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Lula, o sujeito oculto do grampo

José Nêumanne / o estado de SP

11 de junho de 2019 | 00h00

 

Para ludibriar fiéis e fãs do petista no Brasil e no mundo, esquerda e Centrão fingem atuar para libertá-lo, mas querem mesmo é afastar Moro e Dallagnol do próprio caminho. Foto: Dida Sampaio/Estadão

 

A semana foi aberta com a divulgação de pretensos diálogos por WhatsApp entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, coordenados por Deltan Dallagnol, revelando pretenso acordo entre eles na condução dos processos da operação. Se forem verdadeiras – e nada há até agora que possa ser dito em contrário, com a agravante de os acusados em suas manifestações não as negarem -, essas conversas, só pelo que foi divulgado até agora, são nitroglicerina pura na política, na Justiça, no governo e no Brasil.

As alegações apresentadas são desprezíveis. O jornal online The Intercept Brasil, que publicou as mensagens, é editado legalmente no Brasil desde agosto de 2016, pela empresa americana First Look Media, criada e financiada por Pierre Omidyar, fundador da eBay. E editada pelo advogado também americano, especialista em direito constitucional e ex-jornalista do diário britânico The Guardian Glenn Greenwald; pela cineasta, documentarista e escritora Laura Poitras e pelo jornalista investigativo (natural dos EUA) Jeremy Scahill, especialista em assuntos de segurança nacional e autor do livro Blackwater: The Rise of the World’s Most Powerful Mercenary Army. Greenwald é casado com o brasileiro David Miranda, eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e, atualmente, deputado federal na vaga de Jean Wyllys, que renunciou à cadeira na Câmara para sair do Brasil, onde se dizia ameaçado. Adversária do impeachment da petista Dilma Rousseff, a publicação não é certamente imparcial. E daí? A Constituição Federal garante o direito de qualquer veículo de comunicação ter livre expressão de opinião, desde que não divulgue mentiras.

A parcialidade posta em questão pela notícia, que explodiu como uma bomba de efeito devastador na noite do domingo 9 de junho, é a do ex-juiz da 13.ª Vara Criminal de Curitiba, teoricamente pilhado em combinações estratégicas com procuradores federais em ação sob seu julgamento.

Conforme o que foi publicado até agora e na expectativa de que novos fatos estejam para ser revelados pelo responsável pela divulgação, o atual herói nacional por mercê de seu desempenho na operação em tela, teria interferido no trabalho do MP. A atitude fere o princípio básico da isenção do julgador, proibido de manifestar qualquer parti pris na sua tarefa de decidir quem tem razão: o Ministério Público, que, em nome do Estado, ou seja, do cidadão, acusa, e a defesa do acusado. Caso sejam mesmo autênticas as mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol, levando em conta o fato de os outros diálogos até agora revelados não revelarem abusos de conduta, mas apenas opiniões pessoais, o caso é gravíssimo.

A eventual inclinação do juiz a aceitar os argumentos dos procuradores, em detrimento das negativas apresentadas insistentemente pelos defensores de Lula, poderia resultar na anulação da sentença em primeira instância do processo sobre recebimento de propina e ocultação de patrimônio do triplex do Guarujá. Não implica, contudo, a automática inocência do réu, que dependerá de serem reformadas decisões unânimes de duas instâncias superiores, a segunda e a terceira, sobre o caso. De igual forma, a presunção tem sido contestada em várias varas. Há outra condenação do mesmo réu na mesma vara, de autoria da substituta eventual de Moro, Gabriela Hardt, e que seu substituto permanente, Luiz Antônio Monat, já mandou para julgamento na mesma Oitava Turma do Tribunal Federal Regional da 4.ª Região, em Porto Alegre. E Lula ainda responde a sete outros processos. No último, o juiz Vallisney de Oliveira, da 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília, o tornou réu com Palocci e Paulo Bernardo, todos acusados de terem acertado recebimento de US$ 40 milhões (R$ 64 milhões , à época) em propinas pagas pela empreiteira, então presidida por outro réu, Marcelo Odebrecht.

Ou seja, ainda é longo e árduo o caminho perseguido pela defesa de Lula para libertá-lo. A ser provado em processo judicial, que costuma ser lento e complicado, o que foi revelado até agora mais prejudica Moro e os procuradores da Lava Jato, em especial Dallagnol, do que beneficia o presidiário mais famoso do Brasil, pilhado em vários passeios pelo Código Penal. Mesmo que The Intercept Brasil tenha esgotado sua munição contra o ex-juiz da Lava Jato, será dof[ocoç sua escalada do Himalaia de acusações, a não ser que as conversas sejam submetidas à dúvida. E a permanência dele no ministério de Bolsonaro fica, no mínimo, sub judice. Pois isso dependerá menos da reação da opinião pública, que o idolatra e não confia nas instâncias superiores do Judiciário, à qual caberá julgá-lo, mas das circunstâncias políticas, que poderão levar o presidente Jair Bolsonaro a abrir mão do justiceiro, que não está mais acima de suspeita de parcialidade.

Até novembro de 2020, quando o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello aposentar-se, daqui a um ano e meio, é de duvidar que mesmo uma mão forte do chefe do governo bastaria para alçá-lo ao pináculo da Justiça, mesmo preenchendo, como preenche, o requisito de ser “evangélico”. Até lá, o herói popular das manifestações de rua de 2016 para cá terá muitas noites para lamentar a mistura de infantilidade, soberba e senso de impunidade que conduziu seus surtos de adolescência leviana e nunca tardia. Seu companheiro em travessuras virtuais, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, também lastimará o instante em que acreditou na lorota de que o WhatsApp é um meio de comunicação pessoal à prova de hackers. Que, aliás, dificilmente serão identificados. Sim, talvez seja de bom alvitre avisar que a experiência pregressa não autoriza soluções favoráveis no caso.

Só nos resta a lamentar a evidência de que o Brasil terá muitos percalços de ampla magnitude a superar para alcançar a paz de que precisa para viver.

Jornalista, poeta e escritor

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