Mais antigo assentamento humano de alta altitude é descoberto na Etiópia
Carl Zimmer, The New York Times / O ESTADO DE SP
Os cientistas descobriram evidências da mais antiga ocupação humana pelo menos até o momento, em altitudes extremas: um abrigo em rochas com ossos e utensílios a 3.350 metros acima do nível do mar. Este local, nas montanhas da Etiópia, foi habitado há 47 mil anos. A pesquisa, publicada recentemente na revista Science, contradiz a visão consagrada segundo a qual altas elevações foram os últimos lugares da Terra povoados por seres humanos.
No Leste da África, paleontólogos vem concentrando há muito tempo a sua atenção no Vale do Rift, e em outros sítios a altitudes menores. “Fomos os primeiros a ir mais para cima”, afirmou Götz Ossendorf, um arqueólogo da Universidade de Colônia, na Alemanha e principal autor do novo estudo.
Os habitantes das grandes altitudes prosperaram como caçadores-coletores, produzindo utensílios com a grande quantidade de obsidiana encontrada nas proximidades. E eles ocuparam o abrigo, intermitentemente, por pelo menos 16 mil anos. O homem conseguiu estabelecer-se em uma ampla variedade de habitats, entretanto, altitudes extremas implicam desafios peculiares. O clima pode ser brutal, e a vegetação escassa. Baixos níveis de oxigênio também podem ser perigosos.
Apesar destes desafios, ele foi subindo cada vez mais. Expedições recentes nas montanhas revelara indícios de ocupação humana dezenas de milhares de anos atrás. Em 2018, uma equipe que trabalhava no Planalto Tibetano encontrou lâminas de pedra de mais de 30 mil anos. Mais recentemente, outra equipe descobriu a mandíbula de um parente humano extinto, conhecido como Denisovan, de 160 mil anos em uma caverna do Tibete a grande altitude.
Utensílios simples de pedra foram encontrados a grandes elevações na Etiópia, e pareciam datar de centenas de milhares de anos atrás. Talvez tenham sido deixados por membros da nossa espécie - ou uma espécie hominídea anterior. É difícil saber se estas descobertas significam que seres humanos viveram nestas altitudes, ou fizeram apenas uma breve pausa no local.
Para ter uma compreensão mais profunda, Ossendorf e seus colegas começaram um projeto nas Montanhas Bale do sul da Etiópia, em 2015. Eles percorreram 1.100 quilômetros a pé e com cavalos de carga, visitando penhascos que se projetavam para frente, para ver se algumas pessoas as teriam usado como abrigo. Um destes abrigos de pedra não havia sido utilizado por pastores modernos por causa do teto baixo.
Quando os cientistas escavaram o chão do abrigo, encontraram restos de fogueiras, ossos de animais e utensílios feitos em um estilo distinto da Era Mesolítica, que durou de cerca de 300 mil a 28 mil anos atrás - muito mais antigos do que imaginavam. Para estabelecer a idade do sítio, Fincha Habera, eles analisaram o carbono do carvão de antigas fogueiras.
E constataram que a sua idade ia de 47 mil a 31 mil anos atrás. O cardápio de Fincha Habera era dominado por ratos-toupeiras gigantes, uma espécie que hoje vive somente nos Montes Bale. Os moradores podem ter expulsado os animais dos seus túneis por meio da fumaça para depois assá-los nas fogueiras.
Alguns pesquisadores consideraram as altitudes extremas refúgios de último recurso, para os quais as pessoas iam somente se as terras baixas circundantes estivessem molhadas, e portanto, inviáveis para se viver. Mas na época em que seres humanos viveram em Fincha Habera, as terras baixas estavam molhadas e a caça era abundante, disse Lars Opgenoorth, um ecologista da Universidade Philipps Marburg, na Alemanha, e um dos autores do estudo.
As pessoas que viviam em Fincha Habera, afirmou, “acharam que era um bom lugar para ficar”. Fincha Habera provavelmente não foi a primeira habitação humana a uma grande altitude. Se seres humanos prosperaram ali com utensílios da Era Mesolítica, então os seus ancestrais devem ter feito isto milhares de anos antes. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA