Busque abaixo o que você precisa!

Para deter aumento de custos, planos de saúde agora apostam em médico de família

RIO - Na tentativa de reduzir o impacto da escalada dos custos da saúde — que deve fechar o ano com alta média entre 15,4% e 19%, ante uma estimativa de inflação geral próxima dos 4% — operadoras de planos privados apostam numa nova forma de atendimento, baseada numa fórmula já bem antiga: o médico de família. As empresas do setor, que têm 47,3 milhões de beneficiários, estão resgatando o modelo europeu, que inspirou o Sistema Único de Saúde (SUS), em que um profissional centraliza o acompanhamento e orientação de segurados e seus dependentes. Experiências iniciais, mostram, segundo as empresas, melhora no atendimento com redução de despesas entre 20% e 30%. Por enquanto, isso ainda não afeta as mensalidades, mas a expansão do modelo poderá reduzir o gastos de pacientes com mensalidades e taxas de coparticipação no longo prazo, dizem operadores do setor.

 

Segundo Sérgio Vieira, coordenador do Comitê de Saúde da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), cerca de 50 operadoras já têm projetos com esse formato. O usuário é vinculado a um médico ou equipe que centraliza todas as demandas do paciente e decide se é necessário encaminhamento para especialistas e acompanha os resultados. Para isso, é fundamental um sistema integrado de informação. Dessa forma, reduzem-se os procedimentos desnecessários e internações, e aumenta o foco na prevenção.

— Trata-se de um cuidado muito mais saudável adotado por vários países europeus, e que, no caso de operadoras que têm rede própria, tem um custo, em média, 30% menor — diz Vieira.

O movimento está em linha com a Agência Nacional de Saúde (ANS), que acaba de aprovar um projeto de atenção primária, que está sob análise jurídica. Ano passado, a reguladora, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), criou um Laboratório de Inovações sobre experiências em atenção primária na saúde suplementar, que premiou 12 projetos.

A Amil tem 179 mil fidelizados há mais de seis meses em seu programa de atenção primária. A empresa contabiliza, entre outros resultados, redução de 30% das internações nesse grupo. Os integrantes foram escolhidos no início de 2017, com o mapeamento de usuários de maior risco, mas segundo Sérgio Ricardo Santos, diretor-executivo da Amil, o objetivo é alcançar todos os 4 milhões da rede.

— Estudos mostram que de 80% a 85% das demandas são cobertas por essa atenção primária. As pessoas hoje têm quatro, seis médicos, mas nenhum para coordenar a sua saúde — diz Santos.

Menos idas à emergência

A advogada aposentada Maria Cristina Knackfuss faz parte desse grupo de clientes da Amil. Há um ano, prestes a completar 60 anos, aceitou o convite para aderir ao programa por causa do seu quadro de asma crônica e obesidade. Hoje, sente-se melhor atendida:

— Passei a concentrar todo o meu atendimento em uma única médica. E já perdi 15 quilos com reeducação alimentar e acompanhamento.

Eunice Gomes, de 91 anos, reduziu as idas ao pronto-socorro desde que, há um ano, ingressou num programa similar da SulAmérica voltado para usuários idosos, que integra um projeto da ANS.

— Em qualquer queixa, recorremos à central, que tem todo o histórico dela e nos orienta. Se necessário, mandam uma unidade móvel — conta Marcelene Gomes, filha de Eunice, acrescentando que a mãe recebe visitas regulares de profissionais do programa. — Ficamos mais confiantes.

Com uma rede de atenção multiplataforma integrada 24 horas, a SulAmérica estima ter reduzido em 21% os atendimentos em unidades de emergência. Além de mais eficaz, o custo de um atendimento em casa é, em média, de R$ 250, contra R$ 450 na emergência.

— Nos últimos quatro anos, trabalhamos com a rede credenciada protocolos de atenção primária e integramos informações sobre o atendimento do usuário. Saúde é investimento de longo prazo e ter atenção primária garante maior sustentabilidade para o setor — diz Tereza Veloso, técnica médica e de relacionamento com prestadores de saúde da SulAmérica.

Já a professora Ana Laura Berner, de 52 anos, que há mais de um ano está no programa da Amil, levou as filhas Heloísa, de 23 anos, e Isadora, de 18, para fazerem também o acompanhamento com o médico de família.

— Temos histórico de diabetes e de problemas cardíacos na família. Então, decidimos fazer o acompanhamento. Eu tenho sobrepeso e não posso praticar exercícios por limitações em consequência de um acidente que sofri. Mas queria um médico que me enxergasse como um todo, não dividida em partes. Sofri várias perdas este ano e o acompanhamento foi fundamental — conta ela.

Bradesco Saúde e Mediservice também desenvolvem um programa de atendimento médico regular com clínicos gerais ou pediatras, em Rio, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, e com a Novamed, rede de clínicas com médico de família que tem quatro unidades na capital paulista. A companhia informou que as informações clínicas dos pacientes são compartilhadas com todas as unidades por um sistema de prontuário eletrônico, o que tem ajudado a uniformizar condutas e reduzir desperdícios.

O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, já tem seu programa de médico de família em três empresas: os bancos Santander e Votorantim, além da Fleury, de diagnósticos. O produto replica o modelo testado com os funcionários do hospital que, entre 2016 e 2017, reduziu em 26,5% o custo total de saúde por pessoa. Os exames pedidos caíram pela metade e o percentual de consultas emergenciais caiu de 50% para 20% do total. Segundo Gentil Jorge Alves Junior, superintendente de saúde corporativa do hospital, a inflação médica da instituição ficou caiu para 7% ao ano, contra uma média próxima a 17% no mercado no período.

Entre hoje e amanhã, a reorganização da rede assistencial com base na atenção primária à saúde será discutido no 4º Fórum da Saúde Suplementar, no Rio, organizado pela FenaSaúde, que reúne as operadoras de planos privados. Segundo Solange Beatriz Mendes, presidente da entidade, um dos entraves à expansão desse tipo de programa em grande escala é a falta de profissionais com a formação necessária para atuar como generalista:

— Hoje, há apenas 5.486 profissionais, 1,4% dos médicos do país, com especialização em medicina da família. Precisa haver investimento em formação.

Para o médico Luiz Roberto Londres, fundador do Observatório da Saúde, as próprias operadoras contribuíram para essa deficiência ao remunerar mal as consultas. Isso incentivou a redução do tempo dedicado pelos médicos aos pacientes e a maior realização de exames e atendimentos especializados. Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade e professor da USP, diz que o modelo de livre escolha é mais caro e ineficiente, mas foi acomodado pelas operadoras enquanto conseguiram absorver os custos. Agora, está cada vez mais difícil repassar para as mensalidades e patrocinadores de planos coletivos os gastos crescentes.

— Durante muito tempo as empresas lavaram as mãos sobre o controle de gastos. Para as operadoras, era só repassar o custo. Mas, onde há atenção primária, se tem melhores custo, indicadores clínicos e satisfação do usuário.

A GE também criou um programa de atenção primária na empresa, que conseguiu reduzir em 68% o risco de diabetes e doenças cardiovasculares de seus colaboradores. Com esta e outras ações, a empresa vem reduzindo gastos com o plano de saúde dos funcionários.

— O médico de família tem de estar vinculado a um programa de gestão integrada de cuidados em saúde. O resultado financeiro é uma consequência — diz Márcia Agosti, gerente de programas de saúde da GE. O GLOBO

Compartilhar Conteúdo

444