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Menino de 13 anos, ambulante no Leblon, encanta clientes por seu gosto pela leitura

RIO — Aos 13 anos de idade, Fábio Oliveira de Araújo deveria ter a escola, a biblioteca ou a sua casa como espaços para fazer o que tanto ama: ler livros . Mas ele é parte da estatística do IBGE que coloca o Rio como o estado que tem a maior proporção de trabalho infantil urbano do país. O jovem vende balas em frente ao shopping Rio Design Leblon , na Avenida Ataulfo de Paiva , um dos endereços mais nobres da cidade. A cena de Fábio entre balas e panos, que vende para ajudar a família a sobreviver, é parecida com a de muitos outros do Rio. Só ganhou visibilidade especial por um detalhe. É que o pequeno baleiro faz tudo isso, quase sempre, com um livro na mão.

 

— Eu sei que, quando leio, chamo mais a atenção das pessoas, e isso ajuda nas vendas. Mas eu leio de verdade, porque gosto — explica Fábio, deixando claro que não se trata de estratégia de vendedor. — Acho que, se não fosse pelo livro, eu não faria tantos amigos. Iam pensar que sou mais um por aí vendendo bala. E, se tem uma coisa que eu não gosto, é que as pessoas pensem isso de mim.

 

O gosto pela leitura começou pelos gibis. Mas, ano passado, ele assistiu ao filme “Tudo por um popstar” e se entusiasmou ao descobrir que a obra era uma adaptação de um livro de Thalita Rebouças . Então, mergulhou na coleção da autora e em séries infantojuvenis bem-sucedidas, como “Diário de um Banana”, “Capitão Cueca” e “Percy Jackson”. E também foi apresentado aos “livros de adulto”, como ele próprio define. Seu preferido é “Capitães de Areia”, de Jorge Amado . Outro elogiado foi “O Minotauro”, de Monteiro Lobato . Esta semana, começou “1984”, clássico de George Orwell .

 

Fábio começou a vender bala nas ruas aos 9 anos. Primeiramente em Ipanema e, no ano passado, chegou ao atual ponto, no Leblon . Lá, atraiu rapidamente a fidelidade dos moradores e das pessoas que trabalham no entorno. Tanto que seu acervo de livros é basicamente garantido por doações.

 

— Às vezes, alguém me leva à Livraria da Travessa e deixa que eu mesmo escolha — explica ele, que conta ter ganhado a coleção do “Capitão Cueca” de um vendedor da livraria. — Eu já tinha, mas, para não fazer desfeita, não falei nada. Depois de um tempo, troquei por outros livros num sebo. Ele até falou que eu poderia participar de um projeto na Travessa, e uma assistente social chegou a ir lá em casa, mas a ideia acabou não se concretizando.

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Enquanto dava a entrevista, Fábio, que só se referia ao repórter como “tio”, era, a toda hora, abordado por moradores. Uma dessas amizades lhe rendeu a oportunidade de conhecer sua musa inspiradora, Thalita Rebouças. Em novembro do ano passado, uma amiga da escritora, que trabalha perto da banca de Fábio, intermediou o encontro.

— Eu fiquei muito emocionada. Minha amiga pediu para eu que deixasse alguns livros com ela, mas fiz questão de entregar pessoalmente. Me senti privilegiada por ter um leitor como ele — conta a escritora.

Muitos projetos de futuro

Fábio, que eternizou o encontro com Thalita num porta-retrato, pediu para a escritora transformá-lo em personagem num próximo livro. O jovem mora numa ocupação na Praça Tiradentes com a tia, dois primos e quatro dos sete irmãos. Sua mãe vive próximo, na Rua do Lavradio, mas ele diz que prefere ficar com a tia, mesmo com tanta gente para dividir um espaço de dois quartos. O pai, ele não vê há muito tempo. Por ser a segunda criança mais velha da casa, ele foi para as ruas ajudar a pagar as contas. A irmã mais velha vende bala nos fins de semana e, nos outros dias, ajuda nas tarefas domésticas.

A família está no Centro há cerca de quatro anos. Fábio nasceu na Cidade de Deus , onde viveu até os seis anos e, depois, perambulou por Vila Kennedy , Chapadão e Avenida Brasil. A mãe, Tiara Oliveira, que também é ambulante, diz ter descoberto a paixão do filho pelos livros a partir de um post de uma moradora do Leblon no Instagram:

— A moça fez um vídeo emocionada. Porque ela recusou a bala do Fábio, mas então ele respondeu pedindo para ela comprar um livro para ele.

Ano passado, o jovem sofreu um atropelamento e perdeu os dois dentes da frente. Uma moradora do Leblon lhe pagou o atendimento no dentista, mas depois ele não continuou com o tratamento, pois sua tia e mãe não tiveram tempo, explica. Apesar de ter conquistado a simpatia de moradores, e de outros ambulantes — os principais amigos são o casal Leonardo Dias e Amanda Silvestre, que ficam no mesmo ponto — Fábio diz que a rotina na rua nem sempre é agradável. Além de já ter sofrido com agressões de outros jovens vendedores, que “implicavam” com ele, outro problema é o vigilante da rua, que o impede de ficar embaixo da marquise do prédio do Rio Design.

— Um dia ele disse que ia me bater quando eu fosse no banheiro e falar que eu sou ladrão — explica a criança, que diz evitar os conflitos para não atrapalhar as vendas. — Se eu brigar, me descontrolar, eu que vou ficar mal na foto e sair como errado. Por isso às vezes eu não faço nada, mas também não gosto de levar desaforo para casa.

O trabalho também cobra seu preço no ensino. Aluno do Ciep José Pedro Varela, ele está no 5º ano pela segunda vez, pois reconhece não ter tempo suficiente para fazer todos os trabalhos, apesar de ser excelente aluno de português. No momento, seu maior desejo é estudar no Santo Agostinho, perto de onde trabalha, pois já ouviu que “lá as crianças são muito inteligentes”. No futuro, gostaria de fazer intercâmbio nos EUA, e conseguir bolsa numa faculdade. Em relação a profissão, diz que teria qualquer emprego que lhe garantisse dinheiro, mas não escondeu o sonho de trabalhar com artes.

— Eu quero fazer duas faculdades. Uma de algo artístico, e outra de administração, porque se a arte não der certo, eu tento fazer dinheiro como empresário. Tem que ter sempre um plano B, né tio?

Fábio poderia ser mais uma criança na rua a não ser notada pelas pessoas. Mas, numa sociedade que naturaliza suas tragédias sociais, o que deveria ser normal acaba chamando a atenção: um jovem lendo um livro.

— Acho que se não fosse pelo livro, eu não ia fazer tanto amigo assim. Iam pensar que sou mais um por aí vendendo bala. E se tem uma coisa que eu nao gosto é que as pessoas pensem isso de mim.

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