O desafio de Bolsonaro aos governadores - MURILO DE ARAGÃO
O presidente Jair Bolsonaro tem cobrado dos governadores a redução do valor do ICMS do combustível. Sua alegação é a de que a Petrobras baixou o preço do produto na refinaria mas o benefício não chegou ao consumidor.
Ao colocar a questão como uma espécie de desafio, Bolsonaro faz uma jogada política inteligente, ainda que polêmica. No Brasil, de forma geral, a culpa de tudo – inclusive sobre a ineficiência da segurança pública e o alto valor dos impostos – recai sempre sobre o governo federal.
O brasileiro médio tem dificuldade de enxergar os limites de responsabilidades das esferas da federação. Na dúvida, a culpa é de quem “manda” no Brasil. E, para a maioria, que manda é o presidente da República.
Governadores, por conveniência, fogem do debate tributário. Nenhum deles sai à luz para defender os exorbitantes impostos que cobram.
Por exemplo, Acre, Espírito Santo, Piauí, Roraima, Santa Catarina e São Paulo cobram 25% de ICMS na telefonia. Rondônia já cobrou 37% de ICMS nos serviços de telecomunicações. É justo e adequado para a cidadania e para o funcionamento da economia?
Nos Estados Unidos, a carga tributária para o consumidor de telecomunicações, dependendo do estado, pode passar de 18% e é considerada muito alta. Já no Brasil, a carga tributária das telecomunicações, dependendo do estado, varia entre 30% e 42% da conta para o consumidor! Um escândalo.
No caso dos combustíveis, a carga tributária chega a 44% do preço ao consumidor sendo 15% referentes a impostos federais e 29% a impostos estaduais. Um país que extorque a população com tamanha carga tributária nas telecomunicações e nos combustíveis não pode funcionar bem.
Para o cidadão, que é penalizado com esses impostos absurdos, o desafio que Bolsonaro propõe traz luz a um debate importante que deve merecer reflexão de todos. VEJA
Executivo e Congresso: quatro meses decisivos para o futuro do Brasil
Os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, vivem uma relação de altos e baixos. No início do governo, as rusgas entre eles puseram em risco a reforma da Previdência, que acabou aprovada graças ao empenho, principalmente, do deputado. Naquela época, Maia se tornou alvo das hostes bolsonaristas, que só se referiam a ele de forma pejorativa nas redes sociais. Hoje, os tempos são outros, e os dois políticos experimentam uma fase inédita de harmonia e parceria, que pode facilitar o avanço de mais duas reformas consideradas vitais para a recuperação da economia: a tributária e a administrativa. A ideia é que esses dois projetos sejam aprovados pelos deputados até o fim do primeiro semestre, já que de julho a outubro os congressistas estarão em férias informais, chamadas de recesso branco, e se dedicarão às eleições municipais. “Não podemos achar que a solução para o crescimento do Brasil está limitada à reforma da Previdência. É preciso avançar na agenda econômica, em que há convergência entre governo e Câmara na maior parte dos temas”, disse Maia a VEJA.
O primeiro ponto de convergência é a reforma tributária. Desde o ano passado, encontra-se em tramitação uma proposta de iniciativa dos deputados que tem como objetivo simplificar a cobrança de impostos e contribuições sobre bens e serviços. O ministro da Economia, Paulo Guedes, promete apresentar um projeto alternativo, mas ainda não fechou o texto. Uma das prioridades da equipe econômica é reduzir a carga tributária das empresas de 34% para 20%, e assim desonerar a folha de pagamento. Em tese, essa medida pode levar os empregadores a abrir mais postos de trabalho. A pedido do próprio Bolsonaro, o ministério também estuda aumentar a faixa de isenção do imposto de renda da pessoa física. Como de costume, o problema está em como compensar a perda de arrecadação decorrente dessa iniciativa. Nas simulações feitas pelos técnicos, a conta não fecha. Em alguns casos, seria preciso aumentar de 27,5% para 32% a alíquota máxima do IR. Apesar de Bolsonaro rechaçar publicamente a ideia, Guedes mantém a intenção de ressuscitar a CPMF, criando um imposto sobre transações digitais. A justificativa é que assim seria possível bancar, por exemplo, a desoneração da folha.
Declínio da produção de rapadura faz CE ser abastecido por PE
Com os nomes "Rapadura Cariri" e "Rapadura Padre Cícero", o cliente fiel deste doce muito consumido no Nordeste certamente vai pensar que ele foi fabricado em Barbalha, no Sul do Ceará. Na verdade, como consta nos rótulos, o produto vem da cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco.
Apelidada de "Terra dos Verdes Canaviais", Barbalha, ao lado do Crato, já foi um dos grandes produtores de cana-de-açúcar da região, mas o setor vem perdendo força. O declínio alcança outros dois polos que se destacaram ao longo do século passado na produção de rapadura: a Serra da Ibiapaba (São Benedito, Tianguá, Ubajara) e o Litoral Leste (Cascavel e Pindoretama).
Esses núcleos tradicionais de cultivo de cana-de-açúcar e também áreas isoladas enfrentam o abandono da atividade. Em 11 anos, 425 engenhos fecharam no Estado. Segundo o Censo do IBGE de 2017- dado mais recente sobre esta produção -, o Ceará produziu naquele ano 3.275 toneladas de rapadura, em 342 engenhos. Isto representa 40,57% menos de que em 2006, quando foram produzidas 5.511 toneladas em 767 engenhos.
As explicações para a redução são comuns entre os produtores e técnicos do setor: inviabilidade econômica mediante o custo de produção, exigências legais trabalhistas na contratação de mão de obra e queda do consumo.
Para driblar a crise que o setor enfrenta, muitos produtores passaram a adicionar açúcar ao produto, passando a ter uma produção mista e indesejável para quem quer consumir rapadura pura do caldo da cana.
O guarda da esquina - MERVAL PEREIRA
O caso é conhecido e já entrou para a história política brasileira. Em 13 de dezembro de 1968, o governo Costa e Silva decretou o Ato Institucional 5, e na reunião ministerial, o único voto contrário foi do vice-presidente Pedro Aleixo, que alegou, premonitoriamente: “o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.
A censura a livros em Rondônia é o típico caso de o guarda da esquina sentir-se autorizado a cometer abusos de autoridade, não mais pelo AI-5, revogado ainda na ditadura militar com Geisel, mas pelo exemplo do ministro da Educação e do próprio presidente Jair Bolsonaro.
Não se pode dizer que há uma ordem direta deles para que atitudes desse tipo sejam tomadas, mas palavras do líder são levadas a sério pelos liderados mais afoitos ou com menos bom senso.
A mesma coisa aconteceu com o meio-ambiente. O ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas (INPE) Ricardo Galvão, em pleno debate sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, disse que não tinha dúvidas de que foi a leniência do governo Bolsonaro com o desmatamento que fez com que ele crescesse no primeiro ano de governo. As críticas de Bolsonaro às ONGs que defendem a Amazônia também teriam dado respaldo aos grileiros que atuam na região.
O “guarda” no momento na Prefeitura do Rio, bispo Crivella, já censurou histórias em quadrinhos com beijo gay, alegadamente para proteger nossas crianças. Quando ainda era próximo politicamente do governo Bolsonaro, o “guarda” governador de São Paulo João Dória mandou recolher uma cartilha com material escolar de ciências para alunos do 8º ano do Ensino Fundamental da rede estadual.
A cartilha tratava de conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. Também trazia orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. As duas decisões foram revogadas pela Justiça.
O “guarda” no governo de Rondônia, Coronel Marcos Rocha (PSL), ex-chefe do Centro de Inteligência da PM do Estado e ex-secretário de Educação de Porto Velho, mandou recolher dezenas de livros das bibliotecas das escolas públicas, entre eles clássicos da literatura brasileira como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, “Os Sertões” de Euclydes da Cunha, e “Macunaíma”, de Mario de Andrade.
Também estava querendo proteger nossas crianças e adolescentes de “conteúdos inadequados”. Alegadamente, a decisão foi tomada por um técnico sem a autorização do secretário de Educação, Suamy Lacerda de Abreu. O memorando incluía 43 livros de autores brasileiros e estrangeiros, que deveriam ser devolvidos pelas escolas ao Núcleo do Livro Didático da secretaria estadual da Educação.
A medida, como não poderia deixar de ser, provocou protestos de instituições regionais, como a OAB de Rondônia, e nacionais, como a Academia Brasileira de Letras (ABL), que tem como missão a defesa da cultura nacional. Eis a nota:
“A Academia Brasileira de Letras vem manifestar publicamente seu repúdio à censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão.
A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura. É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a ação consciente da cidadania e das autoridades constituídas”.
São tantas as críticas do governo, e do próprio Bolsonaro, à cultura, são tantas as referências ao que denominam esquerdização na literatura, no cinema, no teatro, tantas denúncias de supostas imoralidades, que os guardas da esquina estão se sentindo empoderados pelos novos tempos.
Orquestra sinfônica nos Emirados Árabes é regida por robô
O regente no pódio não tem batuta, casaca nem partitura, mas ainda assim provoca uma tempestade ao conduzir os músicos de uma orquestra sinfônica com seus movimentos.
Trata-se do Android Alter 3, um robô com rosto de humanoide cujas mãos e antebraços gesticulam, alguns diriam, com paixão. Ele salta e gira durante a apresentação ao vivo da ópera "Beleza Assustadora", de Keiichiro Shibuya, em uma escola de música de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos.
Para Shibuya, um compositor japonês, o papel dos robôs na vida cotidiana está aumentando, mas cabe às pessoas decidir como a inteligência artificial pode amplificar a experiência humana, para que humanos e androides criem arte juntos.
"Esse trabalho é uma metáfora das relações entre humanos e tecnologia. Às vezes o androide enlouquece, e a orquestra humana tem de acompanhá-lo. Mas, em outras vezes, os humanos conseguem cooperar com ele sem dificuldade."
Shibuya compôs a música, mas é o androide quem controla o tempo e o volume da apresentação ao vivo --e pode até cantar. "A premissa é que ele se movimente conforme sua própria vontade", conta seu técnico, Kotobuki Hikaru.
Os versos da obra de Shibuya se baseiam em textos literários do escritor americano William Burroughs, da geração beat, e do autor francês Michel Houellebecq.
"Os robôs e a inteligência artificial que existem hoje não estão completos. O foco do meu interesse [...] é o que acontece quando essa tecnologia incompleta se une com a arte", afirma o compositor.
A apresentação da ópera em Sharjah gera reações mistas do público presente.
"Acho a ideia muito interessante. Viemos ver até onde [isso] é possível", diz a espectadora Anna Kovacevic.
"Um regente humano é muito melhor", declara outro membro do público, identificado apenas como Billum, depois de ver o espetáculo. "O toque humano se perdeu."
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves/ FOLHA DE SP
Fábio Luís Lula da Silva e o peso de um sobrenome
Poderia ser apenas a história de um garoto apaixonado por videogames, que precocemente é convidado a escrever sobre o assunto para jornais importantes, quando quase ninguém falava a respeito. Enquanto muitos outros não deram importância, ele percebeu o nascimento de uma poderosa indústria.
Cursou a faculdade. Decidiu empreender. Criou um programa de TV sobre o mundo dos jogos, que disputou, inclusive, o primeiro lugar no Ibope em seu segmento. Mudou-se para dentro da empresa, correu atrás de investidores para financiar os custos crescentes do negócio, fez empréstimos para comprar equipamentos.
O negócio prosperou. Chegou a ter 200 funcionários e clientes importantes como Microsoft, Sony, Hyundai, AMD, Sadia, Warner Games e Cinemark. A indústria de games é uma das que mais crescem no mundo e já é maior do que Hollywood.
Essa poderia ser apenas mais uma história de empreendedorismo, dessas que a mídia gosta de apresentar como exemplo de inspiração e perseverança. Mas o garoto em questão, hoje nos seus 40 anos, se chama Fábio Luís Lula da Silva. É filho do ex-presidente Lula.
Sua empresa, a Gamecorp, nunca foi apresentada como bom exemplo de nada. Vem sendo massacrada há mais de 15 anos, desde que a reportagem de uma revista a colocou no centro de um suposto esquema de favorecimentos. Era 2006, e Lula, o pai, disputava a reeleição presidencial como franco favorito.
Diga-se desde logo que as acusações nunca foram provadas. Após uma devassa conduzida pelo Ministério Público Federal, o processo foi arquivado por falta de provas a pedido dos próprios procuradores federais.
Poderia ser um recomeço, um atestado de idoneidade. Poderia. Desde a reportagem original da revista, entretanto, considerando apenas os três mais importantes jornais de circulação nacional, a Gamecorp apareceu em mais de 600 notas e reportagens, uma por semana em média, quase sempre apresentada como “suspeita” ou “culpada”. Não há empreendimento no mundo que resista.
E agora começa tudo novamente. No final do ano passado, o Ministério Público voltou à carga em uma nova fase da Operação Lava Jato, que resultou na apreensão de documentos e computadores em endereços de sócios de Fábio Luís. O começo de uma nova devassa.
Pela lei, o material apreendido deveria ser mantido em sigilo, para preservar a investigação e a vida dos investigados ou pelo menos para que fosse devidamente analisado.
Segundo notícias recentes, os promotores “suspeitam” que o ex-executivo Otávio Azevedo tenha omitido informações em sua delação premiada sobre supostos pagamentos da Oi, empresa controlada pela Andrade Gutierrez, para viabilizar a compra do imóvel de Atibaia.
A própria Justiça confirmou, no entanto, que o verdadeiro dono do sítio, Fernando Bittar, o adquiriu com recursos provenientes de seu pai. Tudo devida e fartamente comprovado.
O mais curioso é que a delação de Otávio Azevedo foi apresentada pelo Ministério Público como uma das maiores conquistas da Lava Jato. É de se pensar o porquê, de só agora, anos depois, os aguerridos promotores ainda terem “suspeitas”, contra, inclusive, extensa documentação probatória em sentido contrário.
As torneiras estão abertas, irrigando as Redações. Neste momento, a mídia está sendo abastecida por uma nova safra de suspeitas. Fragmentos do material apreendido vêm sendo metodicamente vazados para os principais veículos de imprensa há quase três semanas, dia sim, dia não.
Já apareceram rabiscos sobre a ideia de um time de futebol em Cuba, rascunhos de um gibi, cópias de emails e até os comprovantes de um empréstimo regular, obtido junto ao BNDES numa linha de crédito para pequenos empresários.
De acordo com o site do próprio BNDES, existem centenas de milhares de empresas em situação similar. Trata-se de um crédito rotativo e pré-aprovado pelo banco emissor, para aquisição de produtos e serviços credenciados. As empresas beneficiárias, entre outros requisitos objetivos, devem estar em dia com INSS, FGTS, Rais e demais tributos.
O que chama atenção é que, no caso em questão, o crédito foi utilizado para compra de equipamentos para atividades de uma empresa cuja própria existência já foi questionada.
As operações do BNDES, é bom que se diga, foram submetidas, nos últimos anos, a duras auditorias, e nada de irregular foi apontado.
Relações negociais conhecidas por órgãos de fiscalização e controle, para as quais os “envolvidos” deram ampla e irrestrita publicidade, são vendidas nos jornais como extraordinárias ou incomuns. Se não fosse revoltante, poderia até ser engraçado. Cada fragmento é revelado como indício, prova, suspeita.
Segundo o advogado Fábio Tofic, respeitado e combativo criminalista responsável pela defesa de Fábio Luís Lula da Silva, “o que mais admira, na verdade, é que não se aponta um único ato ou um mero gesto de Fábio para defender interesses privados no governo. Nada, absolutamente nada. Os negócios celebrados pelas empresas em questão têm indiscutíveis propósitos negociais e inequívoco significado econômico”.
Segundo ele, “essa nova safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação”.
Com a arrogância típica dos salvadores da pátria, alguns promotores e juízes prometeram a “cura” para a corrupção. Para se esconder daquilo que jamais poderão entregar, precisaram criar uma máquina de marketing baseada em factoides e na intimidação. Tratam de manter o ar pesado, para validar sua prática de atirar primeiro e perguntar depois.
É estarrecedor notar que o modus operandi revelado pela Vaza Jato para envolver a mídia, transformar suspeitas em fatos e ameaçar investigados ainda esteja sendo usado com tanta naturalidade. A corrupção tem muitas formas e uma delas é subverter as regras do devido processo legal.
A defesa de Fábio Luís Lula da Silva está pronta para, mais uma vez, demonstrar sua idoneidade, com fatos e provas. Primeiro nos autos do processo e depois para a opinião pública. Dentro da lei.
Não pode, não obstante, aceitar que lhe seja dado tratamento diferente do que o que se deve dar a qualquer empresário ou cidadão.