As distorções no avesso da reforma
No Brasil, o sistema de aposentadorias não é injusto por acaso. São muitos os caminhos que parecem corretos, mas que acabam sendo usados por quem tem dinheiro para bons advogados. E há neste momento uma ofensiva, em várias frentes, que está reduzindo a economia prevista com a reforma aprovada.
O executivo de uma grande empresa, por exemplo, entrou com um pedido para se aposentar com pouco mais de 40 anos. Ele alegava trabalho rural infantil. A prova seria o fato de a família ter um sítio, no qual ele teria trabalhado. O pedido foi negado porque, descobriu-se, o pai era funcionário público. Ele já recorreu. É claro que em caso real de trabalho infantil rural o tempo tem que ser contado, o problema é que o requerimento tem sido feito por pessoas da classe média e cuja família tinha sítio para lazer e não como local de trabalho das crianças.
Deixar a pensão para um menor, dependente, parece também muito justo. Mas o que tem acontecido é que o segurado, que não tenha um pensionista natural, cria um falso vínculo de dependência com um menor da família. A lógica está embutida na frase “não vou deixar a aposentadoria para o governo” e é fruto da distorção de achar que o benefício previdenciário é um patrimônio a ser deixado para herdeiros. Técnicos do governo identificam muitos que adotam neto, apesar de a criança ter pais em idade produtiva. Isso foi proibido na reforma da Previdência, tanto dos civis, quanto dos militares, mas agora o assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a Previdência perdeu. Foram seis votos a favor de restabelecer a legalidade da prática que tem o nome de “menor sob guarda”. O voto que deu maioria contra o governo foi o do ministro Edson Fachin. Como ele estabeleceu algumas condições, espera-se agora o acórdão para ver se há uma modulação que reduza o impacto aos cofres públicos.
O que mais preocupa o INSS é o assunto tratado aqui no GLOBO, numa detalhada reportagem de Geralda Doca, na semana passada. Advogados desenvolveram uma tese — já há oferta desses serviços em anúncios — que sustenta que o segurado tem o direito de reclamar a revisão da sua aposentadoria com base nos valores recolhidos antes de 1994, mas apenas se for para elevar o valor do benefício. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista, na última sexta-feira, quando estava cinco a cinco.
O INSS não tem os valores de salários antes de 1991. Se tiver que rever, será necessário pegar as carteiras de trabalho de todos os que reclamarem para digitalizar e fazer os cálculos.
— Seria um trabalho enorme, porque a gente estima que apareçam seis milhões de requerimentos. Analisar um desses equivale ao trabalho de avaliar dez pedidos normais de aposentadoria. Terá que ser manual. É ilógico de ponto de vista econômico, porque calcular os valores da época da hiperinflação é muito difícil. É injusto do ponto de vista previdenciário, já que a tese é que a mudança só pode ser para elevar o benefício e nunca para reduzir — explica uma autoridade.
O CNJ deu uma liminar aos cartórios que, pela MP do combate à fraude, foram obrigados a mandar informações detalhadas para a Previdência nos casos de óbito. A liminar os desobriga. Isso está dando uma subnotificação de mortes. Houve mês no ano passado em que apareceram 80 mil pedidos de pensão de viúvas ou viúvos, mas os cartórios só notificaram 60 mil óbitos de segurados.
Correndo atrás de tantas questões, o INSS deixa de cuidar de quem realmente precisa. Apesar da redução, ainda há fila nos pedidos de benefício, principalmente de BPC. Todas essas ações judiciais podem levar a uma verdadeira contrarreforma da Previdência.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
Federação partidária seria um retrocesso
A profusão de partidos nanicos e legendas de aluguel é uma das maiores deficiências do sistema político-eleitoral brasileiro. Em vez de representarem interesses e projetos legítimos da sociedade, muitas agremiações se tornaram feudos de caciques, usados apenas para fazer avançar negócios espúrios ou agendas particulares. A abundância desse tipo de partido prejudica a qualidade da representação no Legislativo e corrói a democracia.
Nenhum Parlamento tem condição de funcionar a contento quando nada menos que 24 partidos, de um total de 33, têm representantes. Reduzir a fragmentação, sobretudo na Câmara, ajudaria a tornar nossos partidos programaticamente mais coerentes e mais próximos do interesse e da ideologia do eleitor. Trata-se de medida essencial para garantir a saúde da nossa democracia.
Daí a relevância da minirreforma política de 2017, que vetou as coligações partidárias em eleições proporcionais e instituiu, de modo gradual, uma cláusula de desempenho que exige um percentual mínimo de votos para que um partido tenha acesso aos fundos partidário, eleitoral e a tempo de propaganda no rádio e na televisão. As duas medidas em conjunto criam um incentivo à redução no número de agremiações.
Faz 25 anos que a cláusula de desempenho já deveria valer no Legislativo. Aprovada em 1995, ela deveria ter entrado em vigor nas eleições de 1996, com a exigência de 5% dos votos para um partido ter direito a representação. De lá para cá, uma série de manobras — entre as quais a mais relevante foi uma decisão equivocada do Supremo em 2006 — contribuiu para adiar a adoção da medida.
O patamar mínimo de 1,5% dos votos só começou a vigorar nas eleições municipais do ano passado — e já garantiu uma depuração visível na quantidade de partidos nas Câmaras de Vereadores. A exigência deverá ser ampliada gradualmente até as eleições de 2030, quando será de 3% dos votos válidos, distribuídos por um terço das unidades da Federação, com 2% dos votos em cada uma — ou, alternativamente, 15 deputados em cada uma. Importante entender que as duas medidas — cláusula de desempenho e proibição de coligações nas eleições proporcionais — funcionam em conjunto para reduzir o número de partidos. Qualquer mudança nelas representa um passo para trás.
É um erro, portanto, o projeto de lei do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que tenta abrir uma brecha para ressuscitar as coligações por meio de “federações partidárias”. Ainda que tenham um pouco mais de consistência que as antigas coligações — teriam de valer nacionalmente e perdurar em acordo durante o mandato —, tais federações não passam de um casuísmo para tentar salvar pequenos partidos que se veem ameaçados pela cláusula de desempenho em 2022.
O plenário da Câmara decidiu imprimir regime de urgência ao casuísmo, contando, para isso, com o aval de partidos pequenos espalhados por todo o espectro ideológico — do PCdoB à esquerda ao Novo à direita. O Congresso deveria deixar a legislação exatamente como está. Se alguns partidos não têm tamanho nem relevância para conquistar eleitores suficientes, o caminho é a fusão com legendas maiores, onde seus integrantes poderão defender interesses, ideologias e projetos para o país.
Rodrigo Maia se oferece para ajudar Lula em 2022
O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia se ofereceu para colaborar com o programa de governo e nas articulações da campanha de Luis Inácio Lula da Silva para a presidência da República em 2022.
Os dois tiveram uma conversa fechada no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, na última sexta-feira (11), da qual também participaram o prefeito, Eduardo Paes (PSD), e a presidente do PT Gleisi Hoffman.
Maia foi expulso ontem do DEM após desentendimentos públicos com o presidente do partido, ACM Neto. Ele deve se filiar ao PSD que já abrigou Paes. Por ter sido expulso, o deputado federal não perde o mandato.
Na conversa de 20 minutos com Lula, Maia disse que poderia ajudar a fazer a interlocução de sua campanha com políticos e setores da sociedade que hoje rejeitam o PT, em razão do histórico de escândalos e problemas econômicos dos últimos anos de governo do partido. Também se ofereceu para organizar debates e discutir soluções para a crise provocada pela pandemia da Covid-19.
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Aliados dizem que o ex-presidente considera o apoio estratégico para trazer o apoio de eleitores de centro, e vai trabalhar para incorporar Maia ao time. Especula-se, no entorno de Lula, que Maia deseje uma vaga de vice na chapa petista.
Por enquanto, porém, não há discussões a respeito, uma vez que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, defende publicamente a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para o Palácio do Planalto.
Lula, por sua vez, procura um empresário para compor a chapa. Seu preferido é Josué Alencar, dono da Coteminas e filho do ex-vice de Lula, José Alencar, morto em 2011.
Depois da conversa a portas fechadas, Maia se juntou a secretários de Paes para participar do almoço que o prefeito do Rio ofereceu a Lula e sua comitiva. Não houve registro fotográfico e nem declarações públicas dos dois a respeito do encontro. Procurado, Maia também não comentou a conversa com Lula.
Veja as principais mudanças na proposta de reforma à Lei de Improbidade prevista para votação na Câmara
Rayssa Motta e Fausto Macedo / O ESTADO DE SP
14 de junho de 2021 | 17h59
A versão final do texto substitutivo para mudar a lei que pune desvios na administração pública, a chamada Lei da Improbidade, passa pelos últimos ajustes para ser votada nesta semana pela Câmara dos Deputados. Antes mesmo de ir ao plenário, a proposta encontrou resistência entre membros do Ministério Público, que veem potencial de afrouxamento na punição de irregularidades cometidas por agentes públicos.
“As mudanças representam retrocesso, pois aumentarão significativamente a impunidade no Brasil. O texto atual, por exemplo, enfraquece o combate ao enriquecimento ilícito, à prática de atos que causam lesão ao patrimônio público e à prática de atos violadores dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, probidade e publicidade”, avalia o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Murrieta, para quem o momento é ‘inoportuno’ para votar as mudanças. “O País ainda enfrenta grave crise gerada pela pandemia e o foco deve estar voltado para pautas ligadas ao enfrentamento da covid-19”, defende.
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Em vigor há 29 anos, a Lei da Improbidade (8429/92) passou a ser rediscutida em uma comissão especial formada em agosto de 2019, sob relatoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) e presidida por Tadeu Alencar (PSB-PE), para analisar o Projeto de Lei 10887/2018 – apresentado pelo deputado federal Roberto de Lucena (Podemos-SP) como resultado do trabalho de um grupo de juristas coordenado pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“É inquestionável a necessidade de se reformular a Lei de Improbidade Administrativa – LIA. São incontáveis os casos de condenações por irregularidades banais, que não favorecem nem prejudicam ninguém além do próprio agente público, punido severamente com multas vultosas e suspensão de direitos políticos. Com isso, cada vez mais as pessoas de bem vão se afastando da vida pública, em prejuízo da população”, escreveu Zarratini no relatório que acompanha a última versão do substitutivo ao qual o Estadão teve acesso. O texto passa por revisão para ser apresentado na terça-feira, 15.
A primeira proposta de substitutivo, apresentada no final do ano passado, foi criticada por membros de órgãos de investigação. A nova versão abriu concessões, mas deve manter pontos polêmicos, como a extinção de atos improbidade cometidos por culpa (imprudência, negligência ou imperícia) e previsão de punição apenas àqueles em que ficar provado dolo, ou seja, intenção ou vontade explícita nas transgressões. Dessa forma, ações ou omissões que não impliquem enriquecimento ilícito dos agentes públicos ou prejuízo ao erário deixariam de configurar improbidade.
O texto também propõe acabar com o prazo mínimo para suspensão dos direitos políticos de agentes públicos condenados, que ficam proibidos de disputar eleições, conforme também determina a Lei da Ficha Limpa. Na outra ponta, aumenta a pena máxima de dez para 12 anos.
Outro prazo encurtado na proposta deve ser o da prescrição das sanções, que passaria a ser de oito anos contados a partir do ato de improbidade e não do término do mandato ou função pública. A execução das sanções em caso de condenação, por sua vez, fica condicionada ao trânsito em julgado da ação de improbidade.
Uma novidade na versão final deve ser a volta do artigo 11 da lei, que lista práticas atentatórias aos princípios da administração pública. O dispositivo, excluído da primeira proposta, volta com redação reformulada. A principal mudança prevista é o estabelecimento de um rol fechado de condutas passíveis de punição – ao contrário do texto atual, que tem caráter exemplificativo. Além disso, há discussão sobre a revogação de incisos, incluindo os que tipificam desvio de finalidade e o retardamento indevido de atos de ofício, relacionado ao crime de prevaricação.
O texto deve prever ainda a possibilidade de unificação da pena com eventuais sanções aplicadas em outros processos e exige que o juiz indique ‘com precisão’ a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo vedada a modificação do fato principal que deu origem à ação.
Para imposição de ressarcimento dos cofres públicos, será obrigatória a comprovação da perda patrimonial efetiva, sem possibilidade de dano presumido.
“Esse projeto acolhe teses favoráveis à corrupção”, resume o promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo, Silvio Antonio Marques.
Veja os principais pontos que devem constar no substitutivo:
- Extinção de atos de improbidade cometidos por culpa. Ações ou omissões que não impliquem enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário deixam de configurar improbidade;
- Fim do prazo mínimo de suspensão dos direitos políticos dos agentes condenados, abreviando a quarentena na Lei da Ficha Limpa, e aumento da pena máxima;
- A perda da função pública só poderá ser decretada se a condenação for relacionada ao mandato ou cargo em curso;
- A soma da indisposição de bens dos réus não pode ultrapassar o valor estimado como dano ao erário ou enriquecimento ilícito;
- Prescrição em oito anos contados a partir da ocorrência do fato em substituição a contagem a partir do término do mandato ou função pública, para cargos políticos, ou conforme a prescrição do crime equivalente ao ato de improbidade administrativa, para os funcionários efetivos;
- Inquérito encerrado em 180 dias, prorrogáveis pelo dobro desse tempo (até um ano no total);
- Reformulação do artigo 11 com rol taxativo para as condutas caracterizadoras de improbidade por ofensa aos princípios administrativos.
Governo planeja benefício mensal de até R$ 250 para órfãos da covid-19
15 de junho de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O governo quer criar um benefício especial para órfãos da covid-19 dentro da reformulação do programa Bolsa Família. O valor em estudo está entre R$ 240 e R$ 250 por mês por criança e adolescente, segundo simulações feitas pelo Ministério da Cidadania.
O benefício seria dado automaticamente para crianças e adolescentes de famílias incluídas no programa de transferência de renda em que um responsável familiar, cônjuge ou adulto tenha falecido em decorrência da covid-19 desde o início da pandemia. O benefício será pago até os 18 anos.
O Brasil se aproxima de 500 mil vítimas da covid-19, e o próprio governo é alvo de uma CPI no Senado, que investiga se houve negligência por parte de autoridades federais no trato da pandemia. Dependendo do relatório final, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello podem ser responsabilizados.
O governo estima gastar R$ 196,2 milhões em 2022 para ajudar 68 mil crianças e adolescentes de 35 mil famílias que, neste momento, se enquadram nesses critérios. O martelo final das regras do programa ainda não foi batido por Bolsonaro.
A identificação será feita por meio do Cadastro Único de programas sociais, um instrumento de coleta de informações para identificar todas as famílias de baixa renda existentes no País para fins de inclusão nos programas de assistência social e redistribuição de renda. Com essas informações, seriam feitos cruzamentos em base de dados adicionais, como as da DataPrev, para identificar os futuros beneficiários.
A ideia é que esse benefício não seja contabilizado na renda do Cadastro Único para o acesso aos programas sociais – ou seja, o valor não seria incluído para o cálculo da renda familiar. O município faria o acompanhamento da nova família da criança.
Detalhamento
Para o consultor do Congresso Pedro Fernando Nery, o valor em discussão, entre R$ 240 e R$ 250, é certamente um grande avanço em relação ao nível do Bolsa Família, cujo benefício médio está em torno de R$ 190. “Fica a dúvida sobre quem terá direito e qual será o limite por família. Porque, se for R$ 250, mas só puder receber quem for muito pobre, seria problemático”, diz.
Nery ressalta a necessidade de que o governo garanta que o benefício possa ser acumulado dentro da mesma família. Assim, o valor por pessoa se aproximaria da quantia recebida por famílias pobres em que o falecido era empregado formal, deixando pensão de um salário mínimo no INSS.
Em artigo recente publicado no Estadão sobre o tema, Nery chamou atenção para o problema dos órfãos da covid-19. Por diversas razões, a pandemia vitima mais pessoas mais pobres. E suas famílias podem não contar com uma rede de proteção que foi a base de onde se expandiram os Estados modernos: a pensão por morte. Para deixar pensão, é preciso contribuir para o sistema previdenciário, destacou o pesquisador. Empregados com carteira podem deixar o benefício da pensão, mas desempregados ou empregados informais não, mesmo que suas famílias fiquem mais vulneráveis à miséria.
“Esse não seria um problema tão grave se houvesse algum benefício infantil robusto no País, como existem em muitos países desenvolvidos. No Bolsa Família, as crianças órfãs teriam direito somente a R$ 41 por mês cada, e apenas se a renda familiar fosse muito baixa”, ressalta.
Nery alerta que, segundo a Fiocruz, foi na faixa etária entre 20 e 29 anos que os óbitos mais aumentaram entre o início do ano e o auge da segunda onda da doença. O crescimento foi de mais de 1.000% no período. A partir do momento em que mais jovens passam a morrer vítimas da pandemia, deve haver um aumento também do número de crianças que perdem o pai ou a mãe.
Para a diretora institucional da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, o benefício emergencial já deveria ter sido estendido às famílias que perderam membros que as mantinham economicamente. “Nós reafirmamos isso ao governo, pois, se chegamos a quase 500 mil mortes, precisamos olhar com muito cuidado para a proteção social dessas famílias, em particular através da assistência social, com a finalidade de proteger de forma regular e contínua os mais vulneráveis.”
Novo Bolsa Família prevê pagamento médio de R$ 250, com custo total de R$ 51,51 bi
15 de junho de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - A reformulação do programa Bolsa Família - que recebeu o nome provisório de Renda Cidadã - prevê um benefício médio em torno de R$ 250 e um custo total de R$ 51,51 bilhões para 2022, segundo dados mais recentes em elaboração pelo Ministério da Cidadania obtidos pelo Estadão.
O governo quer engatilhar o Bolsa Família reforçado depois da nova prorrogação do auxílio emergencial por mais três meses (até outubro), confirmada ao Estadão/Broadcast pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Um orçamento adicional para 2021 até o final do ano terá que ser discutido. A prorrogação do auxílio dá mais tempo para o Ministério da Cidadania e a equipe do ministro da Economia acertarem os ponteiros sobre os detalhes do alcance do programa diante da restrição fiscal apontada pela equipe econômica.
O gasto total já inclui, além do benefício básico, outros benefícios adicionais que estarão dentro do programa: auxílio creche, Alimenta Brasil (um programa para a compra de alimentos de agricultores familiares), um benefício para os órfãos da covid-19 e bônus atrelados aos desempenhos escolar e esportivo.
A linha de extrema pobreza vai subir para R$ 95 (hoje, é R$ 89) e a linha de pobreza para R$ 190 (hoje, R$ 178). A meta é que o programa reformulado atenda 16,7 milhões de famílias em 2022, um incremento de 1,9 milhão de famílias.
A nova estrutura de benefícios deverá ser composta de ajuda à primeira infância (de zero a seis meses) e benefício variável para crianças de 3 anos a jovens de 21 anos com valor de R$ 105 por pessoa e limite máximo de 5 pagamentos por família. No caso da primeira infância, a cota é dobrada. Está previsto ainda um benefício cidadania com valor mínimo de R$ 10 por pessoa, com cálculo caso a caso.
Um exemplo de uma família com pai, mãe e quatro filhos (20, 16, 12 e 2 anos) no modelo atual receberia R$ 235 passando para R$ 310 na modelagem em estudo pelo Ministério da Cidadania.
Benefícios
Pelos planos do Ministério da Cidadania, o Benefício Alimenta Brasil tem como público alvo 1,3 milhão de famílias de agricultores familiares que participam do Bosa Família. O novo programa trata da produção e comercialização de alimentação saudável. Um benefício voltado para estimular o desenvolvimento da capacidade produtiva dos agricultores familiares. O requisito para o benefício é o município assinar um termo de adesão de comprometimento a prestar extensão rural e acompanhamento do desenvolvimento produtivo das famílias. Os recursos previstos para atender essas famílias no período de 2022/2023 é de R$ 554,1 milhões. Uma das pendências ainda em análise para o Alimenta Brasil é a necessidade de criação de um sistema para gerir essa nova modalidade de benefício.
Já o auxílio creche em estudo (auxílio criança cidadã) em que um dos pais assume o papel de prover todas as necessidades dos filhos e não conseguem vaga na rede pública. O governo prevê um custo de R$ 300 milhões para 100 mil vagas em 2022. Se o beneficiário conseguir matrícula na rede privada, o auxílio será de R$ 250, condicionado à matrícula. Se não conseguir, o auxílio será de R$ 100 por mês para pagar uma cuidadora. Esse é um incentivo considerado de estímulo à empregabilidade das mães de família.
A ideia é também criar um benefício para estimular a valorização do mérito escolar, científico e esportivo com custo de R$ 110 milhões para 340 mil estudantes.
Mudanças
O programa reformulado está dando um "novo ar" para as medidas voltadas à a chamada porta de saída para “autonomia cidadã”, com regras de emancipação do programa e apoio de qualificação profissional (urbano) e extensão rural para os beneficiários que estão no campo.
A diretora institucional da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, chama atenção que a fila de espera do Bolsa Familia, antes mesmo dos efeitos econômicos e sociais da pandemia, chegava a cerca de 2 milhões de famílias. “Esses 15 meses de pandemia, que ainda está distante de acabar, empobreceram ainda mais a população e a fome é uma realidade em todos os cantos do país”, diz.
Para ela, é preciso pensar numa política de renda permanente que considere esse novo mapa social do Brasil. Dar visibilidade ao número de famílias e pessoas que receberam a renda emergencial e dar solução para os problemas de implementação para que não se repitam.
O consultor do Congresso e economista Pedro Fernando Nery avalia que ter mais famílias no Bolsa Família é um progresso, mas o número é a princípio modesto dada a situação atual. Segundo ele, mesmo para antes da pandemia não seria espetacular. Ele calcula que 1 milhão de famílias estavam na fila do Bolsa Família antes da pandemia, ou seja, satisfaziam os critérios mas não recebiam. “Pela magnitude da alta da pobreza, as sequelas de negócios fechados e mudança de hábitos, o aumento parece insuficiente. Temos condições sim de abranger mais famílias. É um passo na direção certa, mas não o passo que precisamos”, avalia Nery, que prevê que a mudança não deve gerar nada parecido com o auxílio emergencial na popularidade do governo.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o desenho do substituto do Bolsa Família precisa ser implementado até dezembro de 2021, ou acabará engavetado, pois a lei veda a adoção desse tipo de medida em ano de eleições. A Lei das Eleições diz que, no ano de realização do pleito, é proibida a distribuição de valores e benefícios, exceto programas sociais já autorizados em lei e com execução orçamentária no exercício anterior - neste caso, em 2021.