Violência: uma epidemia brasileira que parece não ter cura
Na semana passada, representantes de sete candidatos e candidatas à presidência apresentaram, em Brasília, propostas sobre segurança pública em um evento do Monitor da Violência. Apesar da grande relevância do tema para os brasileiros, o que se viu, na verdade, foi que ninguém ainda desenvolveu um programa detalhado e abrangente para lidar com a epidemia de violência no país.
Apesar dos ganhos sociais e econômicos consideráveis dos últimos dez anos, o Brasil continua sendo um dos países mais violentos do mundo. Em 2017, registrou um novo recorde de assassinatos (63.880) e sua taxa chegou a 30,8 homicídios por 100 mil habitantes, superando a referência usada pela OMS para definir países onde a violência já atingiu níveis de conflito, e estabelecendo um novo recorde (em termos absolutos e relativos) entre países que não estão oficialmente vivendo uma guerra.
Além da tragédia humana, esse nível endêmico de criminalidade e violência está associado a custos sociais e econômicos elevados, estimados entre 3,8% e 5,4% do PIB do país. O alto nível de violência também corrói a confiança do cidadão nas instituições públicas e nos demais cidadãos.
Consistente com o perfil típico da criminalidade por idade, as vítimas mais comuns do crime e da violência no Brasil são jovens negros, do sexo masculino, pobres e residentes em áreas urbanas carentes e de baixa renda, onde a relação entre polícia e comunidade costuma ser tensa, violenta e clandestina. A ausência do Estado nessas regiões aumenta a vulnerabilidade social, prejudica a confiança dos cidadãos nas instituições e aumenta os riscos de violência e criminalidade.
A criminalidade também apresenta forte concentração geográfica. Em 2016, mais da metade de todos os homicídios no Brasil ocorreram em apenas 2,2% dos municípios. Além disso, nas cidades mais violentas, a metade dos homicídios ocorreu em apenas 10% dos bairros.
Frequentemente, os focos de violência ocorrem em locais de grande vulnerabilidade econômica e social, com baixa escolaridade e altas taxas de abandono escolar e desigualdade. Da mesma forma, as taxas de pobreza extrema e a oferta insuficiente de serviços públicos nos 10 municípios mais violentos são 9 vezes mais altas que nos 10 municípios menos violentos.
A distribuição geográfica da violência é, em parte, regida pela evolução do tráfico internacional de drogas, visto que os estados que apresentaram os aumentos mais dramáticos da violência estão estrategicamente localizados em rotas do narcotráfico.
Por compartilhar parte de suas vastas fronteiras terrestres com os três principais países produtores de cocaína (Colômbia, Peru e Bolívia), na última década o Brasil se tornou um excelente ponto de partida para a cocaína traficada para a Europa através da África Central e Ocidental.
Essa situação causou mudanças no mercado de drogas ilícitas no Brasil, bem como um aumento considerável do consumo de drogas no país —fatores que explicam as recentes tendências e distribuições geográficas do crime e da violência.
Entre 2010 e 2015, os estados de Sergipe, Rio Grande do Norte e Piauí sofreram um aumento notável nas taxas de homicídio (77,7%, 75,5% e 54%, respectivamente). Em 2015, os maiores índices de homicídios foram concentrados em Sergipe, Alagoas e Ceará.
Face ao aumento da violência, o governo brasileiro aumentou os gastos públicos com segurança em 38% entre 2007 e 2015, chegando a 88 bilhões de reais em 2015 (quase 1,5% do PIB).
Esse percentual é igual à média dos 28 países que compõem a União Europeia e têm taxas de homicídio muito mais baixas, próximas a 1 por 100.000 habitantes. No entanto, no Brasil, os aumentos nos gastos não coincidem necessariamente com o declínio nas taxas de criminalidade e violência.
Também foi instituída no Brasil uma política de encarceramento em massa, com o uso de prisão preventiva, muitas vezes utilizada em crimes de menor potencial ofensivo e posse de drogas, sobrecarregando ainda mais a capacidade do sistema penal brasileiro.
A taxa de encarceramento mais que dobrou entre 2005 e 2018, saltando de 160 para 328 por 100.000 habitantes, deixando o Brasil na sétima colocação mundial. A taxa de ocupação (baseada na capacidade oficial das cadeias brasileiras) é de 165%.
Nada disso parece ter ajudado, visto que a criminalidade continua aumentando. Na realidade, o uso excessivo de prisão preventiva e as cadeias superlotadas são incapazes de promover a reinserção social dos presos e daqueles com a maior probabilidade de reincidir em atividades criminosas.
Iniciativas promissoras de alguns estados e municípios brasileiros, bem como iniciativas de menor porte encabeçadas por ONGs —como a Luta pela Paz e o Instituto sou da Paz— têm conseguido resultados relevantes na redução e prevenção da criminalidade e da violência.
No entanto, a sustentabilidade dessas iniciativas tem sido ameaçada pela falta de confiabilidade do financiamento e por problemas de coordenação entre os diversos órgãos do Governo Federal e as partes interessadas. O monitoramento é ruim e as avaliações são raras, gerando poucas evidências e informações sobre o que funcionou, o que não funcionou e por quê.
Qual seria um possível caminho à frente?
O combate ao crime e à violência deve ocorrer por meio de estratégias abrangentes, multissetoriais e baseadas em evidências, tirando o máximo proveito das interdependências entre a prevenção e o controle.
Intervenções com ênfase demasiada no controle são incapazes de tratar causas mais profundas, como a discriminação, a exclusão e a falta de oportunidades; já as intervenções com foco exagerado na prevenção não conseguem fazer frente à impunidade e à ruptura do Estado de direito.
As estratégias também devem ser altamente direcionadas e focar os locais e populações mais relevantes. Além disso, é preciso melhorar a governança, aumentando a coordenação, a escala e a sustentabilidade das intervenções de segurança para os cidadãos.
A redução da criminalidade e da violência requer mudanças na governança do setor de segurança pública, em sua doutrina prevalecente, nos critérios de financiamento, nos processos de planejamento e nos mecanismos de prestação de contas. São necessários mecanismos rigorosos de monitoramento e avaliação para gerar as evidências necessárias para desenvolver políticas, melhorar a governança e implementar operações de baixo custo.
Apesar de parecerem genéricas, estas recomendações se baseiam na experiência de países, estados e cidades que conseguiram melhorar a segurança de seus cidadãos, e que poderiam ser adaptadas à realidade brasileira.
A transição política abre uma oportunidade para novas ideias, investimentos e priorização de um dos temas mais importantes para o desenvolvimento do Brasil. Resta aos candidatos e candidatas à presidência e aos governos estaduais trazerem propostas mais específicas e que estas usem menos do apelo populista e se fundamentem mais na evidência existente do que funciona e não funciona para combater e prevenir o crime e a violência.
Esta coluna foi escrita em colaboração com os meus colegas Flávia Carbonari e Alberto Costa, especialistas sêniores em desenvolvimento social do Banco Mundial