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Subsídio rural da conta de luz vai para igrejas, lojas e até parque aquático

Taís HirataGuilherme Garcia / FOLHA DE3 SP
SÃO PAULO​

Subsídios na conta de luz de produtores rurais têm sido mal fiscalizados e podem apresentar fraudes milionárias, custeadas pela tarifa de energia da população.

Levantamento feito pela Folha mostra que esses descontos foram dados a igrejas, postos de combustível, imobiliárias, comércios, instituições de ensino e até mesmo parques de diversão. 

PARQUE NA ZONA RURAL

A pesquisa foi feita com base em dados enviados pelas distribuidoras de energia à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) referentes a 2017 —os mais recentes disponíveis.

As distribuidoras são responsáveis pela concessão do benefício. No entanto, quem arca com os custos não são as empresas nem o governo federal, e sim os consumidores de luz de todo o país —de residências a indústrias. 

A conta é bilionária: entre fevereiro de 2013 e o fim do ano passado, foram concedidos R$ 14,6 bilhões de  descontos a pessoas e empresas cadastrados como produtores rurais. Neste ano, o valor previsto é de R$ 3,4 bilhões.

No fim do ano passado, o então presidente Michel Temer editou um decreto que previa o fim desses subsídios dentro de um prazo de cinco anos, com redução de 20% por ano, a partir de 2019.

A medida, porém, é criticada pela bancada ruralista, que já apresentou um projeto de decreto legislativo para reverter a medida. O grupo negocia com o governo para aceitar o corte de subsídio, mas, em troca, manter outros benefícios, como mostra a coluna Mercado Aberto.

O pleito dos ruralistas recebeu apoio do líder do governo na Câmara dos Deputados, Major Vitor Hugo (PSL-GO). Na última semana, ele disse que o Palácio do Planalto poderia revogar o decreto que acabava com os descontos. 

Um dos beneficiários desses subsídios é o Parque Aquático Riala, localizado em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. 

O proprietário é o ex-prefeito da cidade Alair Corrêa. Ele chegou a se candidatar a deputado estadual em 2018, mas não se elegeu. 

Aberto aos fins de semana, das 10h às 17h, o parque —que tem entre suas atrações um “bar-molhado”, uma piscina para crianças e “brinquedos radicais”, segundo a descrição do próprio estabelecimento— recebeu um desconto de R$ 23,2 mil em 2017, sob a inscrição de produtor rural.

A rádio FM Independente, de Arcoverde, em Pernambuco, também foi beneficiada pelo subsídio. Foram R$ 15,7 mil naquele ano. 

Outro exemplo é a DFC Administradora de Imóveis, também em Pernambuco, que em 2017 deixou de pagar R$ 69,7 mil em sua conta de luz sob a justificativa de ser um produtor rural. A empresa tem entre seus sócios Douglas Cintra, ex-senador pelo PTB.

Há também uma série de igrejas e associações religiosas que recebem os subsídios destinados a agricultores —em 2017, foram ao menos 948. Uma delas é a Igreja Metodista Wesleyana, em Rondônia, que teve desconto de R$ 17 mil em 2017.

Apesar dos inúmeros casos que levantam suspeita de fraude, hoje, ainda não é possível dimensionar o tamanho total das prováveis irregularidades, já que a prestação de contas à população tem falhas. 

Até agora, os relatórios referentes a 2017 de parte das distribuidoras de energia não foram disponibilizados pela Aneel —a Eletropaulo, por exemplo, é uma delas.

Com base no que já foi publicado, a reportagem identificou ao menos 3.700 companhias cujas atividades econômicas declaradas não tinham nenhuma relação com produção rural —e que, portanto, podem ter se beneficiado de forma irregular desses descontos. 

Esse cálculo foi feito a partir de um cruzamento entre a lista de beneficiários e o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) das empresas, um registro feito pelas companhias junto à Receita Federal, no qual declaram suas atividades econômicas.

Ao todo, essas companhias receberam R$ 40 milhões de descontos em 2017.

Os valores, porém, tendem a ser maiores. Além da divulgação incompleta dos relatórios, há uma série de lacunas nas planilhas já publicadas, o que impossibilitou o rastreamento das atividades econômicas de diversas companhias. 

“Os subsídios na conta de luz, em especial este para os consumidores rurais, são dos mais perversos.

Primeiro porque são vulneráveis ao oportunismo. Segundo porque não há uma regra de saída para quem já não precisa. E terceiro porque não há nenhum controle, o que resulta em aumentos desnecessários dos custos e das tarifas”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e hoje vice-presidente da Electra Energy.

“Os interesses localizados mobilizam muito. Quem está pagando a conta muitas vezes não percebe. É um jogo desigual. Agora que a tarifa chegou a um nível insuportável é que está se questionando”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia).

OUTRO LADO

TARIFA NÃO DEVE PAGAR SUBSÍDIO, DIZ DIRETOR-GERAL DA ANEEL


A Aneel iniciou, neste ano, um pente-fino nos subsídios pagos pelos consumidores —não só aqueles pagos a produtores rurais mas também a companhias de saneamento e fontes renováveis. As distribuidoras terão até três anos para concluir a fiscalização, afirma o diretor-geral da agência, André Pepitone.

O prazo se justifica pela complexidade, diz. “[A auditoria] exige solicitação de documentos, outorgas, licenças, muitas vezes até inspeção in loco.” Ele afirma que haverá um acompanhamento trimestral do processo. 

“Caso tenha informações erradas, é fraude e tem que ser apurada com o devido rigor.”

Em relação à possível manutenção dos subsídios, Pepitone diz que cabe ao governo avaliar a conveniência do benefício, mas defende que o consumidor de energia não arque com os custos. 

“Se os subsídios são uma política pública que governo entende importante, que não seja suportada pela conta de luz”, diz ele.

A reportagem entrou em contato com o Parque Aquático Riala, mas não teve retorno. 

Procurada, a Enel Distribuição Rio, responsável por conceder o subsídio ao parque, foi até o local para checar a informação na sexta-feira (22) e, após inspeção, informou que notificará o cliente “informando que a unidade consumidora será descredenciada da tarifa especial”. 

A rádio FM Independente não respondeu sobre o subsídio recebido. A Folha não conseguiu contato com a DFC Administradora de Imóveis. 

A Companhia Energética de Pernambuco, que entrega energia às empresas, afirma, em nota, que os cadastros dos clientes indicados “estão sendo reanalisados e, caso necessário, serão adequados”.

A reportagem também não conseguiu contatar a Igreja Metodista Wesleyana. 

A Ceron, ex-subsidiária da Eletrobras adquirida pela Energisa em 2018, afirmou que, de fato, a igreja estava cadastrada como produtora rural de forma equivocada e que o registro já foi corrigido. 

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