100 dias de barulho
07 de abril de 2019 | 05h00
E na quarta-feira o governo de Jair Bolsonaro completa 100 dias. Quem fizer o exercício de tentar listar os fatos mais marcantes corre o risco de encontrar mais “caneladas”, como gosta de dizer o presidente, que feitos concretos.
As iniciativas virtuosas vieram dos dois ministros sobre os quais havia mais expectativas e de um que estava fora do radar, mas se destacou nos três primeiros meses. Paulo Guedes enviou a reforma da Previdência ao Congresso ainda em fevereiro. Sérgio Moro fez o mesmo com o pacote anticrime, no mesmo tempo. E o “ministro revelação” é Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, que já tem uma bela cartela de realizações para ajudar no balanço que Bolsonaro fará.
Os militares cumpriram o que se esperava deles: foram a voz da sensatez nas crises e nas controvérsias que tinham potencial de se tornar crises, mas sua ascendência sobre o presidente se mostrou menor do que se esperava: muitas vezes eles perderam a queda de braço para os filhos ou para a tal ala anti-establishment, capitaneada à distância e aos berros e palavrões por Olavo de Carvalho.
E de resto? Muita polêmica vazia, tendo as redes sociais como palco, overdose de ideologia se imiscuindo em áreas que deveriam ser técnicas e uma paralisia da qual só agora se ensaia sair na articulação política.
Claro que Bolsonaro vai bater bumbo sobre as conquistas do início de governo, dizer que houve uma explosão de procura pelo Brasil em sites de viagens depois que ele liberou alguns países da exigência do visto e que a imprensa tem má vontade, mas se quiser, de fato, reordenar o governo deveria, ao menos com o grupo mais próximo de auxiliares, fazer uma avaliação mais realista.
Neste caso, deveria começar a semana livrando o País do constrangimento em que se transformou o Ministério da Educação. Depois de passar a campanha vendendo histórias da carochinha sobre a Educação, como o tal kit gay, o presidente nomeou para a pasta um ministro, Ricardo Vélez Rodríguez, incapaz de gerenciar uma estrutura complexa como a Educação brasileira. E o fez única e exclusivamente por questões ideológicas. Bolsonaro esteve prestes de nomear Mozart Neves para o MEC, um especialista respeitado na área. Diante da barafunda entre olavetes, militares e evangélicos que se instalou na pasta, não deixa de ser uma ironia que o diretor do Instituto Ayrton Senna tenha sido vetado por ser contra o obscuro projeto Escola sem Partido.
Depois da gestão virtuosa de Mendonça Filho no governo Temer, avaliações, métricas e a implementação da Base Nacional Comum Curricular estão seriamente ameaçadas. Depois não adiantará o presidente questionar os indicadores, como fez com o desemprego: desídia administrativa cobra um preço, e, no caso da Educação, ele significa que ficaremos ainda mais para trás na comparação com o resto do mundo naquilo que deveria ser a prioridade de um País que almeja se desenvolver plenamente.
Outra boa providência para uma guinada nos 100 dias seria cessar a guerrilha virtual, ou ao menos tirá-la da seara oficial do governo e delegá-la aos simpatizantes exaltados– que, não custa sempre repetir, não representam o conjunto da sociedade, e nem mesmo dos que votaram em Bolsonaro.