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Presença maior de moradores de rua mobiliza bairros nobres de São Paulo

Thiago Amâncio / FOLHA DE SP
SÃO PAULO

“Aí, dá um gole da água? É pra cachorra”, diz Alemão, um guardador de carros, à reportagem, na esquina das avenidas Paulista e Angélica, em São Paulo. É ali, num dos metros quadrados mais caros da cidade, que ele vive sob os andaimes de um prédio em reforma.

Além dele e do animal, à noite e aos fins de semana, a marquise fica cheia de colchões, barracas e cobertores, assim como as ruas ao redor e uma praça próxima. “Tem gente que passa e ajuda. Tem gente que passa e xinga. Com a polícia não pode bobear”, resume.

Fábio Fortes, morador de Higienópolis e uma liderança da região, comenta com o dono de uma padaria próxima: “Ele quer saber se tem muito morador de rua aqui”, diz, rindo, referindo-se ao repórter. “É só andar por aí que você vê. Aumentou muito.”

A avaliação é quase unânime para quem percorre os arredores do centro: o número de pessoas que dormem na rua aumentou —o que se reflete no número de solicitações feitas à prefeitura para atender essa população. Estima-se que haja 20 mil pessoas nas ruas da cidade.



A situação tem provocado reações, positivas e negativas, nos moradores e comerciantes de Santa Cecília, Higienópolis, Pacaembu e arredores.

“O problema são as sujeiras que deixam para os condomínios. Na frente dos prédios tem cocô, colchão no chão, restos de alimento. Aumenta a quantidade de ratos. É muito desconfortável”, diz o empresário Roberto Piernikarz, 37.

“A gente tem assalto todos os dias, de bicicleta, saída de banco. Hoje Higienópolis é um dos bairros mais perigosos de São Paulo. Falta policiamento, falta ajuda da prefeitura”.

Piernikaz criou a página Higienópolis Mais Segura, no Facebook, mas, na verdade, mora nos Jardins — diz que resolveu mobilizar a população depois que sua avó foi assaltada.

Ele reuniu empresários e moradores da região para criar um programa social que melhore as condições de vida dessa população, oferecendo cursos profissionalizantes. 

Em reunião no começo do mês, o grupo viu que isso não seria possível sem ajuda médica à população dependente química. Agora, vão apresentar um projeto à prefeitura para fechar alguma parceria nesse sentido.

Bruno Maia, quem vive na região há 35 anos, desde que nasceu, administra outro grupo no Facebook no qual recebe relatos sobre os moradores de rua. O grupo colheu mil assinaturas para pedir providências do poder público. “Há os que moram há muito tempo na rua e são conhecidos pelo nome. Mas tem os ‘noias’, que fazem pequenos furtos, e isso piorou muito”, diz ele, que frequenta o Conselho de Segurança da Santa Cecília. 

Viviane Tenório, 40, vive na rua desde que saiu do Recife, há dois anos e meio. Ela vendia balas à porta de um prédio na avenida Angélica com o marido, Adailson Silva, 35 (na rua há seis anos). Aos pés deles, está o cachorro, Scooby, caolho. “Já furaram ele”, conta.

Eles passam o dia ali, trabalhando, e vão dormir nos arredores do estádio do Pacaembu. “É mais seguro”, diz Viviane. “Em albergue é horrível. Já serraram meu cadeado, roubaram tudo. Aqui no prédio tem uma veterinária que me ajuda com o cachorro, a vizinhança ajuda também”, conta.

Enquanto conversava com a reportagem, ela recebeu um copo de refrigerante de um grupo de adolescentes e um cacho de bananas de uma funcionária de uma farmácia.

Beatriz Silva, 93, descia a rua e os interpelou. “Estava com um dinheiro na mão para deixar para vocês. Mas um rapaz me pediu ali e eu dei. Agora a gente não sabe se era para usar droga, né? Me ajuda aqui, tira essa nota de R$ 2”, diz, entregando a carteira ao casal.

Presidente do Conselho de Segurança da Consolação, Higienópolis e Pacaembu, Lilia Porta diz que o assunto é sempre debatido nas reuniões da entidade.

“Você sabe que os moradores de lá são elitistas. Suas propriedades se desvalorizam. Eu compreendo, não gosto de morador de rua na minha porta, porque a prefeitura tem bastante dinheiro e deveria ter uma política para que as pessoas não morem na rua”, diz. “Mas eles [moradores de bairros nobres] têm mais que aproveitar que já têm contatos políticos fortes e procurar deputados estaduais, vereadores, para ajudar as pessoas.”

Na esquina da avenida Higienópolis com a Angélica, Lafon, como se apresenta Douglas Xavier da Silva, 22 de seus 40 anos na rua, procurava um amigo para almoçar. O apelido foi dado pela semelhança com Jorge Lafond, ator de Vera Verão —Lafon, o da rua, conta que já venceu um concurso de cover de Vera Verão no Programa do Ratinho, no SBT.

Por que Higienópolis? “Se eu ficar na cracolândia não paro de me drogar. Não, não, preciso ficar longe”, conta.

Ele conversava com Adelson Alves, 44, a quem chama de Grazi. A reportagem acompanhou Grazi até a estação Marechal Deodoro. “Vou almoçar com as meninas”, disse, referindo-se a outros moradores de rua gays. No caminho, pediu dinheiro a pedestres, mas foi recusado por todos. 

O entorno da estação Marechal é tida por muitos moradores do bairro como a região mais “problemática”, diz Fábio Fortes, do Conselho de Segurança da Santa Cecília. “As pessoas ficaram mais à vontade, é uma abordagem agressiva. As autoridades em geral têm que sair da zona de conforto e montar uma força tarefa permanente na rua”, diz.

PREFEITURA

Em entrevista à Folha, o prefeito Bruno Covas disse que a prefeitura não pode obrigar moradores de rua a sair das ruas. 

“A população cobra da gente respeito aos direitos humanos e também cobra que a gente suma com os moradores de rua. Há uma zona intermediária em que a gente pode resolver essa situação, mas garantindo os mesmos direitos que eu, você e a nossa família temos. É preciso um trabalho de convencimento”, diz.

“A rua é muito atrativa, oferece muitas oportunidades, mas [nosso trabalho] é mostrar para ele que há uma saída, há um caminho para sair, que é possível melhorar a condição de vida.” O prefeito disse que a prefeitura vai “qualificar e intensificar o trabalho dos grupos de abordagem”. 

Questionado se ações na cracolândia estariam espalhando usuários de droga, disse: “A gente não some com as pessoas. Quando o poder público está presente, muitas vezes [os usuários de drogas] não querem ficar ali. Não é uma ação de dispersão, é que eles vão fugindo do poder público, fugindo da abordagem. Aí nós vamos atrás deles. É um trabalho permanente.”

Colaboraram Artur Rodrigues e Mariana Zylberkan

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