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O nome do problema não é Carlos nem Bebianno

Josias de Souza

17/02/2019 03h39

Está evidente que o governo tem um problema. Ele tem nome e sobrenome. Alguns o chamam de Gustavo Bebianno. Outros, de Carlos Bolsonaro. Se estivessem certos, a solução seria simples. Bebianno já está a caminho da porta de saída do Planalto. Bastaria, então, trazer as opiniões do filho-pitbull na coleira e a coisa estaria resolvida. O diabo é que estão todos equivocados. Chama-se Jair Bolsonaro o verdadeiro problema do governo.

O capitão chegou ao Planalto como solução dos 57 milhões de brasileiros que o elegeram. Assumiu uma máquina estatal ideal para a instalação de uma administração pública inteiramente nova. Caos não falta. Entretanto, Jair Bolsonaro tornou-se um problema ao fazer uma opção prioritária pela trapalhada. Empenha-se tanto na produção de enroscos que se arrisca a tomar um processo judicial de Dilma Rousseff por plágio.

Outros presidentes precisavam tourear opositores. Com a oposição em frangalhos, Bolsonaro administra autocrises. Na falta de fatores externos, ele fabrica os próprios tropeços. No percalço mais recente, atribuiu-se à beligerância tuiteira de Carlos Bolsonaro a origem da Operação Tabajara que mantém um ministro palaciano pendurado nas manchetes em estado crônico de demissão há cinco dias. Engano. A trapalhada é coisa do pai.

Vendeu-se à opinião pública a falsidade segundo a qual Jair Bolsonaro reproduzira numa entrevista à TV Record o estampido das balas perdidas disparadas contra Gustavo Bebianno no Twitter do filho Zero Dois. Deu-se, porém, o oposto. Embora divulgada no telejornal noturno, a entrevista do presidente fora gravada de manhã, no hospital Albert Einstein.

Testemunha da conversa com o jornalista, Carlos ecoou o pai, não o contrário. Fez isso com o consentimento de Jair Bolsonaro, que lhe forneceu a munição mais letal: um áudio que enviara a Bebianno, via WhatsApp, para informar que não falaria com o ministro.

Nada disso deveria ter acontecido. Com o Diário Oficial ao alcance de sua caneta Bic, Bolsonaro não precisa atirar nos seus próprios ministros. Se a confiança em Bebianno evaporou, bastaria demiti-lo. Junto com o ato de exoneração seria distribuída à imprensa uma nota sobre a abertura do inquérito da Polícia Federal para apurar a denúncia de que Bebianno é correponsável pelo 'laranjal' do PSL.

O problema é que, de crise em crise, Bolsonaro tornou-se uma espécie de prisioneiro do próprio impudor. Suas ações e declarações perderam o nexo. Para se comportar como um autêntico presidente, seguindo as regras do manual, o capitão teria de responder a pelo menos três perguntas:

1) Como pode o pai do senador Flávio 'Coaf' Bolsonaro, marido de Michele 'Cheque de R$ 24 mil' Bolsonaro e amigo de Fabrício 'Faz-Tudo' Queiroz espicaçar Gustavo 'Laranjal' Bebianno?

2) Como levar a sério um presidente que invoca valores éticos para livrar-se apenas de Bebianno se pelo menos sete dos 22 ministros que nomeou ostentam algum tipo de suspeição?

3) Como acreditar na cara de nojo que Bolsonaro faz para o escândalo do PSL se o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, tão enrolado no caso do laranjal quanto Bebianno, continua no cargo como se nada tivesse sido descoberto sobre ele?

Desde que Bolsonaro elegeu-se presidente, aconteceram tantas esquisitices, uma se sobrepondo à outra, que muitas delas parecem esquecidas.

Em dezembro, por exemplo, quando se descobriu que o "amigo" Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, borrifara R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o presidente se incluiu no problema:  "Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém." Por ora, em meio ao esconde-esconde, prevalece a impunidade.

No mês anterior, quando se verificou que o ministro escolhido para a pasta da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, responde a denúncia por fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois, Bolsonaro piscou: "Não é nem réu ainda. O que está acertado entre nós? Qualquer denúncia ou acusação que seja robusta, não fará mais parte do nosso governo." Bebianno tornou-se um sub-Mandetta.

Diante da notícia de que o ministro Edson Fachin, do Supremo, autorizara uma investigação preliminar contra o chefe da Casa Civil, Onyx Lorezoni, por suspeita de caixa dois, Bolsonaro renovou o lero-lero: "Havendo qualquer comprovação ou denúncia robusta contra quem quer que seja do meu governo, que esteja ao alcance da minha caneta 'bic', ela será usada". Bebianno talvez pergunte aos seus botões: "Por que a política de 'mata-e-esfola' só vale pra mim?"

O capitão perdeu a fala quando o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa. Premiado com o silêncio do chefe e elogiado no Twitter de Carlos Bolsonaro, o sentenciado sente-se à vontade até para achincalhar a memória de Chico Mendes.

Com tantas evidências de desapreço pelos bons costumes, é improvável que a aversão que Bolsonaro passou a nutrir pelo ex-amigo Bebianno tenha como causa o laranjal do PSL. As verdadeiras razões apareceram nos diálogos mantidos pelo presidente na última sexta-feira.

Bolsonaro passou a se referir a Bebianno como "X-9", uma alusão ao apelido que os criminosos dão aos traidores nas cadeias. Chamou de "quebra de confiança" a audiência que Bebianno marcara —e ele mandara cancelar— com um executivo do "inimigo" Grupo Globo. Por isso, armou o salseiro que consome as energias de um governo que deveria estar concentrado na articulação da maioria necessária à aprovação de suas reformas no Congresso.

Foi assim, tratando com suavidade a falta de ética e estocando bílis no congelador, que Bolsonaro converteu-se no principal problema do seu governo. Ao magnificar as crises que fabrica, o capitão conseguiu o milagre de dar conteúdo oposicionista a si mesmo. De tanto atirar contra o próprio pé, virou alvo de Bebianno, um auxiliar que o idolatrava.

Enquanto aguarda pelos torpedos domésticos, resta a Bolsonaro um consolo. Na oposição, a única novidade é que Lula, ainda preso em Curitiba, foi convencido por seus devotos de que sua biografia o credencia para uma candidatura ao Prêmio Nobel da Paz.

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