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Populismo digital

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

18 de junho de 2019 | 03h00

Seguindo o compasso dos tempos, a edição de 2019 do Relatório de Notícias Digitais do Instituto Reuters focou no impacto das gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, e em particular na ascensão do populismo.

Entre outros destaques, o Relatório aponta que houve pouco crescimento de pessoas que pagam por notícias na rede. Mesmo nos países de alta renda, a maioria paga apenas por uma única assinatura, e muitos optam por gastar com entretenimento ao invés de notícias. Ao mesmo tempo, a preocupação com a desinformação permanece alta, assim como a desconfiança em relação à imprensa: menos da metade dos entrevistados (49%) dizem confiar no veículo que eles mesmos usam. Por outro lado, 26% declararam ter começado a confiar em fontes mais “reputadas” de notícias.

Uma seção do Relatório é dedicada à relação entre o populismo e as mídias digitais, preocupando-se em entender se os eleitores dessa faixa têm hábitos diferentes do restante da população em relação ao noticiário, e também como eles acessam e interagem com as notícias e seus veículos.

Os populistas foram identificados como aqueles que sustentam as duas seguintes crenças: o conflito entre uma elite “perversa” e um povo “virtuoso”, e a soberania irrestrita da vontade popular. Em quase todos os países analisados, as atitudes populistas são mais comuns entre pessoas mais velhas, de baixa renda e pouca escolaridade.

Apesar da associação habitual entre a ascensão do populismo e a proliferação das redes sociais, quando se trata de notícias os indivíduos com atitudes populistas preferem buscá-las fora da rede: 46% deles dizem que a televisão é a sua principal fonte, enquanto para aqueles que não apresentam atitudes populistas essa média é de 40%.

Ainda assim, a internet é um campo de atuação importante para os populistas. Na Europa, a título de exemplo, eles têm uma forte preferência pelas redes sociais: 24% em comparação com 19% daqueles considerados não populistas. Esta preferência é canalizada indubitavelmente no Facebook, a principal fonte de notícias na rede digital para os populistas, em contraste com o Twitter, fonte principal para os não populistas. Segundo os pesquisadores, o padrão se explica pelo fato de que o Facebook é uma rede que distribui conteúdo primariamente baseado nas preferências dos cidadãos comuns, ao passo que o Twitter tende a ser visto como um espaço dominado pela mídia oficial e por vozes da elite.

Pessoas com atitudes populistas tendem a compartilhar e comentar mais notícias do que a média. Ao mesmo tempo, partidos populistas tendem a ser mais ativos no Facebook. “Estas tendências podem estar se combinando para criar um ambiente de mídia social onde as ideias e perspectivas populistas sejam hiper-representadas”, dizem os pesquisadores.

O Brasil exemplifica com particular estridência muitas destas correntes. Durante as eleições de 2018, após a notícia de que um empresário estaria financiando um bombardeio de mensagens contra um candidato à Presidência, o WhatsApp informou que banira 100 mil contas, tentando conter a desinformação. Antes de assumir o cargo, o presidente da República eleito anunciou 14 dos seus 22 ministros por Twitter. Caracteristicamente, ele já acusou um grupo de comunicação de “inimigo” e compartilhou em suas redes denúncias falsas contra outro.

Menos da metade dos brasileiros (48%) confiam no noticiário em geral, uma queda de 11 pontos porcentuais em relação ao ano passado. Por outro lado, os brasileiros seguem crescendo entre os maiores usuários das redes sociais.

O dado curioso é que o Brasil tem o maior porcentual de pessoas preocupadas com notícias falsas na internet (85%). Por outro lado, os brasileiros estão entre os que menos pagam por notícias na rede (22%). Ou seja, a população parece supor que é possível conseguir boa notícia sem investir em jornalismo profissional – uma evidente quimera. Enquanto persistir essa atitude, estaremos cada vez mais vulneráveis às vagas populistas.

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