Em nove meses, presidente priorizou na agenda eventos militares e evangélicos
RIO - Em quase nove meses de gestão, o presidente Jair Bolsonaro priorizou despachos no Palácio do Planalto com seus ministros e funcionários; encontros com empresários, diplomatas e artistas amigos; eventos militares e evangélicos; conversas com seus filhos e congressistas mais próximos, entre eles o deputado Helio Lopes (PSL-RJ), conhecido como Helio Negão. Por outro lado, Bolsonaro recebeu poucos representantes de grandes multinacionais, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO nos compromissos registrados na agenda presidencial nesse período.
Segundo a agenda pública de Bolsonaro, foram recebidos no Planalto presidentes e CEO´s do Santander Brasil, Shell e Fiat Chrysler. A lista de empresários que se reuniram com o presidente inclui companhias menos conhecidas e, em outros casos, próximas a Bolsonaro desde a época da campanha, como o grupo Havan de Luciano Hang. Mas a interação com grandes grupos empresariais estrangeiros é limitada. Nem mesmo no Foro Mundial de Davos, na Suíça, o presidente dialogou, segundo sua agenda, com empresários de projeção internacional.
A agenda de Bolsonaro tem brechas. Especialmente para os aliados de primeira hora, como Hélio Negão, o deputado federal mais votado do país, com 345 mil votos, e amigo do presidente há mais de vinte anos. Apesar de alguns encontros constarem na agenda, não é incomum que Bolsonaro o convide para almoçar. Ou que inclua pedidos de audiência do parlamentar, eleito com o nome de Helio Bolsonaro, na agenda de ministros.
Outros nomes se repetem em sua agenda, como o do cantor Amado Batista, a advogada Karina Kufas (que colabora com o PSL desde a campanha) e o embaixador de Israel, Yossi Shelley. Bolsonaro também costuma dar entrevistas a youtubers como Antonia Fontenelle e Allan Santos, próximo do presidente e de seus filhos. O mundo rural também está presente. Em 21 de janeiro, Bolsonaro recebeu autoridades da Associação Brasileira de Criadores de Zebu.
— O presidente será sempre assim. Tem os hábitos dele. E confia em muito poucos. Um deles é o Helio Negão. Vive repetindo que se o Helio estivesse em Juiz de Fora (MG), a facada não teria acontecido” — diz um amigo de Bolsonaro.
Formalmente, a agenda fica sob os cuidados de dois funcionários: Pedro César de Sousa, major reformado e chefe de gabinete, e ao ex-assessor parlamentar da Marinha Célio Faria Junior, assessor-chefe. Mas as mudanças acontecem a critério do presidente. Em 29 de julho, Bolsonaro cancelou, na última hora, um encontro com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, para cortar o cabelo — transmitido ao vivo em uma rede social. O episódio gerou um incidente diplomático entre os dois países e teve repercussão mundial.
Poucas inaugurações
A agenda de Bolsonaro é escassa em inaugurações de obras públicas, lançamentos de “pedras fundamentais” e visitas a hospitais, escolas e bairros humildes. Em 12 de abril, o presidente viajou a Macapá para inaugurar o novo terminal de passageiros do aeroporto local, herdado de governos anteriores. Em 24 de maio, a visita foi a Petrolina (PE) para uma atividade do programa Minha Casa Minha Vida, também de seus antecessores.
As agendas de inaugurações e lançamentos dependem de uma carteira de investimentos que não está disponível para Bolsonaro. A expectativa do Tesouro é que, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, o governo vai recuperar sua capacidade de investimento em apenas três ou quatro anos. A expectativa é que a taxa de investimentos siga em torno de 0.5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas pelo país).
O governo Lula, por exemplo, beneficiado pela conjuntura econômica internacional nos primeiros anos de seu mandato, anunciou e inaugurou grandes obras, em agendas que incluíam ainda os grandes eventos que aconteceram no Rio — também um estado naquele momento em ascensão. A pujança, antes da crise econômica de 2008, levou o petista a lançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que o levou a várias inaugurações por todo o país. Deixou, para o primeiro mandato de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff, condições para também viajar para inaugurações e lançamentos de pedras fundamentais.
Já atividades relacionadas às Forças Armadas ocupam um lugar central na agenda presidencial atual. Em 7 de março, por exemplo, Bolsonaro viajou ao Rio para o 211º Aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais. Encontros com representantes de igrejas evangélicas também têm peso na agenda presidencial. Um deles ocorreu em 11 de abril, quando Bolsonaro veio ao Rio para presenciar o Encontro do Conselho Interdenominacional de Ministérios Evangélicos.
Os horários do presidente variam, mas raramente Bolsonaro inicia sua agenda antes das 8h e muitas vezes seu ultimo compromisso é por volta das 17h ou até antes. São frequentes os comentários sobre o cansaço do presidente. Em 22 de agosto, Bolsonaro bocejou várias vezes durante uma cerimônia em que foi anunciado um novo sistema digital para sites do governo. Fontes que conhecem bem o presidente dizem que os problemas de insônia continuam, e Bolsonaro fica até altas horas no celular, usando principalmente o WhatsApp. A falta de descanso influencia o humor do presidente.
Os incidentes diplomáticos são cada vez mais frequentes. O cancelamento do encontro com o chanceler francês foi criticado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, durante o último encontro do G-7, no início deste mês. Um vídeo dos bastidores do encontro, divulgado por uma emissora francesa, mostra conversa de Macron com o presidente do Chile, Sebastián Piñera. Ele disse que a atitude de Bolsonaro não estava à altura de um presidente, afirmação com a qual Piñera, até pouco tempo um forte aliado do governo brasileiro na região, concordou. Ao ser questionado sobre o vídeo, na época, o porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio Rêgo Barros, recusou-se a responder.
Semanas depois o presidente envolveu-se em nova polêmica internacional. Ao acusar de ingerência em assuntos internos a alta representante das Nações Unidas sobre direitos humanos, Michelle Bachelete, ele justificou a morte de seu pai, general Augusto Bachelet, falecido pelas torturas sofridas na ditadura de Augusto Pinochet.