Busque abaixo o que você precisa!

O Congresso ao estilo Maia

É a partir da extensa mesa de jantar, defronte a telas a óleo do artista plástico lusitano Fernando Lemos, e de quatro poltronas nas cores bege, acomodadas entre duas cadeiras Barcelona pretas que, aos 48 anos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, impõe um novo ritmo à pauta de prioridades brasileiras. Nesse ambiente bem peculiar da residência oficial, localizada na Península dos Ministros, o chileno de alma carioca já reuniu ao menos 400 parlamentares desde 2016, quando ascendeu ao comando do Parlamento pela primeira vez.

 

Inicialmente, os grupos — então mais restritos — se distinguiam entre a “turma da pizza” e o “time do churrasco”. Hoje, os comensais são tantos e de matizes ideológicos tão diversos que seria impossível classificá-los por preferências gastronômicas. Assim se expressa o estilo Maia de negociar e buscar consensos em torno de uma agenda para o País. Não à toa, ele é considerado agora peça fundamental no xadrez da República, uma espécie de primeiro-ministro em pleno presidencialismo. “Nessa pegadinha de primeiro-ministro, não caio”, alertou ele rechaçando a deferência, enquanto posava para ISTOÉ em frente às duas torres do Congresso.

 

Rodrigo Maia cobre-se de modéstia. Aprendeu com Tancredo que a esperteza, quando é muita, engole o dono. Mas seu desafio não é nada modesto e reveste-se de doses generosas de ousadia. Ele assumiu a responsabilidade de conduzir o País às reformas. Para aprová-las, teve de virar um costureiro de entendimentos. Na última semana, Maia foi quem pessoalmente articulou com cada líder do Centrão, em sua casa, o acordo que garantiu a aprovação das alterações nas regras da aposentadoria na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ). O triunfo ocorreu no cair da noite da terça-feira 23: a CCJ emitiu sinal verde para a admissibilidade do projeto por 48 votos a 18. Agora, começa a fase mais difícil, quando o mérito da matéria será discutido na Comissão Especial da Previdência.

 

À frente da Câmara, o jovem Maia age como o spoudaios de Aristóteles: o homem maduro, aquele que, por conhecer a profundidade da alma de seus governados, os inspira e torna-se um líder autêntico. Na atual circunstância política, convém ao Executivo tê-lo como aliado. “Sem Rodrigo Maia, a reforma da Previdência não anda”, reconheceu à ISTOÉ o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Maia colocou o Executivo de joelhos. Sem ele não tem nova Previdência. Consegue ser o principal apoiador e o mais perigoso oposicionista do Planalto ao mesmo tempo”, alertou o líder do governo no Senado, Major Olímpio (PSL-SP).

A BENÇÃO Rodrigo Maia atuou fortemente pela aprovação da reforma da Previdência na CCJ. Ao final, 48 a 18 votos pela admissibilidade e reconhecimento público do presidente Jair Bolsonaro (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

Rodrigo Maia refuta qualquer hipótese de pastorear os parlamentares para a trincheira oposta à do governo neste momento. Apoiado no tripé “palavra, confiança e credibilidade”, ele parece ter entendido o zeitgeist – expressão alemã usada para designar o espírito do tempo. “Seria um suicídio político eu ir contra o que a sociedade hoje, mesmo dividida, quer”, afirmou em entrevista à ISTOÉ. Por isso, como regente de uma grande orquestra, ele quer todos afinadíssimos em favor das mudanças na Previdência e de pautas destinadas a promover o desenvolvimento do País. Ele crê, inclusive, na aprovação da reforma ainda no primeiro semestre.

Sua importância foi tanta para o encaminhamento na CCJ que acabou reconhecida por Bolsonaro em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV na quarta-feira 24 e durante café com jornalistas no dia seguinte. “O presidente Rodrigo Maia deu um exemplo para todos de entrega e abnegação. Ele nos surpreendeu positivamente”. Maia não prescinde, no entanto, de cobrar novos gestos do presidente da República. Desta vez, dirigidos aos parlamentares. “Defendo com muita energia a necessidade das reformas, mas isso não suprime a responsabilidade do presidente da República”, disse.

Para ele, Bolsonaro precisa sinalizar ao Parlamento a ideia de atuação conjunta — como um governo de concertação, aos moldes do que ocorreu no Chile (concertación), sua terra natal, onde foi construído na década de 90 um amplo arco de alianças em torno de agendas comuns. Só que neste caso de cores liberais, dentro do espectro de centro-direita. “Ele (Bolsonaro) precisa explicar a narrativa. É necessário que compreenda que o Parlamento governa junto com o Executivo em todas as grandes democracias do mundo.

Governar junto não significa fazer coisa errada”. Nem toma lá, da cá. Nem fisiologismo, sublinha. “Toma lá, da cá é quando você não constrói uma agenda política de princípios e sim de pautas onde você vota comigo e eu te dou cargos. Quando você governa junto , não é fisiologismo. Tem toda uma agenda que você pode dizer: quero fazer parte dela e apoiar o governo desde o início”.

Lealdade com Temer

Se a conversa for embalada nesses termos, Maia promete lealdade, característica esta que ele identifica no próprio Bolsonaro. A trajetória do atual presidente da Câmara é pródiga em exemplos em que a fidelidade esteve acima de interesses mesquinhos. O principal deles remete ao período mais agudo do governo de Michel Temer. Quando o peemedebista parecia engolfado pelo escândalo JBS, Maia transformou-se num porto seguro: “O senhor fique tranquilo. Não haverá nenhum movimento hostil da Câmara”, afirmou Maia a Temer logo na primeira hora. “Ele conseguiu ser muito equilibrado num momento crítico em que muitos queriam que ele encaminhasse o afastamento de Temer”, lembrou Orlando Silva, do PC do B.

O pragmatismo corre por entre as veias de Rodrigo Maia — uma herança do pai, ex-prefeito do Rio Cesar Maia. Deve-se a essa característica à sobrevida política experimentada pelo atual mandatário da Câmara. Em 2015, ele esteve a um passo de abandonar a vida pública, na esteira da crise do DEM. Desprovido de perspectivas e voto, ensaiou o baile da despedida. O jogo virou. Maia ressurgiu e dos escombros ergueu três mandatos consecutivos na cadeira de presidente da Câmara. Hoje, quatro anos depois, se é lícito afirmar que o País pode sucumbir caso não aprove as reformas, não é nenhum exagero dizer que a sobrevivência do País depende também dele.


Colaborou Rudolfo Lago / ISTOÉ

Compartilhar Conteúdo

444