Vai ter mesmo a reforma? ISTOÉ
É a mais ambiciosa proposta de reforma da Previdência já apresentada ao Congresso Nacional desde que se tornou clara a urgência de reestruturar o sistema de pagamento de aposentadoria e benefícios sob pena de o País quebrar. Levado pelo presidente Jair Bolsonaro a Rodrigo Maia, presidente da Câmara, na quarta-feira 20, o pacote de propostas do governo reduz privilégios de servidores públicos, igualando-os aos trabalhadores da iniciativa privada, e aperta as regras para todos. Nas contas do ministro da Economia, Paulo Guedes, as medidas trarão uma economia de mais de R$ 1 trilhão ao longo de dez anos.
A necessidade da reforma é clara. Em 2018, o déficit no sistema foi de R$ 290,3 bilhões. Por isso, a apresentação do projeto animou o mercado financeiro, ávido por notícias que façam o investidor confiar novamente no Brasil. “O processo trará volatilidade”, diz Karel Luketc, analista chefe da XP Investimentos. As altas e quedas, porém, virão quase que exclusivamente dos investidores locais, já que os estrangeiros, dos quais a economia brasileira já sente saudades, devem esperar que as mudanças sejam consolidadas. Enquanto isso não acontece, os negócios minguam. O ano de 2018 terminou com saldo de R$ 11 bilhões negativos em investimentos estrangeiros, de acordo com dados da B3.
O que os faria voltar tem resposta certa: a aprovação satisfatória da Reforma. Diz-se satisfatória porque já se espera uma desidratação do pacote. Os investidores trabalham com a previsão de uma economia, no final, de R$ 600 bilhões a R$ 800 bilhões em 10 anos. Qualquer coisa abaixo disso é querer apagar um incêndio com um balde água.
Entre os pontos sobre os quais haverá discussão está a idade mínima para as mulheres, que passa de 60 anos para 62 anos. “A mudança reconhece que houve avanços, mas indica que ainda há diferenças na divisão de tarefas domésticas entre homens e mulheres”, diz o economista Jorge Boucinhas, da Fundação Getúlio Vargas. A proposta não agrada a bancada feminista. Um ponto a favor da idade mínima é que ela já existe, na prática, para grande parcela da população. “As classes C e D costumam se aposentar por idade. Nessa questão, a reforma traz mais igualdade para o sistema previdenciário”, aponta o economista Helio Zylberstajn, da Fipe.
Discussões sobre pontos como esses são esperadas. O problema é que, no planeta Brasília, elas costumam ser rebaixadas ao nível dos interesses pessoais e partidários. No Congresso, há o risco de ela se transformar em moeda barata de troca uma vez que o governo Bolsonaro ainda não conseguiu o mínimo de solidez em sua base. Por essa razão, a pergunta da semana passada era se vai ter reforma mesmo.
Do ponto de vista político, está difícil saber a resposta. Até agora, a condução política do presidente tem se mostrado um desastre. O governo conseguiu se enrolar sozinho. Na terça-feira 19, sofreu sua primeira derrota, perdendo uma votação que invalidou o decreto que ampliava a lista de servidores com poder para classificar documentos como sigilosos. O próprio presidente do partido do presidente, o PSL, Luciano Bivar, foi favorável à votação quando o governo queria o contrário. Isso aconteceu em meio ao escândalo envolvendo o ex-ministro Gustavo Bebianno, o filho do presidente, Carlos, e o próprio presidente, que terminou com a demissão de Bebianno e a divulgação de áudios de conversas que desmentiam Bolsonaro. “A condução do caso foi desastrosa”, diz o cientista político Aninho Mucundramo, da Universidade de Brasília.
“Sem as mudanças na Previdência, será o caos” Luiz Fernando Alves Jr., gestor de fundos da Versa
O Planalto não tem interlocutores no Congresso. “O mercado quer uma resposta rápida para a Previdência”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede), líder da oposição no Senado. “Mas acho difícil que isso aconteça.” Numa tentativa de administrar a crise, chega à liderança do governo no Senado Fernando Bezerra Coelho (MDB). O líder agrada parte dos parlamentares. No entanto, tem a pecha de ex-ministro da presidente Dilma Rousseff (PT) e ex-líder do governo Temer, além de ser alvo de três inquéritos, um da Lava-Jato e dois desdobramentos da operação. O líder do partido do governo no Senado, Major Olímpio, minimiza os efeitos futuros da crise. “Tudo é amadurecimento. Estamos nos fortalecendo. Funcionou como aprendizado”, diz.
Na semana passada, o governo deu outra mostra de fragilidade ao desmembrar em três partes o projeto de Segurança Pública criado sob o comando do ministro Sérgio Moro. O problema é que o desmembramento coloca o crime de Caixa 2 em uma votação separada. Um passo atrás em um dos pilares da campanha bolsonarista: o combate à corrupção. “Essa transformação subjetiva de análise do ministro está na contramão dos anseios da sociedade”, disse o procurador Marcio Chistino, do Ministério Público de São Paulo. Agora, o País espera que o governo faça sua lição de casa e aglutine forças para a aprovação da Reforma. Afinal, como dizem os especialistas, não há opção: ou ela sai ou ela sai. “Sem as mudanças, sobra o caos”, diz Luiz Fernando Alves Jr, gestor de fundos da Versa.
Colaborou Fernando Lavieri