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Conheça a pesquisadora brasileira que estuda o açaí para resolver um dos maiores problemas ambientais da região Norte

RIO — O açaí é amplamente consumido no Brasil. O país produziu mais de 1,3 milhão de toneladas em 2017, segundo dados do IBGE. Sua semente equivale a 85% da fruta e gera um resíduo que causa um grande problema ambiental para a região Norte, responsável pelo fornecimento de 98% do açaí nacional. Uma pequena parte é aproveitada na confecção de artesanato por produtores locais e outra parcela é comprada a baixo custo por indústrias de cimento para queima nas caldeiras.

Na região metropolitana de Belém, é possível encontrar sacas despejadas nas calçadas, nas encostas de rios e canais. O descarte indevido eleva o risco de entupimento de bueiros, enchentes e alagamentos. No período de safra, cerca de 120 toneladas de caroços são produzidos por dia. O volume representa 50% dos resíduos sólidos produzidos na capital paraense, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia.

O que pouca gente sabe é que o “caroço”, que tem o tamanho aproximado de um amendoim, possui um alto teor de manana, uma substância valiosa com propriedades antioxidantes que atuam no combate ao envelhecimento e na prevenção de doenças. Intrigada com o destino pouco nobre desse material valioso e pouco explorado, a pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia, Ayla Sant’Ana da Silva, decidiu estudar as propriedades moleculares da semente do açaí.

Ayla Sant'Ana da Silva, doutora em bioquímica responsável pela pesquisa sobre sementes de açaí, e Cristina Caldas, diretora do Instituto Serrapilheira no laboratório do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro Foto: GABRIEL MONTEIRO / Agência O Globo
Ayla Sant'Ana da Silva, doutora em bioquímica responsável pela pesquisa sobre sementes de açaí, e Cristina Caldas, diretora do Instituto Serrapilheira no laboratório do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro Foto: GABRIEL MONTEIRO / Agência O Globo

— A pesquisa busca construir uma fundamentação teórica a partir do entendimento das bases moleculares da semente, para identificar quais são as suas propriedades e o que pode ser explorado. O objetivo do projeto é converter a semente do açaí, fazer o aproveitamento dela de forma a gerar um ganho na cadeia produtiva do alimento, ajudar a solucionar um problema ambiental do Brasil e explorar seu potencial energético através do biogás — explica a doutora em Bioquímica, de 34 anos.

Formada em Microbiologia e Imunologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ayla conta que após a conclusão do doutorado, em que estudou as propriedades da cana de açúcar, desejava pesquisar algo diferente. A cientista, que já realizou pesquisas em universidades de Espanha, Suécia e Japão, onde trabalhou por cerca de dois anos, acredita que seu trabalho servirá de insumo para outros desdobramentos sobre o potencial do açaí.

— Nós ainda não temos uma visão aprofundada sobre as propriedades da semente do açaí. Estudos preliminares já demonstram a riqueza desse material. Essa pesquisa poderá servir de base para outros estudiosos darem novas abordagens e aplicações para essas substâncias — analisa Ayla.

O financiamento da pesquisa veio através do Instituto Serrapilheira, organização de incentivo à ciência, que direcionou R$ 1 milhão para o desenvolvimento do estudo. Após concorrer com outros 65 cientistas, Ayla ficou entre os selecionados para o recebimento do recurso para desenvolver seu trabalho ao longo dos próximos três anos.

Segundo a pesquisadora, a semente do fruto se apresenta como a principal fonte da manana e, por se tratar de um recurso tão abundante e de fácil extração —, diferente de outros materiais como a semente de palma, do dendê e grão de café —, a obtenção dessa propriedade é mais simples e mais barata.

— A manana não é um açúcar incomum. A grande questão é que não existe outra fonte com o conteúdo de manana tão grande quanto a semente do açaí, que tem 50% de sua massa na forma desse açúcar — comenta Ayla, que recebeu o Prêmio CAPES de Tese 2014, pela melhor tese de doutorado defendida em 2013 na área de Biotecnologia no Brasil.

Potencial inexplorado

O Brasil está entre as 17 nações consideradas megadiversas, que detém 70% da biodiversidade do mundo. A cientista Ayla Sant'Anna da Silva ressalta que a semente do açaí é apenas um exemplo do que poderia ser explorado.

— Quantas outras coisas da nossa biodiversidade estão sendo negligenciadas e jogadas fora por falta de investimento em ciência e tecnologia? Estamos perdendo a oportunidade de liderar mundialmente a bioeconomia — desabafa Ayla.

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Ela reconhece a importância do suporte familiar que proporcionou dedicação à carreira. Durante a graduação, morava no bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio e dava aulas particulares de reforço escolar para ter renda e conciliar os estudos. Ayla ressalta a importância do investimento público em ensino e pesquisa. 

— Em todos os lugares por onde passei, eu tive apoio de programas de incentivo que me permitiram acessar ambientes de pesquisa, congressos e universidades fora do país. Se hoje posso contribuir com a ciência nacional é graças a esses investimentos — reflete a cientista.

Estímulo à diversidade na ciência

Além de Ayla, outras duas mulheres comandam pesquisas em um grupo de 12 cientistas contemplados pelo recurso. Os projetos apoiados buscam responder grandes questões da ciência como prevenção da malária, regulação de células cancerígenas através do sistema nervoso, identificação tecnológica de produtos naturais, observações extragalácticas, entre outras.

programa do Instituto Serrapilheira condiciona 30% da verba total, ou seja, R$ 3,6 milhões, para ações como integração e formação de grupos sub representados nas equipes de pesquisa. Para a diretora do instituto, Cristina Caldas, a ação visa estimular a diversidade na ciência .

— Queremos que os pesquisadores que são líderes desses projetos sejam incentivados a olhar para essa questão da diversidade. Existem áreas em que a questão de gênero é um pouco mais acentuada, mas conforme vamos observando os níveis de maior experiência, a presença masculina ainda é maior — explica Cristina Caldas.

*Estagiária sob supervisão de Renata Izaal

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