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Confiar na Justiça? -

O Estado de S.Paulo

25 de março de 2021 | 03h00

Em tese, a decisão de um tribunal, reconhecendo a parcialidade de um juiz de primeira instância, deveria reforçar a confiança da população no Judiciário, ao restabelecer um elemento fundamental de todo sistema de Justiça: a equidistância do julgador em relação às partes. O direito a ser julgado por juiz imparcial é condição elementar de justiça. Decorrência direta da igualdade de todos perante a lei, a imparcialidade do juiz é requisito de validade do processo.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu, no entanto, o exato oposto ao julgar habeas corpus impetrado em favor do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que questionava a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro na condução do processo penal relativo ao triplex do Guarujá. Poucas vezes se viu tal desmoralização do Supremo como a que o País assistiu durante o julgamento desse writ.

A Segunda Turma do STF deixou pouco espaço para que sua decisão fosse vista como imparcial ou mesmo jurídica. Não se trata tanto do resultado em si, declarando a parcialidade de Sérgio Moro no caso – assunto, não é demais lembrar, sempre questionado pela defesa do ex-presidente Lula e sempre rejeitado pela Justiça, em várias instâncias –, mas de como se chegou à decisão.

É estranha, por exemplo, a demora na conclusão do julgamento. O habeas corpus chegou ao Supremo em 2018. Se eram tão graves e tão evidentes os elementos indicando a parcialidade do juiz, por que tamanha demora na conclusão do caso? Se estava em risco um princípio tão fundamental do sistema de Justiça, por que o arbítrio na escolha do momento do julgamento?

Também é estranho que, tratando-se de julgamento sobre o modo como o então juiz Sérgio Moro conduziu o processo do triplex do Guarujá – não se discutia a inocência do ex-presidente Lula quanto às acusações de corrupção e lavagem de dinheiro –, a Segunda Turma do STF tenha oferecido tantos elementos contrários à própria imparcialidade.

Os ministros deram a entender que, apesar de seus enfáticos votos sobre o dever de isenção do juiz, o que eles discutiam não tinha especial importância, pois eles mesmos não estavam cuidando para que fossem vistos como imparciais e isentos, em relação tanto ao caso específico como aos integrantes do colegiado com entendimentos contrários aos seus.

Contrariado com o voto do ministro Nunes Marques, o presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, mesmo já tendo votado, falou durante uma hora e meia sobre o caso. “Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecer habeas corpus se esconde um covarde. E vou falar: o bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”, disse.

Depois, o ministro Nunes Marques respondeu. “Quem me conhece sabe que eu não me inibo com nada. Para os que não me conhecem, ainda tem um pouco mais de 26 anos pra me conhecer.” Seria muito oportuno que, nas sessões do Supremo, mais do que idiossincrasias ministeriais, pudesse se conhecer o Direito.

Mesmo nos poucos momentos serenos da sessão de 23 de março, o Direito não foi a prioridade. Por exemplo, ao mudar o voto dado no fim de 2018, a ministra Cármen Lúcia alegou que, naquele momento, as provas não eram suficientes para o reconhecimento da suspeição do juiz Sérgio Moro. No entanto, aquilo que seriam, segundo a ministra, os novos elementos probatórios eram anteriores a 2018, como a condução coercitiva do ex-presidente Lula de 2016. Cármen Lúcia assegurou que as conversas hackeadas entre Moro e os procuradores da Lava Jato não contribuíram para seu novo entendimento.

Ao final, a ministra Cármen Lúcia fez importante esclarecimento. A decisão da Segunda Turma refere-se a um caso específico de um réu específico. Seus efeitos estão restritos ao caso do triplex do Guarujá. Fica, no entanto, a questão: como impedir que a desmoralização da Justiça, levada a cabo pelo próprio Supremo, não afete os outros casos? Ainda não se teve notícia de fórmula mágica capaz de tornar irrelevante o comportamento dos magistrados na condução dos processos.

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