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Pro ano nascer feliz - LEO AVERSA

Não teremos queima de fogos em Copacabana. A notícia pode parecer óbvia aos leitores mais sensatos, afinal, se precisamos evitar aglomerações e festas, é claro que não teremos grandes comemorações. Para que então fogos de artifício?

 

Confesso ao leitor que tenho um fascínio infantil por fogos. Aliás, devo admitir também que muitos dos meus fascínios são infantis. Gosto de trens, circos, Chicabon, luzes e cores que explodem lá no alto do céu.

Não sei se o melhor do espetáculo é o encanto ou a rapidez com que se vai. Talvez a combinação. Tantas e tantas vezes fui à praia à meia-noite do último dia só para ter aqueles poucos minutos de magia, aqueles em que, diante de algo tão extraordinário, a gente vê o passado com carinho e o futuro com esperança. Mas não só na praia. Os fogos de artifício têm me deslumbrado ao longo da vida, seja na Disney, no alto do Castelo Mágico, em Pyongyang, assistindo ao grande líder festejar seu aniversário, ou naquela pousadinha da Serra, acompanhando um casal comemorar suas bodas de ouro. Qualquer coisa que termine com luzes e cores no céu vale a pena.

Depois de tanto tempo criei em mim um reflexo com essa alegria fugaz que se acende com fósforo e pavio. É o que me basta. Assim como as marchinhas de carnaval, em que dois acordes são suficientes para abrir um sorriso no mais carrancudo ogro, os fogos de artifício me abrem a porta da felicidade infantil, aquela que emperra com os anos e tranca com as decepções da vida adulta.

Nesta pandemia senti muita falta deles, das marchinhas, da vida.

Escrevo esta coluna de uma fazenda no Sul de Minas, onde vim passar o Ano Novo. É um lugar tranquilo e isolado, tão tranquilo que espero que o vírus da Covid nem se dê ao trabalho de aparecer, ocupado que está com as aglomerações no Rio. Descobri aqui que o fascínio infantil combina com a alma do interior. Há um trem que passa — ao longe —de madrugada, há a memória de um circo que já se foi e há uma mercearia na cidade próxima que vende Chicabon e muitas coisas mais. Fogos de artifício até.

Foi nessa mercearia, leitor, que me ocorreu a ideia: se este ano será sem festas ou comemorações, por que não soltar os fogos eu mesmo? Por que não criar meus próprios instantes de deslumbramento? Pedi ao vendedor da mercearia duas caixas —antes que a Cora Rónai ralhe comigo, devo dizer que adquiri fogos pet friendly, muito mais de luz do que de barulho — e serei, com estas caixas à mão, empreendedor dos meus próprios sentimentos.

Agora é comigo.

Na última noite do ano enviarei luzes e cores ao céu para comemorar que 2020 passou e que continuamos vivos. Lançarei singelos fogos cuja graça e encanto se esgotarão em segundos, para não esquecer que a felicidade existe e que ela passa rápido, como a marchinha de carnaval no bloco de terça. Vou disparar fogos na noite escura, para que quem não está mais perto de nós os veja ao longe e saiba que não os esquecemos.

Para que o último dia de 2020 termine com alguma alegria, e 2021, contra todas as expectativas, nasça feliz. Porque ainda há coisas que estão além da lógica, lá no alto do céu. O GLOBO

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