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Milícia cria bairro em Irajá e cola selo de 'contribuinte' em casas

RIO — Aos olhos do poder público, a São Leonardo faz parte de um grupo de ruas que fica na divisa entre Irajá e Vista Alegre, na Zona Norte do Rio. Na prática, no entanto, o conjunto de vias, predominantemente residenciais, forma o BairrodoSacil , que não está no mapa da cidade: é um território dominado por uma milícia . Enquanto a polícia investiga o avanço de grupos paramilitares para o subúrbio, depois de terem conquistado grande parte da Zona Oeste, o Sacil chama a atenção porque os muros e portões de suas casas ganharam recentemente um selo, para identificar os moradores que são “ contribuintes ”.

 

O Sacil, delimitado por várias cancelas que fecham ruas da área, tem guaritas e vigilantes. Nelas, há placas com o aviso “bairro seguro”. É possível constatar que nem todas as residências estão com os adesivos que indicam uma “contribuição” de pelo menos R$ 20 por mês. Os poucos moradores que aceitam falar sobre o assunto demonstram medo. Segundo eles, os homens que cuidam da segurança circulam uniformizados. Nenhum anda ostensivamente armado.

 

— Eu saio cedo para trabalhar e só volto à noite. Não queria pagar a tal contribuição, mas acabei me rendendo. Todo mundo paga, e eles passaram a colocar os adesivos nas casas. Achei melhor não ser a única diferente por aqui — disse uma moradora, acrescentando que, antes de começar a fazer os pagamentos, sua família foi assediada por alguns homens. — É uma atividade ilegal. Quem deve dar segurança ao cidadão? Tem que ser a polícia. É no mínimo estranho que a população precise de um tipo de patrulhamento que não seja o feito pelo estado.

 

Pelas ruas do Bairro do Sacil, homens circulam com um colete que tem um emblema no peito e, nas costas, a palavra “apoio”. O emblema em questão tem um “S” estilizado, e se assemelha ao adotado por firmas de segurança privada. Entretanto, não há qualquer sinal da existência de uma empresa formal ou mesmo de um número de telefone para contato. O que se sabe é que o nome, Sacil, tem origem numa antiga companhia do ramo imobiliário que atuava na região. O esquema de vigilância chegou também às ruas Anhembi, Pedro Teixeira e Criciúma, entre outras.

RI Rio de Janeiro (RJ) 14/05/2019 Adesivos de um grupo se seguranças nas ruas de Irajá, na foto a rua Santo Agripino Foto Pablo Jacob / Agencia O Globo Foto: Agência O Globo
RI Rio de Janeiro (RJ) 14/05/2019 Adesivos de um grupo se seguranças nas ruas de Irajá, na foto a rua Santo Agripino Foto Pablo Jacob / Agencia O Globo Foto: Agência O Globo

Procurada pelo GLOBO, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e de Inquéritos Policiais (DRACO-IE) afirmou, em nota, que há investigações em curso sobre a atuação de uma milícia na área visitada pela equipe de reportagem. A especializada da Polícia Civil também informou que vem apurando a atuação de grupos paramilitares em outros bairros da Zona Norte, mas não especificou quais “para não prejudicar o trabalho de inteligência”.

Cancelas foram instaladas em 1990

A Secretaria Municipal de Urbanismo confirmou que as cercas, cancelas e guaritas instaladas nas ruas de Irajá e Vista Alegre são clandestinas. Ainda segundo o órgão, uma equipe de fiscais irá esta semana à região para fazer uma vistoria e constatar possíveis irregularidades. Na divisão oficial da cidade por bairros, o Sacil não existe. No mapa, a única referência de que se trata de uma área pública é a presença da Escola Municipal Mário Paulo de Brito, no número 47 da Rua São Leonardo.

Nos anos 1990, moradores insatisfeitos com o policiamento começaram a instalar, por conta própria, cancelas nas ruas, para controlar a circulação de “gente de fora”. Agora, o vaivém deles também é vigiado.

Moradores mais antigos ainda chegaram a denunciar o início das ofertas de sinal clandestino de TV a cabo. Hoje, ao serem perguntados sobre preços do chamado “gatonet”, os “contribuintes” se recusam a dar detalhes. Um homem que vive no Sacil tem uma explicação para o receio:

— É uma área onde moram muitos policiais e ex-policiais. Alguns andam de motocicleta sem capacete e não são importunados. São os donos da área. De vez em quando, paro num bar para beber uma cerveja, mas fico preocupado de acontecer um esbarrão, um mal-entendido. Acabo ficando a maior parte do tempo dentro de casa. JORNAL O GLOBO

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