Alexandre Baldy negociou propina em casa e seu primo recebeu dinheiro vivo em caixas de gravata, diz Procuradoria
Pepita Ortega, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo / O ESTADÃO
06 de agosto de 2020 | 17h35
Preso na manhã desta quinta, 6, o ex-ministro das Cidades e atual secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo Alexandre Baldy (PP) negociou e recebeu, em sua sua casa em Goiânia (GO), propina de R$ 500 mil paga com dinheiro desviado dos cofres público do Rio, aponta o Ministério Público Federal. Já em seu flat em São Paulo foram entregues parcelas de um outro acerto de propina, relacionado a contrato direcionado da Fiocruz. Dos R$ 900 mil negociados em tal caso, R$ 100 mil foram ainda entregues pessoalmente ao político no Shopping Cidade Jardim, pouco antes de um almoço no local.
Documento
Os detalhes das supostas entregas de propinas são descritos pela força-tarefa da Lava Jato no Rio na representação que levou à deflagração da Operação Dardanário. Além das entregas à Baldy, os procuradores também registraram como o ex-presidente da Funasa (governo Temer) e ex-presidente do FNDE (governo Bolsonaro) Rogerio Dias, primo de Baldy, recebeu parte da propina de R$ 250 mil também relacionada ao contrato da Fiocruz: alocado em uma caixa de gravata entregue em uma charutaria. Dias também teve mandado de prisão preventiva expedido, mas não foi localizado até o momento.
No documento, encaminhado ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, os procuradores narram três supostas situações ilícitas envolvendo Baldy e Dias. Na primeira delas, a Procuradoria descreve como o atual secretario do governo de São Paulo teria recebido verba para interceder em favor da Pró-Saúde em relação a pagamentos atrasados no contrato de administração do Hospital de Urgência da Região Sudoeste Dr. Albanir Faleiros Machado (HURSO), entre 2010 e 2017.
O acerto teria sido feito pelo então secretário licenciado com os executivos Ricardo Brasil e Manoel Brasil, delatores da Lava Jato, e Edson Giorno, que trabalhava na Pró-Saúde.
Durante encontro na residência Baldy em Goiânia, em abril de 2014, os empresários teriam firmado repasse de R$ 500 mil ao secretário em troca de auxílio na regularização dos pagamentos atrasados à Pró-Saúde. Na época, Baldy tinha se licenciado do cargo de Secretário do Comércio de Goiás para disputar as eleições para deputado federal.
Segundo os delatores, o então candidato pediu que os repasses fossem direcionados de forma não contabilizada à sua campanha para deputado federal. A Lava Jato, contudo, indicou que os pagamentos não foram feitos a título de caixa dois.
“Registre-se, por oportuno, que os valores solicitados e pagos ao agente público a pretexto de ajuda de campanha eram na verdade propina: esses valores tinham como contraprestação a prática de atos em prol da organização social Pró-Saúde”, apontou a Lava Jato. “Como esclareceu o colaborador Manoel Brasil, a promessa era de que Alexandre Baldy ajudasse a Pró-Saúde com relação aos atrasos de repasses do governo de Goiás pela administração do Hospital HURSO no Estado e com relação a novos negócios para a Pró-Saúde como a gestão de novos hospitais em Goiás. Ou seja, os ilícitos narrados englobam fatos não relacionados ao delito eleitoral denominado de ‘caixa dois'”.
A Lava Jato afirmou ainda que ‘não existe qualquer elemento de prova’ apontando o uso da propina da Pró-Saúde na campanha de Baldy em 2014. Segundo os procuradores, os pagamentos de vantagens indevidas se deram em um contexto de ‘pagamento de propina em benefício próprio’.
Segundo o Ministério Público Federal, a operacionalização das entregas ficou a cargo de Edson Giorno, da Pró-Saúde, que recolhia os valores do caixa paralelo da organização e levava pessoalmente até Alexandre Baldy em Goiânia.
“Edson Giorno realizou cerca de cinco viagens para Goiânia, tendo entregue o dinheiro no Hotel Castro, no Hotel Mercure e na própria casa de Alexandre Baldy”, apontou a Lava Jato.
No entanto, como mostrou a Procuradoria, não foi a primeira vez que Baldy recebeu propina em casa. Em outro caso sob investigação do MPF do Rio, foram identificadas entregas no flat do político em São Paulo.
Tais entregas tem relação com suposto pagamento de propina de R$ 900 mil a Baldy e ainda R$ 250 mil a seu primo Rodrigo Dias por causa do direcionamento de uma contratação de R$ 4,5 milhões realizada pela Fiocruz.
Segundo a Procuradoria, sempre que havia o pagamento do contrato em questão, Baldy recebia parcela do valor ajustado, sempre em espécie. A operacionalização também ficou a cargo de Edson Giorno, que levava os valores até o flat do político em São Paulo e até fazia entregas em Brasília.
Os procuradores revelam ainda que uma das parcelas da propina de R$ 900 mil foi entregue pessoalmente ao então ministro do governo Temer, em agosto de 2018, no Shopping Cidade Jardim, no Cidade Jardim Corporate, mais precisamente no escritório da Línea. Na ocasião, Edson entregou R$ 100 mil a Baldy, diz o MPF. Logo depois almoçou com o ministro no restaurante Parigi, mostram fotos e recibos entregues aos investigadores pelo delator.
Ministério da Justiça se recusa a enviar informações de inteligência ao STF
Breno Pires e Rafael Moraes Moura / O ESTADÃO
06 de agosto de 2020 | 15h44
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou nesta quinta-feira (6) ao Supremo Tribunal Federal (STF) não investigar opositores do governo, mas disse que não pode compartilhar informações de inteligência produzidas pela sua Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Ao recusar enviar essas informações ao STF, a pasta alegou “não seria menos catastrófico” abrir o acesso desses dados ao Poder Judiciário.
A manifestação, aprovada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, foi endereçada à ministra Cármen Lúcia, do STF, que cobrou esclarecimentos sobre o monitoramento de 579 servidores públicos identificados do “movimento antifascismo”, revelado pelo site UOL. O prazo de 48 horas fixado pela ministra se esgotou hoje.
“A atividade de inteligência dedica-se a produzir conhecimentos para assessorar o processo decisório das autoridades públicas. Assim, é dever dizer que não há qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Noutras palavras, não compete à Seopi produzir ‘dossiê’ contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”, informou o Ministério da Justiça.
O ministério disse que a produção de relatórios em secretarias da pasta é “atividade essencial para a segurança do Estado e dos cidadãos”. A pasta afirmou que a Seopi “não se coloca à serviço de grupos, ideologias e objetivos mutáveis e sujeito às conjunturas político-partidárias”.
“Não se pode deixar de consignar que o vazamento de informações de inteligência é fato grave e que coloca em risco tanto atividades essenciais do Estado Brasileiro como pessoas eventualmente citadas nos relatórios, ainda que por simples pertinência temática com o assunto a ser abordado”, observou a pasta.
Ao considerar “catastrófico” abrir o acesso de relatórios internos ao Poder Judiciário, o Ministério da Justiça sustenta que os sistemas de inteligência sofreriam com “crescentes instabilidade e insegurança” se as informações fossem divulgadas.
Entre os riscos apontados pelo governo estão o aumento do risco de exposição dos métodos e procedimentos dos órgãos, a inibição da atuação de agentes e intimidação de eventuais fontes de informações e o “colapso do sistema”. “Relegaria a segunda plano o órgão legalmente vocacionado para promover o controle externo – Congresso Nacional – e, em última análise, permitiria, ainda que de forma transversa e em tese, que milhares de magistrados pudessem acessar relatórios de inteligência”, diz a manifestação enviada pelo Ministério da Justiça.
Em um trecho da manifestação, o ministério pede “parcimônia e sensibilidade do Supremo Tribunal Federal”, para que deixe a Comissão de Controle Externo da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando “invadir esfera de competência do Poder Legislativo”.
O ministério defende o arquivamento da ação apresentada pela Rede Sustentabilidade, sob argumento que o partido político não conseguiu demonstrar a existência dos atos que descreveu.
Gravidade. A decisão de Cármen foi tomada em ação da Rede Sustentabilidade, que pediu ao STF a abertura de inquérito na Polícia Federal sobre o caso. “A gravidade do quadro descrito – a se comprovar verdadeiro – escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do estado de direito e põe em risco a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição da República”, escreveu Cármen, ao cobrar explicações do governo.
Mendonça anunciou nesta semana a demissão do diretor de Inteligência da Seopi, coronel reformado Gilson Libório. O coronel – e praticamente toda a cúpula da Seopi – foi nomeada pelo próprio Mendonça, que assumiu a pasta no lugar de Sérgio Moro, em abril.
A Seopi foi criada por Moro para agrupar operações policiais contra o crime organizado, mas, sob Mendonça, mudou de diretores, nomeando pessoas próximas e ele, e de foco. Levantamento do Estadão mostrou que o atual ministro da Justiça trocou nove de um total de 14 pessoas indicadas pelo antecessor para compor a chefia da Seopi. O trabalho da secretaria virou alvo do Ministério Público após a revelação do UOL de que o órgão produziu relatório contra opositores do governo Jair Bolsonaro. Domingo, Mendonça anunciou uma sindicância interna.
Cartório não pode recusar fornecimento de certidões gratuitas à União, diz STF
Negar à União o fornecimento gratuito de certidões de seu interesse viola sua competência para legislar sobre registros públicos. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar procedente ação contra atos de titulares de cartórios que recusaram fornecer certidões gratuitas. O julgamento em Plenário Virtual encerrou nesta terça-feira (4/8).
Para a maioria dos ministros, o ato do poder público que nega à União o fornecimento gratuito viola o artigo 236, § 2º, da Constituição Federal.
O voto condutor foi do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que, ao instituir isenção para a União, o Decreto-Lei 1.537/1977 apenas disciplinou um tema da própria função pública exercida pelos notários e registradores.
"O fato de exercer de forma privada a atividade notarial/registral não descaracteriza a função pública do serviço delegado pelo Estado", explicou. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Numa linha mais restrita, o ministro Luiz Edson Fachin apontou que a previsão da isenção para a União não contraria as outras normas vigentes. "Ao emitir comando passível de aplicabilidade federativamente uniforme, consoante a normas gerais, o Decreto-Lei 1.537/1977 foi recepcionado pela Constituição da República de 1988." Seguiram o voto os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Fora da Constituição
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio, que acolheu o argumento da não recepção do Decreto-Lei pela Constituição Federal. O vice-decano considerou que, embora os titulares de cartórios extrajudiciais estejam sujeitos ao regime jurídico de direito público, "a taxa é tributo cuja exigência se faz orientada pelo princípio da retributividade".
Desta forma, concluiu que a Constituição não abrange em momento algum a dispensa da União do pagamento pela prestação de serviços públicos feitos por entidades privadas, "seja mediante a delegação decorrente de concessão, permissão, autorização ou concurso público, como acontece, na última hipótese, com os titulares dos cartórios extrajudiciais".
Ele foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Recepção ou não
O caso chegou ao STF em 2009, ajuizado pelo então presidente Lula contra atos de titulares de cartórios e também contra os magistrados que determinaram o pagamento prévio pelos serviços notariais.
A principal alegação da peça, elaborada pela AGU, é a de que os cartórios desconsideraram o Decreto-Lei 1.537/77, que isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos ofícios e cartórios de registro de imóveis e aos ofícios e cartórios de registros de títulos e documentos. Para os cartórios, a norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
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ADPF 194
Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2020, 9h51
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