Supremo desfaz a si mesmo para blindar Toffoli... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2021/05/29/supremo-desfaz-a-si-mesmo-para-blindar-toffoli
Já se sabia que a Justiça é cega. Descobre-se agora, num episódio estrelado pelo ministro Dias Toffoli, que a balança da Justiça está desregulada. A desregulagem ficou evidente na decisão em que o Supremo Tribunal Federal anulou, por 7 votos a 4, a delação do megacorrupto Sérgio Cabral, ex-governador do Rio. Alegou-se que a validade do acordo, celebrado pela Polícia Federal, dependia do aval do Ministério Público. Em 2018, o mesmo Supremo havia decidido o oposto. Reconheceu os poderes da PF para firmar acordos de delação, mesmo que à revelia do Ministério Público.
A delação de Cabral havia sido homologada no ano passado. A Procuradoria contestou a decisão em março de 2020. Só agora, um ano e dois meses depois, o pedido de anulação foi julgado. O assunto saiu da gaveta depois que o nome de Dias Toffoli foi pendurado nas manchetes de ponta-cabeça. Descobriu-se que Cabral acusou Toffoli de receber propina de R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos fluminenses enroscados no Tribunal Superior Eleitoral. Toffoli nega o malfeito. Antes de analisar o mérito da delação, tornou-se necessário julgar a preliminar sobre a validade do acordo.
Coisas estranhas passaram a acontecer. Imaginou-se que Dias Toffoli fosse se abster de participar do julgamento sobre a validade da delação de Cabral. Pois ele participou. Luiz Fux, presidente do Supremo, não costuma votar em processos que envolvem Sergio Cabral. Quando governava o Rio, o personagem apoiou a indicação de Fux para a vaga de ministro do Supremo. Dessa vez, ele votou. Toffoli e Fux engrossaram a maioria favorável à anulação do acordo de delação. A decisão pode produzir um efeito cascata, pois o acordo com Cabral não é o único que foi celebrado pela Polícia Federal, sem a participação do Ministério Público.
Sérgio Cabral é um corrupto de vitrine. Carrega na biografia condenações que somam mais de 300 anos de cadeia. Palavra de delator não é prova. Mas o que incomoda no caso das menções feitas a Toffoli é a forma como a acusação é retirada de cena, num julgamento feito em plenário virtual, sem debate, longe das câmeras da TV Justiça. A democracia não merece que o Supremo desfaça a si mesmo para abreviar o drama de um de seus ministros. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL..
Manifestação de rua em meio à terceira onda é tão eficaz quanto cloroquina... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2021/05/30/manifestacao-de-rua-em-meio-a-terceira-onda-e-tao-eficaz-quanto-cloroquina
Para ser levado a sério, o "Fora, Bolsonaro" entoado nas ruas deste sábado precisaria de um complemento: "Mourão já". Sem isso, asmanifestações que encheram o asfalto serviram para duas coisas: expor a falta de nexo da oposição e presentear o coronavírus com muitas aglomerações.
A exemplo de Bolsonaro, seus rivais favoreceram a elevação do número de infectados e de mortos. Para quê? Ganha duas doses de vacina quem for capaz de responder. Que a popularidade do capitão derrete já se sabia. O Datafolha havia informado que a rejeição de Bolsonaro bateu em 54%.
Ironicamente, Bolsonaro virou um desastre sozinho. Não precisou do auxílio da oposição para se tornar um conto do vigário no qual 57,8 milhões de brasileiros caíram. Vendeu-se como político antissistema e anticorrupção. Acorrentou-se ao sistêmico centrão. E comanda uma organização familiar com fins lucrativos.
A pandemia deu um conteúdo fúnebre à inépcia do governo Bolsonaro. Num primeiro momento, morria-se de Covid. Desde dezembro de 2020, mês em que o Butantan e a Pfizer deixaram de entregar os milhões de doses que o Ministério da Saúde demorou a comprar, morre-se no Brasil de falta de vacina.
Arrisca-se a fazer papel de bobo quem imagina que os organizadores dos protestos deste sábado estão interessados no impeachment. Sobram razões para arrancar Bolsonaro do Planalto. O presidente comete crimes de responsabilidade em série. O que falta é interesse em levar às últimas consequências o "Fora, Bolsonaro" e, sobretudo, o "Mourão já."
Os interesses ficarão mais nítidos à medida em que a CPI da Covid for se aproximando do final. Seguindo as pistas que Bolsonaro deixou, a comissão estabelece conexões entre as mortes e o negacionismo do presidente. Logo ficará claro que Bolsonaro cometeu, por ação ou omissão, crime comum e crime de responsabilidade.
O crime comum levará o relatório final da CPI à mesa do Procurador-Geral Augusto Aras, a quem cabe processar o presidente junto ao STF. O crime de responsabilidade recheará o 115º pedido de impeachment, a ser submetido ao presidente da Câmara, Arthur Lira..
Ainda que Aras ou Lira decidissem abrir as gavetas, o que não parece ser o caso, os processos só avançariam se 342 dos 513 deputados votassem contra Bolsonaro. Isso dificilmente ocorrerá. Por quê?
Simples: os organizadores das manifestações de rua, majoritariamente simpáticos à candidatura presidencial de Lula, estão de olho nas urnas de 2022. Querem enfraquecer eleitoralmente Bolsonaro, não trocá-lo por Mourão.
Na outra ponta, os aliados do presidente no centrão estão com os olhares voltados para o Diário Oficial. Querem Bolsonaro fraco para arrancar dele mais verbas e cargos, não para retirá-lo do trono.
Num instante em que o Brasil se apavora com a terceira onda de uma pandemia que está perto de produzir 500 mil mortos, o ronco da rua é mero charlatanismo. Favorece apenas o vírus. Na articulação do impeachment de Bolsonaro, é tão eficaz quanto a cloroquina no tratamento da Covid. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
A via alternativa da eleição - Carlos José Marques
Dias atrás um certo frenesi tomou conta das redes sociais após FHC ter declarado voto a Lula no caso de um segundo turno apocalíptico, polarizado entre o demiurgo de Garanhuns e o “mito” ensandecido do cerrado planaltino. Nada mais natural, no entanto. FHC, como bom sociólogo, exibe a qualidade de enxergar longe o jogo político e traça cenários com as peças que estão dispostas no tabuleiro. Fato: a pendenga de lulistas contra bolsonaristas parece arquitetada para as próximas eleições — salvo algum novo incidente de percurso, jurídico ou social, ainda não precificado.
Nesse quadrante de dois extremistas, o pêndulo tende a se mover naturalmente para o outro lado que não o do inquilino atual do poder. Como já ocorreu lá atrás, quando um País inteiro, sobejado pelos 16 anos de mando e desmandos do PT, guiou-se ao limite oposto, na busca estúpida, incessante, por mais um salvador da Pátria. E eles, sabidamente, não existem. Embora se apresentem como tal, antes tratam de arranjar e acomodar os próprios interesses, deixando a massa bovina e infecta de seguidores ao relento das promessas jamais cumpridas.
O Brasil, numa sina subdesenvolvida, de apego às tradições políticas mais retrógradas, vem sendo levado a esse “confronto” e conluio de extremos (embora pareça, não há nada de paradoxal nisso). Antes de tudo está aí uma forma meio bizarra de alternância de controle do Estado. Em 2018 a dose foi repetida. E deu no que deu.
O torresmo de cérebro do capitão, que aparenta exibir quase nenhum neurônio, convenceu e venceu, transmutado no personagem de um anti-Lula de ocasião e carteirinha. Construiu, a partir dali, seu próprio desastre administrativo, desmantelando o que havia de essencial em áreas como Educação, Saúde e Meio Ambiente, para citar apenas o tripé de setores estratégicos mais em voga. Fez ainda pior: legou ao País uma carnificina humana sem precedentes, na base das decisões bestiais que iam de uma promoção sem o menor cabimento, lógica ou base científica, de drogas sem eficácia à campanha implacável contra vacinas.
É redundante lembrar, mas é igualmente assombroso ter de acreditar em tantas aberrações cometidas. Lula, por sua vez, representa hoje — queiram ou não os desafetos, falsamente chocados com a sobrevida que carrega — um autêntico anti-Bolsonaro e vai ser difícil outro tomar-lhe o papel. Fato. Daí a polarização mais uma vez estabelecida.
O capitão Bolsonaro experimenta, no momento, uma resistência gigantesca em todo o País ao seu nome, em virtude das loucuras em cascata e da imoral série de atitudes genocidas. Mais da metade da população nacional (apontam pesquisas) não quer vê-lo reconduzido ao Planalto. Essa fatia de eleitores optará por um lado antagônico ao status quo atual e, se perceber que a única maneira de deter o avanço do mandatário será por intermédio de Lula, fechará com ele.
Cristalino como água e FHC vislumbrou a corrente. Na prática, não há como Bolsonaro sair inteiro e vitorioso da contenda. Não possui fôlego para levar no primeiro turno e com Lula, no segundo turno, dança. Perde fragorosamente. FHC chacoalhou a cena política, com sua visão antecipada e primorosa, para tentar reacender o fôlego de uma via alternativa, a do terceiro elemento na batalha. Precisa aparecer como uma figura com capilaridade política, articulação partidária, senso de responsabilidade e noção das carências nacionais.
É mister esperar os próximos capítulos, mas o tempo urge. Para o bem dos princípios, contra o negacionismo que tanto Lula como Bolsonaro professam, em favor da lisura na gestão pública, é vital e urgente o aparecimento da terceira via. Desafio que se impõe como uma missão de toda a sociedade.
Sempre foi pré-condição da democracia representativa a pluralidade de candidatos e, mais do que nunca, é necessário ao País sair de uma vez por todas da armadilha dos extremos. Surpreende no contexto em vigor que mesmo a elite dominante esteja resignada, de alguma forma conivente com os malfeitos, exibindo pouco engajamento na busca por competência, moralidade administrativa e seriedade de objetivos.
Até por uma simpatia ideológica equivocada, de natural predileção pelo controle absoluto do Estado, na base da espora, chicote e coice na população, a mesma elite que se diz consciente do papel de indutora do desenvolvimento se deixa enlamear no ranço purulento do radicalismo. Ela rasteja na saída equivocada. Para os brasileiros que têm muito a perder, uma opção de centro ainda é possível nesse jogo? Naturalmente. O centro ainda acumula a maior fatia dos eleitores nacionais, mas vai depender da forma como ele se apresentará para lograr êxito. Caso se mostre esfacelado, diluído, perderá força e ficará em segundo plano diante da polarização.
O populismo ainda está corrente, com enorme apelo e servindo de fundamental apetrecho para os aventureiros de plantão, habituais candidatos a caudilhos, ditadores de republiquetas. Não é aconselhável fazer pouco caso de sua relevância. Mas o Brasil merece mais. Pode mais. E deve buscar por muito mais. Fora da doentia dicotomia dos lunáticos. Depende de cada um de nós. ISTOÉ
Fla x Flu da morte: esquerda vai à ruas em resposta ao bolsonarismo
Ricardo Kertzman / ISTOÉ
Há quase um ano e meio, Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, e a malta rábica que o idolatra promovem arruaças homicidas Brasil afora. Em meio à pandemia do novo coronavírus, não há quantidades de doentes e mortos para sensibilizar esses canalhas, sócios da peste, mensageiros da desgraça.
Primeira onda, segunda onda, terceira onda… 50 mil, 100 mil, 300 mil, 500 mil! Os alertas, os números, a dor de quem padeceu seriamente pela doença, ou de quem perdeu pessoas queridas, são absolutamente insignificantes para essa gente. São literalmente assassinos dolosos. Bolsonaro, inclusive.
Mas não basta a este miserável País ser dragado para o cemitério mais próximo apenas pela extrema direita. Um bando não menos raivoso e idólatra, apenas de pensamento e cor diferentes, ressentido pelo ostracismo a que foi relegado desde a derrocada do lulopetismo, resolveu acordar.
E acordou repetindo os mesmos erros do passado. Saiu às ruas empunhando as bandeiras do comunismo, algo tão real hoje em dia quanto a honestidade de Lula. E ainda que mascarados, portando álcool em gel e outras medidas ‘marqueteiras’, se aglomeraram e disseminaram o vírus da morte.
Lulistas, bolsonaristas, ciristas, moristas ou sejam lá quais os tipos de grupelhos idólatras, o certo é que fanatismo, ignorância, simplismo e uma tremenda vontade de eliminar os opostos, prática abjeta inaugurada no Brasil pelo meliante de São de Bernardo, jamais irão contribuir para o bem do País.
A terceira via que o Brasil tanto precisa não cabe em um nome, em um partido ou em uma ‘visão de mundo’. Precisa ser uma forma de pensar e agir coletivamente, priorizando a sociedade e, não, pretensos salvadores, pais dos pobres, mitos mais falsos que nota de 3 reais. Idolatria só leva ao atraso.
As esquerdas cometeram, hoje, mais um terrível erro. Mostraram que estão para a extrema direita como Lula está para Bolsonaro. Provaram que os únicos projetos e objetivos são aniquilar o bolsonarismo e retomar o poder. A saúde, o vírus, a UTI, o futuro, o País… que se danem! Como sempre, aliás.
Ministério da Saúde já fala em compra de vacinas para 2022 e negocia com a Moderna
Melissa Duarte / o globo
BRASÍLIA — Diante do novo avanço da Covid-19 e da possível necessidade de aplicar dose de reforço, o Ministério da Saúde declarou nesta sexta-feira que tem negociado vacinas para 2022. A pasta, no entanto, ainda não estima a quantidade de imunizantes a serem adquiridos nem prevê quando os contratos devem ser assinados. Um dos laboratórios na mira é a norte-americana Moderna, mas o órgão não descarta outros.
—Nós estamos conversando com eles (Moderna). Já há uma aproximação não só com eles, mas com outros laboratórios numa possibilidade de oferta para o ano que vem — afirmou o secretário-executivo da pasta, Rodrigo Cruz, em entrevista nesta sexta.
Neste mês, a empresa de biotecnologia anunciou a eficácia do imunizante contra a variante descoberta na Índia. O resultado se baseia em estudo preliminar da NYU Grossman School of Medicine e do NYU Langone Center. Já com uma dose de reforço, aplicada em quem completou o esquema vacinal, a vacina também protegeria contra as cepas oriundas do Brasil e da África do Sul.
O laboratório ainda não entrou com pedido de uso emergencial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Aplicada em duas doses, a vacina usa a tecnologia do RNA mensageiro para coibir a infecção pelo novo coronavírus e o desenvolvimento de formas graves da doença. A vacina pode ser uma alternativa para vacinar jovens a partir de 12 anos, já que é segura e eficar a partir dessa idade, segundo estudo divulgado na terça-feira.
Outra aposta do ministério é a antecipação de doses, como as 38 milhões da Janssen, braço farmacêutico da Johnson&Johnson, contratadas em março. O imunizante, administrado em dose única, pode ser uma estratégia eficaz para acelerar a imunização, barrar a terceira onda de Covid-19 e mitigar os efeitos da crise sanitária.
No contrato assinado, a previsão de entrega é de 16,9 milhões de doses entre julho e setembro e 21,1 milhões de outubro a dezembro deste ano.
— Não há uma confirmação por parte do laboratório de antecipação dessas doses, mas é um pleito recorrente do Ministério da Saúde — disse Cruz.
Com redução de 8,4 milhões de doses, a previsão atualizada para junho é de 43,8 milhões de doses. A principal justificativa é o atraso na produção pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por conta da falta de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).
Natural ou vazado de um laboratório: entenda a polêmica científica sobre a origem da Covid-19
Ana Lucia Azevedo / o globo
RIO - Sem alarde, pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan anunciaram a descoberta na semana passada de um novo ramo na árvore evolutiva dos coronavírus de morcegos. Todos são parentes distantes do Sars-CoV-2. Mas, como disseram os próprios chineses, sua identificação é só “a ponta do iceberg” do universo de coronavírus desconhecidos com potencial de causar doença.
O anúncio ocorre num momento em que a China e seus cientistas, em especial os de Wuhan, são acusados de ocultar dados sobre a origem da pandemia. Wuhan é a cidade chinesa onde foram registrados oficialmente os primeiros casos da Covid-19, em dezembro de 2019.
Um suposto relatório secreto americano divulgado pela mídia dos EUA traria indícios, sem apresentar provas, de que o Sars-CoV-2 poderia ter escapado do laboratório de Wuhan. Na quarta-feira, o presidente Joe Biden ordenou mais investigações sobre o caso, trazendo para a esfera política a questão científica. Vale lembrar que uma investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) terminou em março sem conclusões relevantes. Por isso, um grupo de cientistas pediu em carta na revista Science mais acesso aos laboratórios da China.
A polêmica tem como pano de fundo as disputas entre os EUA e a China, mas pode ter consequências, algumas delas nefastas, sobre o combate da pandemia.
Os vírus apresentados semana passada, de oito tipos ao todo, foram coletados em 2015, nas mesmas cavernas da província de Yunnan, no Sul do país, onde se supõe que tenha surgido o ancestral do Sars-CoV-2. Os chineses não esclareceram porque só resolveram apresentar seus achados agora. Mas a decisão foi vista como uma resposta à falta de transparência.
No estudo ainda sem revisão por pares e publicado apenas no repositório de dados bioRvix, os cientistas de Wuhan dizem que coletaram cerca de 1.000 amostras de morcegos de uma caverna usada para a mineração, durante três anos. A caverna foi investigada depois que mineiros começaram a adoecer de uma doença misteriosa. Testes posteriores mostraram não se tratar do Sars-CoV-2 e sua doença, a Covid-19.
Porém, nove coronavírus foram identificados, todos da mesma categoria já associada a síndromes respiratórias agudas graves. Um deles foi chamado de RaTG13 e descrito na Nature, em fevereiro. Trata-se do parente mais próximo do Sars-CoV-2 já encontrado. Os outros oito foram descritos agora e não são tão aparentados assim, embora tenham regiões em seu genoma assemelhadas.
O anúncio só veio alimentar a certeza de que as investigações sobre a origem da pandemia estão longe de terminar.
O que diz o relatório da OMS?
A principal conclusão dessa fase de investigação, a primeira, é que a hipótese de que o Sars-CoV-2 se espalhou de animais para seres humanos é muito mais provável do que a de que tenha escapado de um laboratório. Porém, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, observou que as investigações continuam.
Na Europa: Aprovação de uso da vacina da Pfizer em adolescentes a partir de 12 anos
Por que a hipótese de transbordamento de animais para seres humanos é considerada a mais provável?
Porque transbordamentos (spillover, no termo em inglês) são conhecidos. Cada surto de ebola é um evento de transbordamento. O ebola não se mantém em homens. Ele pula de animais para seres humanos. Os casos de raiva recém-registrados são transbordamentos de vírus da raiva de morcegos para seres humanos e cães. Cerca de 75% das doenças emergentes são zoonoses, isto é, têm origem animal. É comprovado que desde o início dos anos 2000 os coronaviírus já passaram para seres humanos várias vezes. O Sars-1 chegou ao ser humano via consumo de carne de civeta infectada por coronavírus de morcegos. Já o Mers se transmite ao homem de camelos, originalmente contaminados por vírus originário de morcego. E há mais descobertas recentes.
Quais?
Em março, foi apresentado estudo sobre três crianças do Haiti infectadas por coronavírus de porcos em 2014 e 2015. E na semana passada a revista Clinical Infectious Diseases trouxe a descrição da emergência de um coronavírus novo, com genes de coronavírus de cães, gatos e porcos. Ele foi achado em amostras de oito crianças da Malásia internadas com pneumonia em 2017. Porém, não se sabe se esse coronavírus foi a causa da pneumonia. Também já foram encontrados coronavírus semelhantes ao Sars-CoV-2 em morcegos da Tailândia.
E o que essas descobertas sugerem?
Que coronavírus de animais podem passar para as pessoas muito mais frequentemente do que se imaginava. Na verdade, desde 2005 se detecta vírus parecidos de morcegos nas cavernas do sul da China e pessoas soropositivas. O transbordamento ocorre numa frequência muito maior do que o que se vê.
Quando se poderá encontrar vírus ancestrais do Sars-CoV-2 ou animais que tenham servido de hospedeiros?
Isso pode levar décadas sem que qualquer resultado conclusivo seja alcançado. Trata-se de examinar milhares de espécies de animais em busca de vírus que não se conhece. Vírus são as menores criaturas conhecidas. Para se ter ideia, uma dose de vacina pode conter 100 bilhões de vírus.
Como se mostra que um vírus tem potencial de transbordamento (spillover)?
A virologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarissa Damaso explica que é preciso clonar a proteína spike (usada para a invadir células) de um coronavírus e colocar num outro vírus vetor (lentivírus ou VSV) e demonstrar que a spike desse coronavírus é capaz de direcionar o lentivírus ou VSV para entrar em células humanas. É assim que se verifica o potencial zoonótico desses e de outros vírus.
E isso não traz risco de escape?
Isso é necessário para investigar doenças letais e pode ser feito em segurança. Numerosos institutos de pesquisa fazem estudos assim.
Por que a hipótese do laboratório persiste?
Porque não foi determinada ainda a origem exata do vírus causador da Covid-19. Além disso, existe a coincidência de a pandemia ter supostamente começado em Wuhan e lá existir um laboratório que faz experiências com coronavírus. Mas Wuhan é uma das cidades mais movimentadas da China e seu laboratório é amplamente reconhecido.
E sobre a origem animal?
Existem uma série de evidências, mas nunca se achou um animal que fosse a ponte entre o coronavírus de morcego original e o homem. O Sars-CoV-2 tem muitas características genéticas que indicam que veio de um vírus de morcego. Mas ele é um vírus humano. Para chegar à forma que gerou a pandemia, teve que ter passado por mutações. E estas muito provavelmente foram adquiridas ao infectar um hospedeiro intermediário. Mas não se conhece até agora nem o suposto vírus de morcego ancestral nem uma forma intermediária.
O que se sabe de concreto?
Que o vírus não foi criado em laboratório, e isso se sabe por causa de estudos genéticos que descartaram qualquer tipo de manipulação gênica.
E a hipótese de escape?
Ela é considerada possível porque acidentes desse tipo já ocorreram antes. Inclusive com o Sars-CoV-1 ao ser manipulado em laboratório em 2003 e 2004. Mas ele não surgiu lá e sim escapou quando já era conhecido e a epidemia de Sars-1 já estava inclusive controlada. Foram casos isolados de pessoas que se contaminaram dessa forma e não se propagaram para a comunidade.
E existem provas de escape?
Não. Existiriam três supostos casos de funcionário do laboratório de Wuhan que teriam ficado doentes em novembro de 2019, mas nenhuma prova de que fato adoeceram ou que doenças tiveram. A China nega a informação, que teria sido passada aos EUA por um terceiro país não identificado. Para analisar o caso mais a fundo, são necessários dados do laboratório. Mas estes não teriam sido entregues. Cientistas como o virologista Ian Lipkin, da Universidade de Columbia e que esteve nos laboratórios chineses, se disse preocupado com o que viu. Ao New York Times, afirmou que não ficou satisfeito com a segurança dos laboratórios nem com as respostas dos chineses. A falta de transparência dos chineses é um dos maiores motivos de desconfiança de cientistas, principalmente os americanos.
A quem interessa a teoria de que o vírus escapou do laboratório de Wuhan?
Interessa a quem não quer controle sobre o desmatamento, sobre o tráfico de animais, sobre a caça. Até agora a discussão tem produzido de concreto teorias da conspiração, que podem prejudicar o combate à pandemia e a prevenção de outras.
Por que interessa investigar a origem do coronavírus Sars-CoV-2?
Porque vai gerar conhecimento sobre como evitar novas pandemias, controlar coronavírus e outros patógenos potencialmente perigosos. Decifrar a origem do vírus ensinará à ciência como eles se modificam para causar doença em seres humanos. Essas informações poderão salvar milhões de vidas.