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Renúncia ou impeachment?

Após o segundo turno da última eleição, muitas vezes externalizei o temor que tinha da guerra ideológica sem fim que desde o início Jair Bolsonaro dava mostras de querer empreender. Porque se ele não conseguisse responder aos anseios daqueles que o elegeram —que não queriam propostas mas sim dar vazão à repulsa que sentiam da política e dos políticos—, essas mesmas pessoas, inflamadas pelas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho e seus seguidores, passariam a questionar a própria democracia e suas instituições.

Foi o que aconteceu. Mesmo depois de eleito, o governo continuou em campanha e, mostrando não ter a nobreza dos vencedores, nunca estendeu a mão aos seus opositores. Nos primeiros meses de governo, redes bolsonaristas começaram uma série de ataques ao Supremo Tribunal Federal, conclamando pessoas a ocuparem as ruas contra o STF. 



Os filhos do presidente, acompanhados e liderados por Olavo, iniciaram uma batalha de intrigas, inclusive, e, para preocupação de todos, contra os militares, a coluna mestra de apoio. Os notórios confrontos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a insatisfação da base do governo no Congresso e o recuo do recuo que desmentiu o anúncio feito por deputados do PSL de que Bolsonaro retrocederia nos cortes da educação não melhoraram a situação.

Essa última semana foi a prova cabal da dimensão da inabilidade política. Contrariando a maior aposta dos eleitores, a economia do Brasil está próxima de uma depressão, que se concretizará caso 2019 repita a estagnação da renda per capita dos últimos dois anos, conforme avaliou o ex-presidente do Banco Central Celso Pastore no relatório “A depressão depois da recessão”, manchete de domingo desta Folha.

Foi a gota final do período mais duro já enfrentado por Bolsonaro em seus poucos meses de governo. As investigações contra seu filho Flávio estão avançando, milhares de pessoas foram às ruas em defesa da educação, e o governo parece cada vez mais longe não apenas de dialogar com o Congresso mas também com sua base. O presidente chegou a compartilhar nas redes uma carta, de autor desconhecido, afirmando que estaria de mãos atadas porque o Brasil só poderia ser governado por quem pedisse “benção” às corporações.

Estaria preparando a população para uma renúncia à la Jânio Quadros? Pedindo apoio às ruas contra o avanço das investigações, como fez Collor de Mello? Ou inflando a população contra a democracia, pela notória incapacidade de governar? Não podemos ignorar essa última hipótese, não por sua probabilidade mas por sua gravidade.

Como disse a jornalista Eliane Brum, esse é o resultado de se transformar um homem ordinário em “mito” e dar a ele o poder. Em quase 30 anos no Congresso, Bolsonaro teve apenas um projeto de sua autoria aprovado e nunca pareceu se incomodar com o que chama hoje de “velha política”: ele e seus filhos empregaram familiares em seus gabinetes e as investigações hoje procuram verificar se ficavam com parte dos salários, para dizer o mínimo.

A verdade é que nós, brasileiros, precisamos de mais e não de menos democracia, de mais e não de menos pensamento crítico, de instituições mais e não menos fortes. Estamos vivendo os impactos reais de uma guerra ideológica que destrói o que há de mais sólido no nosso país, como é o caso na educação.

Em um Brasil tão machucado social e economicamente, já não há espaço para fantasiosas teorias da conspiração. Se Bolsonaro persistir nesse caminho, a história só aponta dois resultados possíveis: renúncia ou impeachment.

Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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