo o mundo.

Na investigação, chamada "Mudança climática e terra", há um capítulo especial sobre o Chile, que afirma que a erosão do solo afeta 84% do território da região de Coquimbo, 57% do território de Valparaíso e 37% do solo na área de O'higgins.

Francisco Meza foi o único chileno que participou da elaboração do relatório. O pesquisador, do Centro de Mudança Global da Universidade Católica do Chile, diz que o processo de desertificação está avançando por duas razões.

"Primeiro, porque vemos sinais de erosão e perda de capacidade produtiva da terra, e também porque estamos passando por uma seca muito importante. Foi o que mais nos impactou nos últimos dez anos", disse ele à BBC News Mundo.

Agora, há quem afirme que os limites do deserto de Atacama – o mais seco do mundo – esteja se movendo para o sul.

Com base em um relatório chamado Atlas de Mudanças Climáticas da Zona Árida do Chile, a meteorologista María Alejandra Bustos diz que, enquanto a zona central do Chile sempre teve um "regime semi-árido", as tendências do regime de aridez mostram um avanço do limite do deserto em direção ao sul".

Francisco Meza, entretanto, diz que o deserto está avançando "porque estamos experimentando uma tendência muito forte de aridez e porque vemos padrões muito acentuados de degradação da terra".

No entanto, ele esclarece que esse avanço não é físico. "Não é que as areias estejam se movendo para o sul", diz ele.

Para o acadêmico, essa desertificação não tem apenas a ver com fatores climáticos. O manuseio inadequado da terra – como a exploração excessiva e a falta de medidas de restauração – também é um ponto fundamental na explicação da degradação.

"Quando a terra é degradada dessa maneira, a riqueza das espécies é empobrecida, então você perde a diversidade e o ecossistema é enfraquecido", explica Meza.

Obras de irrigação e investimento

Atualmente, existem 56 municípios sob um decreto de escassez de água em cinco regiões do Chile: Coquimbo, Valparaíso e Metropolitana, O'Higgins e Maule. Mais de 100 localidades, entretanto, foram declaradas zonas de emergência agrícola.

Segundo o governo, os fluxos fluviais nessas áreas têm déficits de até 84% em comparação com as médias históricas.

"As mudanças climáticas chegaram para ficar e temos que agir", disse o ministro da Agricultura do Chile, Antonio Walker.

O ministro acrescenta que "a desertificação é uma realidade e o grande desafio agora é como lidar com esses solos degradados e transformá-los em matéria orgânica e de alto carbono".

Para fazer isso, Walker diz que grandes obras de irrigação devem ser produzidas.

"Não construímos a infraestrutura de irrigação para tirar proveito da água. Precisamos fazer reservatórios, uma nova institucionalidade da água, tratar esgotos, entre outras ações", diz ele.

"Esta é uma estação muito difícil, e a seca é mais grave do que a de 1968, porque, com a mesma pluviosidade, temos uma agricultura, uma economia e uma população muito maiores", acrescenta o ministro.

Mas, até que esses investimentos sejam feitos, a verdade é que produtores e fazendeiros como Aldo Norman não encontrarão uma solução a longo prazo.

A única saída, diz Norman, é migrar para o sul ou desistir da criação de gado.

"Não vamos aguentar mais um ano seco", lamenta.

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