Ação entre amigos - FOLHA DE SP
Em mais um espetáculo de irresponsabilidade orçamentária, o Congresso aprovou o essencial plano de ajuda a estados e municípios apenas após reduzir significativamente a abrangência do congelamento dos salários do funcionalismo —a principal contrapartida para evitar uma piora ainda mais acentuada das contas públicas.
Enquanto milhões de brasileiros perdem seus empregos e um sem número de empresas se encontra à beira da falência, os parlamentares optaram por atender a demandas paroquiais e corporativistas.
Em vez de um congelamento amplo até o fim de 2021, que pouparia R$ 130 bilhões nas contas do Ministério da Economia, abriram-se exceções para diversas categorias, que não se limitaram às diretamente envolvidas no combate ao coronavírus, como se pretendia.
A leniência começou na Câmara dos Deputados, com o beneplácito do Executivo, que privilegiou servidores ligados à segurança e professores, duas das carreiras que mais pesam nos cofres estaduais.
O próprio líder do governo, deputado Victor Hugo (PSL-RJ) afirmou que atendia a uma determinação do presidente Jair Bolsonaro, mais uma vez contra a posição do ministro Paulo Guedes.
Tampouco foi interesse do Senado mostrar austeridade na derradeira votação. Ao final, a poupança esperada caiu a R$ 43 bilhões, insuficientes para cobrir os repasses diretos de R$ 60 bilhões a estados e municípios aprovados no plano.
O estrago se refletiu imediatamente em alta acentuada do dólar e dos juros de longo prazo. Pressionado por Guedes, Bolsonaro agora diz que vai vetar o aumento.
Ao fim e ao cabo, o episódio mostra mais uma vez a total descoordenação política e programática do governo, com erosão adicional da credibilidade da gestão econômica.
O que está novamente em jogo, hoje, é a solvência futura do governo, que parecia melhorar com os graduais ajustes implementados a partir de 2015. Mas o sinal se inverteu com o impacto da crise.
Com todas as necessárias iniciativas para defender a renda dos mais pobres e preservar empregos, o aumento da dívida pública será dramático. Não se descarta que o passivo do governo chegue a 90% do Produto Interno Bruto neste ano, um recorde entre os principais países emergentes.
Imaginar que as cautelas fiscais estão revogadas na pandemia é ilusão perigosa. Posta em prática, prolongará por anos o drama social.
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Fábio, filho de Lula, vende participação na Gamecorp
Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, vendeu nesta semana a sua participação na Gamecorp, empresa que explorava a PlayTV, canal a cabo especializado em games.
NOVO DONO
Ele e os sócios, os irmãos Fernando e Kalil Bittar, se desfizeram de 70% das ações, adquiridas pelo empresário Walther Abrahão Filho —ele herdou também as dívidas do negócio.
NOVO DONO 2
Walter é filho de Walter Abrahão, locutor da antiga TV Tupi. Já foi presidente da Juventude do DEM e candidato a deputado estadual em SP pelo PR. O valor do negócio é mantido em sigilo.
LUPA
Fábio e a Gamecorp sofreram várias investigações desde que a empresa se associou à Oi. A tele investiu R$ 5 milhões no negócio quando Lula era presidente. A PlayTV chegou a ter 300 funcionários e patrocinadores como Itaú e Samsung.
ARQUIVO VIVO
Em 2012, a Justiça arquivou os inquéritos contra os sócios. Sete anos depois, em 2019, a Lava Jato de Curitiba retomou as investigações sobre o mesmo assunto. Elas hoje correm em SP.
DESPEDIDA
Numa carta enviada aos funcionários, à qual a coluna teve acesso, Fábio comunica a venda. “Lembro desses últimos 15 anos como se tivesse feito uma longa escalada, em um terreno muito íngreme, sempre contra o vento e as tempestades”, diz ele.
PEDRAS
“A maioria das empresas precisa se preocupar apenas em fazer seu trabalho direito”, segue o filho de Lula. “Tivemos que enfrentar a desconfiança da mídia, operações policiais (...), denúncias do Ministério Público (...), ondas de ataques em redes sociais e o julgamento fulminante da opinião pública.”
NADA
“Em vários momentos eu me senti absolutamente exausto”, diz ainda Fábio na carta. “Apesar do massacre, nunca conseguiram demonstrar qualquer irregularidade.”
MONICA BERGAMO / FOLHA DE SP
Promotoria investiga cinco compras de equipamentos hospitalares por gestão Doria
Ministério Público de São Paulo instaurou nesta sexta-feira (8) um conjunto de cinco inquéritos para apurar possíveis irregularidades praticadas pela gestão João Doria (PSDB) na aquisição de equipamentos destinados ao combate da pandemia do novo coronavírus.
No alvo da Promotoria estão contratos para compra de máscaras, aventais e oxímetros. Só para aquisições das máscaras, por exemplo, o governo assinou um contrato de R$ 104 milhões feito por meio de dispensa de licitação, justificada pela necessidade da urgente para aquisição desses produtos que estão em falta no mercado.
As investigações serão conduzidas pelo promotor José Carlos Blat, da Promotoria de Patrimônio Público, o mesmo que já conduz o inquérito aberto para esta investigar as circunstâncias da aquisição dos 3.000 respiradores que o governo paulista está importando da China por um valor superior a R$ 550 milhões, conforme a Folha revelou na semana passada.
A reportagem apurou que uma série de depoimentos foi agendada pelo promotor.
Entre as pessoas que devem ser ouvidas por videoconferência estão representantes das empresas e, ainda, testemunhas que encaminharam mensagens à Promotoria relatando supostas ligações dessas empresas com integrantes do governo Doria.
Os respiradores foram comprados por intermédio de uma empresa do Rio.
Na semana passada, em mensagem enviada ao jornal, ao negar faltar de transparência nessa transação, o Palácio dos Bandeirantes afirmou que Doria só decidiu falar em entrevista coletiva sobre o assunto naquele dia 29 “após a confirmação da importação quando o avião com a primeira remessa de 300 aparelhos já rumava ao Brasil”.
A coluna da jornalista Mônica Bergamo mostrou nesta sexta-feira (8), porém, que nenhum desses equipamentos deixou a China até agora.
O governo de São Paulo foi procurado para explicar o destino dos 300 equipamentos que já estavam embarcados ao Brasil. A gestão afirmou que a empresa contratada havia dado essa versão, que não se concretizou.
De acordo com a própria gestão Doria, o governo paulista pagou US$ 40 mil por unidades de ventiladores pulmonares, ou cerca de R$ 224 mil a unidade (incluindo frete), em 2.000 dos 3.000 aparelhos. Outro tipo de equipamento, mais barato, saiu por U$ 20 mil a unidade.
O custo dos respiradores adquiridos pelo governo paulista está acima do de outros modelos de ponta, cujos preços oscilam de R$ 60 mil a R$ 145 mil, encontrados pela reportagem e informados por fontes no mercado.
A Secretaria da Saúde estadual afirma que cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública. Aponta, ainda, a urgência do equipamento, dado o agravamento da pandemia no estado, e o fato de o governo federal ter comprado toda a oferta de respiradores nacionais.
Sobre o atraso dos respiradores, o governo de SP afirmou que disse à Folha que o carregamento estava a caminho do Brasil porque “a empresa vendedora havia confirmado no dia 29 de abril o embarque dos equipamentos com destino a São Paulo, por isso a aquisição dos respiradores foi anunciada em coletiva de imprensa naquele dia”.
O estado afirmou que houve retenção do material porque a carga por avião passou a ser limitada a 150 equipamentos. “Os respiradores comprados pelo Governo de São Paulo na China começam a chegar ao Estado, em lotes de 150 unidades, a partir da próxima semana, com conclusão até o final do mês”, diz a gestão Doria.
O governo afirma que, “sendo cumprido esse prazo”, os equipamentos atenderão às necessidades da área de saúde durante o pico da pandemia.
Diante das investigações sobre compras de emergência, Doria anunciou a criação de uma Corregedoria Extraordinária.
O objetivo do órgão será “supervisionar compras, parcerias e demais ações relacionadas ao combate ao coronavírus”. Esse órgão também prestará informações a órgãos reguladores, como o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e Ministério Público.
A gestão Doria ainda disse que rescindiu três compras investigadas pela Promotoria, pois as empresas não cumpriram o prazo.
A pasta da saúde afirma que as compras rescindidas são de 1,1 milhão de aventas descartáveis da empresa Marcelo Neres; 2 milhões de aventais da Dompel; e 36 milhões de máscaras da Formed.
Questionado pela Folha por que os cancelamentos não estão no Diário Oficial, o governo afirmou que eles ocorreram nesta semana e que estão no prazo da publicação.
“Conforme previsto em contrato, a Secretaria pode cancelar compras que não cumprirem as datas ou as especificações de qualidade acordadas. Foram concluídas as compras de 1.000 oxímetros de dedo e de 100 mil propés [protetores de calçados”, diz, em nota.
O governo afirmou que as compras respeitaram os trâmites de dispensa de licitação em situações emergenciais. “A finalidade é garantir equipamentos de proteção individual para a segurança dos profissionais de saúde e uma assistência adequada aos pacientes”, diz o governo.
“Todas as compras por dispensa de licitação são feitas a partir de pesquisa de preço e efetivadas com a empresa que apresentar o menor preço.”
O mercado vive uma disputa mundial por equipamentos de segurança médica e respiradores, o que faz com que governos busquem materiais na China, a principal fornecedora desses produtos.
Em São Paulo, o objetivo é estar abastecido neste mês de maio, quando espera-se que o estado possa atingir o pico de casos de coronavírus.
Presidente do STJ livra Bolsonaro de revelar exame de coronavírus
Rafael Moraes Moura / O ESTADO DE SP
08 de maio de 2020 | 21h33
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, decidiu nesta sexta-feira (8) atender ao Palácio do Planalto e barrar a determinação para que o presidente Jair Bolsonaro torne públicos os exames realizados para verificar se foi infectado ou não pelo novo coronavírus. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o STJ para impedir que Bolsonaro fosse obrigado a divulgar os laudos dos testes. O Estadão vai recorrer da decisão de Noronha.
Ao longo dos últimos dias, a Justiça Federal de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) garantiram ao Estadão o direito de ter acesso aos papéis por conta do interesse público em torno da saúde do presidente da República. A decisão de Noronha, no entanto, derrubou o entendimento da primeira e da segunda instâncias.
“Agente público ou não, a todo e qualquer indivíduo garante-se a proteção a sua intimidade e privacidade, direitos civis sem os quais não haveria estrutura mínima sobre a qual se fundar o Estado Democrático de Direito”, escreveu Noronha em sua decisão, de quatro páginas.
“Relativizar tais direitos titularizados por detentores de cargos públicos no comando da administração pública em nome de suposta ‘tranquilidade da população’ é presumir que as funções de administração são exercidas por figuras outras que não sujeitos de direitos igualmente inseridos no conceito de população a que se alude, fragilizando severamente o interesse público primário que se busca alcançar por meio do exercício das funções de Estado, a despeito do grau hierárquico das atividades desempenhadas pelo agente público”, concluiu o presidente do STJ.
Para o advogado do Estadão Afranio Affonso Ferreira Neto, a decisão de Noronha “afronta o devido processo legal, a lei orgânica da magistratura e a Carta Magna”. “Vamos recorrer ao próprio STJ e ao STF, já”, disse Ferreira Neto.
Ao contrário da Justiça Federal de São Paulo, Noronha considerou satisfatório um relatório médico, de 18 de março, assinado por um ortopedista e um urologista, que afirma que o resultado dos exames de Bolsonaro deu negativo.
“Importante registrar que já houve na ação de origem a apresentação de documento apto a tanto, a saber, relatório médico de autoria da Coordenação de Saúde da Diretoria de Gestão de Pessoas da Secretaria-Geral da Presidência da República, subscrito pelos Drs. Marcelo Zeitoune e Guilherme Guimarães Wimmer, em que atestam o resultado “não reagente (Negativo)”, observou o ministro.
Republicano. O Estadão pediu que Noronha se considerasse “impedido” de analisar o recurso da AGU por ter antecipado em entrevista ao site jurídico JOTA a sua posição sobre o tema. Na última quinta-feira, o ministro afirmou que “não é republicano” exigir que os documentos de Bolsonaro sejam tornados públicos.
“Essa decisão poderá chegar a mim com um pedido de suspensão de segurança, então eu vou permitir para não responder. Mas é o seguinte, eu não acho que eu, João Otávio, tenho que mostrar meu exame para todo mundo, eu até fiz, deu negativo. Mas vem cá, o presidente tem que dizer o que ele alimenta, se é (sangue) A+, B+, O-?”, disse Noronha na ocasião.
“Não é porque o cidadão se elege presidente ou e ministro que não tem direito a um mínimo de privacidade. A gente não perde a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República”, afirmou o presidente do STJ.
Amor. No dia 29 de abril, durante a posse de André Mendonça como titular do Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro elogiou Noronha. “Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeiro vista. Me simpatizei com Vossa Excelência. Nós temos conversado com não muita persistência, mas, as poucas conversas que temos, o senhor ajuda a me moldar um pouco mais para as questões do Judiciário”, disse Bolsonaro na solenidade, ocorrida no Palácio do Planalto.
Depois de questionar sucessivas vezes o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação do resultado do exame, o Estadão entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalística”. A Presidência da República se recusou a fornecer os dados via Lei de Acesso à Informação, argumentando que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.
Em parecer encaminhado na última quinta-feira (7) ao TRF-3, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o direito de o Estadão ter acesso os “laudos de todos os exames” realizados por Bolsonaro, já que a informação é de interesse público.
“Embora existam aspectos da vida da pessoa que exerce o cargo de Presidente da República que podem ficar fora do escrutínio da sociedade, tradicionalmente a condição médica dos Presidentes é de interesse geral uma vez que pode impactar o exercício de suas relevantes funções públicas”, escreveu a procuradora regional da República Geisa de Assis Rodrigues.
Testes. Bolsonaro já disse que o resultado deu negativo, mas se recusa a divulgar os papéis – em entrevista à Rádio Guaíba, na quinta-feira retrasada, o presidente admitiu que “talvez” tenha sido contaminado pelo novo coronavírus.
“Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti”, afirmou o presidente em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre. O presidente já realizou dois testes para saber se foi contaminado pela doença – em 12 e 17 de março – e divulgou que os resultados foram negativos, mas tem se recusado a apresentá-los.
A marcha dos camisas pardas - O ESTADO DE SP
Um grupo de brucutus apoiadores do presidente Jair Bolsonaro – chamados “300 do Brasil” – armou acampamento no entorno da Praça dos Três Poderes para organizar uma invasão ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os camisas pardas do bolsonarismo, que agora vestem verde e amarelo e roupas camufladas, programam uma marcha sobre Brasília neste fim de semana. “Nós temos um comboio organizado para chegar a Brasília até o final desta semana. Pelo menos uns 300 caminhões, muitos militares da reserva, muitos civis, homens e mulheres, talvez até crianças, para virem para cá e darmos cabo dessa patifaria”, ameaçou Paulo Felipe, um dos líderes da milícia acampada, em vídeo divulgado em uma rede social.
A palavra “patifaria” não foi escolhida ao acaso. Resulta de uma irresponsável incitação. No dia 19 de abril, dirigindo-se a apoiares reunidos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro exortou a súcia que pedia o fechamento das instituições democráticas a “lutar” com ele. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Acabou a patifaria!”, bradou Bolsonaro, como se estivesse prestes a descer da Sierra Maestra, e não de uma caminhonete transformada em palanque.
Segundo o portal Congresso em Foco, outro que está por trás da gravíssima ameaça de assalto ao Congresso e à Corte Suprema é Marcelo Stachin, um dos líderes da campanha de formação da Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar para chamar de seu. Ainda não se sabe quando, e se, a Aliança pelo Brasil cumprirá os requisitos legais e será autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fato é que a agremiação está muito mais próxima de um movimento golpista do que de um partido político.
Nos regimes democráticos, em especial em democracias representativas como é o caso do Brasil, os partidos políticos são as organizações por meio das quais os cidadãos participam da vida pública para contribuir na construção daquilo que em ciência política se convencionou chamar de “vontade do Estado”. Como se afigura, a Aliança pelo Brasil pretende o exato oposto, qual seja, eliminar qualquer possibilidade de diálogo para a formação daquela vontade. Assumindo a ação direta, como a criminosa intentona em Brasília, assemelha-se à tropa de segurança do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, criada em 1920 e precursora da temida Sturmabteilung (SA), a Seção de Assalto de triste memória. Quem duvida que veja as imagens das agressões dos camisas pardas a enfermeiras e jornalistas.
Na essência do movimento de formação da Aliança pelo Brasil, defendido e liderado por alguns dos que estão acampados em Brasília a ameaçar o Congresso e o STF, estão todos os elementos que identificam um movimento golpista, e não um partido político: a evocação a um passado mítico e glorioso; a propaganda (não raro disseminando informações falsas ou distorcendo fatos); o anti-intelectualismo; a vitimização de Jair Bolsonaro, tratado como um bom homem cercado de “patifes” por todos os lados, o “sistema”; o apelo a uma noção de “pátria” por meio da apropriação dos símbolos nacionais; e, por fim, a ação pela desarticulação da União e da sociedade. O que pode ser mais desagregador do que um movimento que ameaça partir para a ação violenta com o objetivo de fechar a Casa de representação do povo e a mais alta instância do Poder Judiciário? Não por acaso, o STF tem despertado especial revolta entre os camisas pardas do bolsonarismo. Classificada pelo tal Paulo Felipe como uma “casa maldita, composta por onze gângsteres”, a Corte Suprema tem se erguido em defesa da Constituição contra os avanços autoritários do presidente Jair Bolsonaro.
Um ato golpista desse jaez, cujos desdobramentos são imprevisíveis, é repugnante por si só e merece imediata condenação por todas as forças amantes da lei e da liberdade no País, em especial as Forças Armadas, citadas nominalmente tanto pelo presidente como por alguns dos líderes da ação golpista. É ainda mais acintoso porque toma justamente o local que representa a essência desta República para urdir um ataque aos Poderes Legislativo e Judiciário. Terá esse episódio mais uma vez o apoio explícito do chefe do Poder Executivo?
Justiça e MP criam ‘penduricalhos’ em meio à pandemia
09 de maio de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Enquanto a pandemia do novo coronavírus impõe uma crise econômica e causa desemprego em todo o País, Estados têm aberto o cofre para benefícios concedidos a procuradores, promotores e juízes. A relação de privilégios inclui “bônus-covid” de até R$ 1 mil para promotores e procuradores de Mato Grosso, licença-prêmio a juízes do Pará, aumento salarial de servidores públicos e home office até janeiro para funcionários do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Mato Grosso, uma ajuda de custo de até R$ 1 mil foi criada para integrantes do Ministério Público estadual arcarem com despesas de saúde. Após a imprensa revelar o caso, o pagamento do “bônus covid” foi suspenso e virou alvo de uma ação ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
“Há aqui aparente tentativa de frustrar o congelamento de salários dos servidores públicos municipais, estaduais e federais e dos membros dos três Poderes até dezembro de 2021, havendo informações de que a previsão de instituição da dita ajuda de custo estava prevista para o segundo semestre deste ano e foi antecipada em razão da nova legislação, motivação esta que está alheia ao interesse público”, observou o conselheiro Sebastião Caixeta, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em decisão que barrou o pagamento do auxílio.
Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, Mato Grosso é um dos Estados menos afetados pela doença, com 457 pessoas contaminadas e 14 óbitos, aparecendo em penúltimo lugar no ranking nacional.
Ao entrar com ação no STF, Aras apontou que o pagamento do “bônus covid” pelo Ministério Público estadual agrava a crise fiscal e afeta negativamente as “receitas estaduais em uma conjuntura de queda de arrecadação tributária, em decorrência dos impactos econômicos do surto de epidemia nacional do novo coronavírus”.
O benefício foi criado pelo procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira. No caso de servidores (efetivos e comissionados), o valor do “bônus covid” será de R$ 500. Para promotores, o benefício é o dobro – salta para R$ 1 mil. O impacto da medida aos cofres públicos pode chegar a R$ 9,65 milhões por ano.
O procurador-geral da República também aponta que o “bônus covid” gera desigualdade entre distintos órgãos do MP brasileiro, “na medida em que os membros de uns Estados recebem determinadas vantagens e outros não”.
Farra
O aumento de despesas e a criação de regalias não são exclusividade das autoridades do Mato Grosso. Sete de cada dez servidores em serviço nos Estados e municípios vão poder ter reajustes salariais até dezembro de 2021. Enquanto isso, 5,5 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram redução salarial e 50 milhões de informais pediram ajuda de custo de R$ 600 do governo federal.
As alterações feitas na Câmara dos Deputados e mantidas pelo Senado reduziram o alcance da medida proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma “cota de sacrifício” do funcionalismo público – que tem estabilidade no emprego – na crise da pandemia da covid-19. O crescimento da folha de pessoal é hoje o principal fator a corroer o Orçamento dos Estados e municípios.
No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) sancionou, nesta quinta-feira, 7, uma lei que garante a juízes estaduais o direito à licença-prêmio. O benefício, concedido a cada três anos de trabalho ininterrupto, tem efeito retroativo e pode ser pago em dinheiro aos magistrados. Como o benefício pode ser pago em valores retroativos a 2006, magistrados poderão receber até R$ 240 mil, segundo o Sindicato dos Servidores do Judiciário do Pará.
Na semana passada, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, editou resolução autorizando o trabalho remoto de servidores da Corte até janeiro de 2021 por causa da pandemia do novo coronavírus. O STF alega que a medida pretende prevenir a contaminação de funcionários do tribunal – que até a semana passada não havia registrado nenhum caso positivo.
Em nota, o MP de Mato Grosso disse que o “bônus covid” foi criado agora porque o Congresso congelou reajustes. O governo do Pará afirmou que “não compete ao governo direcionar recursos do Tribunal de Justiça”.