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Imprensa, Bolsonaro e democracia

Carlos Alberto Di Franco*, O Estado de S. Paulo

07 de outubro de 2019 | 03h00

Bolsonaro não morre de amores pela imprensa. Acredita, equivocadamente, que as redes sociais são a grande cartada. Não percebe que agenda pública continua sendo determinada pelas empresas jornalísticas tradicionais. O que ele conversa com a família, com os assessores e com os amigos, no Palácio da Alvorada ou no Planalto, goste ou não, foi sussurrado por uma pauta de jornal. As redes sociais reverberam, multiplicam. Mas o pontapé inicial foi dado por um repórter. Bolsonaro precisa conversar com a mídia, superar seus ressentimentos, vencer seus dragões interiores. Esgarçar relações nunca é um bom caminho.

Em recente entrevista a Tânia Monteiro, repórter do Estado, Bolsonaro reafirmou seu “total respeito às instituições e à liberdade de imprensa”. Bom sinal. No entanto, o estilo agressivo do presidente e, sobretudo, dos seus filhos tem provocado reação da mídia. Alguns jornalistas têm exacerbado seu olhar crítico a um governo que ainda não completou um ano e herdou uma herança de corrupção e incompetência para lá de complicada.

Governo e imprensa não podem ter uma relação promíscua. É salutar certa tensão entre as instituições. Mas precisam conversar. São peças essenciais da estrutura democrática. Aguardo – já o disse outras vezes – que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de presidente de todos os brasileiros. Espero também que nós, jornalistas, deponhamos as armas da militância e façamos jornalismo.

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na ideologia, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião.

Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, na cobertura de política e do governo, e em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda crescentemente seus próprios leitores. Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso de negativismo de nossas pautas. Trata-se de um fato percebido nas redes sociais.

Na verdade, à semelhança do que aconteceu no segundo semestre de 2018, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e o que se consolida paulatinamente como fatos e/ou percepções de suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas próprias reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela internet.

Ao agirem dessa forma, correm o risco de comprometer a viabilidade de seus próprios veículos, pois somarão às já conhecidas perdas de verbas publicitárias dos últimos muitos anos uma diminuição das audiências. Não se trata, por óbvio, de ficarmos reféns do leitorado. Os jornais, frequentemente, têm o dever ético de dizer coisas que podem não agradar a seus leitores. Mas é preciso não perder conexão com as percepções do público.

É necessário reconhecer, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se, por óbvio, um jornalismo menos anti e mais propositivo. O que não significa, nem de longe, perder a necessária independência e o senso crítico. A fiscalização dos governos e das instituições é parte essencial da atividade jornalística. A democracia se fortalece com uma imprensa isenta, mas crítica.

A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.

Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem “olhos de ver”. Não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz numa incapacidade crescente de elogiar o que deu certo.

O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Declarações vazias de políticos ocupam espaço excessivo na nossa cobertura. Sobra fofoca e falta notícia. No entanto, muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir da espuma política, frequentemente produzida pelo próprio presidente da República, e fazer a opção pela informação que realmente conta.

Vivemos sob o domínio do politicamente correto. Trata-se de um dogma que não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.

Finalmente, precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para o futuro da democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e humildade para rever atitudes e entender novos contextos. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva. Chegou a hora do jornalismo propositivo.

*JORNALISTA. E-MAIL:  O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

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