Terceira via existe? CARLOS JOSÉ MARQUES
Há algo de absolutamente estranho no ar. Uma a uma, as candidaturas tidas como de um centro democrático vão sendo implodidas, incensando de maneira perigosa as opções dos extremos. Ao que se assistiu nos últimos dias de sabotagem, ardil de cúpula de caciques e jogo de interesses e vaidades, dá bem o tamanho do desafio colocado à frente para que os brasileiros possam ter afinal uma alternativa política mais equilibrada, baseada em propostas estruturais e, por que não dizer, menos enlameada pelos esquemas paroquiais do toma lá, dá cá, que vem pautando a disputa.
O PSDB, que sempre ofereceu uma chapa majoritária desde a redemocratização, acaba de protagonizar um dos espetáculos mais deprimentes dos últimos tempos, matando seu candidato em público, sem cerimônia, para acomodar acordos que visam, ao final, a uma fatia mais gorda das famigeradas emendas secretas. Uma constelação de parlamentares, políticos e partidos satélites está orbitando o estratagema bolsonarista de compra de apoio para a reeleição do mandatário. E o plano vem dando certo.
Depois de triturarem o ex-governador paulista João Doria, que foi obrigado a sair da disputa como reflexo e símbolo desse emaranhado de interesses, tendo a sua campanha sido asfixiada financeiramente pelo alto tucanato raiz, o alvo agora passa a ser a também independente e desconhecida senadora emedebista Simone Tebet, lançada ao altar dos entendimentos para depois ser fritada, antes mesmo de testar as chances nas urnas. Já está no script. Aliados de primeira hora e outros quadros da própria agremiação que ela representa firmaram, à boca pequena, acertos paralelos com as hostes de Lula e/ou de Bolsonaro — seguirão para onde pagar mais. É a negociata pedestre, do mais rasteiro conceito, que move essa turma. Tebet tem 30 dias para fazer o seu nome vingar.
Avisaram a aspirante. Do contrário, o cadafalso a aguarda. Missão quase impossível essa de se firmar em tão curto espaço de tempo e, praticamente, sem instrumentos para tanto. As alianças regionais, por exemplo, são complexas e marcadas por desejos distintos de cada proponente. Até aqui, na fogueira das frituras, ao menos oito presidenciáveis sucumbiram. E não há sinais de que o processo vá acabar por aí. A possível junção do MDB com Cidadania e PSDB em torno de uma opção comum vai se mostrando como quimera. Do ponto de vista da democracia, o PSDB, que sempre projetou-se feito expoente da corrida, apequenou-se. Parece ensaiar a sua cerimônia de adeus. Não há aglutinação possível nesse cenário que o faça agora ressurgir das cinzas. O tucanato iniciou, decerto, uma caminhada rumo ao precipício, após as inacreditáveis injunções que crucificaram aquele legitimamente vitorioso das prévias. O haraquiri deliberado da legenda parece pautar um certo comportamento que não é de hoje.
Historicamente, também o líder maior do partido, Fernando Henrique Cardoso, por duas vezes presidente da República e pai do Plano Real, foi logo depois renegado por seus súditos e aspirantes da sigla ao posto. Seguidamente, Serra, Alckmin e Aécio Neves tentaram apagá-lo da memória, descolarem de sua influência, levados pela ingênua ideia de que assim seriam melhor aceitos. Sucumbiram nos sufrágios como peças descartáveis. A demonstrar o descrédito no bloco que, na prática, ainda não saiu do papel, um de seus formuladores iniciais, o pré-candidato do União Brasil, Luciano Bivar, resolveu colocar o dedo na ferida e cravou: “A terceira via não vai dar em nada”. Não apenas ele pensa assim. Nas hostes de Brasília, principalmente, começa a se solidificar o fato de que a contenda ficará restrita aos líderes, tidos e havidos como populistas salvadores da pátria. Cada uma das peças vai se movendo e se encaixando nesse sentido. É o dinheiro que está determinando a eleição, bradam os especialistas. E não dá para discordar. Pouco importa a qualidade programática ou o perfil dos postulantes.
Virou rinha de cachorro grande, com raiva e dentes afiados, para triturar o filé do poder. Simples assim. A guerra fratricida no tucanato deu o tom e serviu de pré ensaio dos golpes baixos que ainda estão por vir. Não se trata mais de uma mera disputa presidencial, e sim de uma luta mortal pela perpetuação no poder dos projetos majoritários que, lamentavelmente, de uns tempos para cá, vêm espoliando e minando o Estado — particularmente, no caso do mandatário Bolsonaro, buscando caçar instituições, diminuir direitos individuais, para implantar a mais deplorável ditadura. O roteiro é assustador, sem dúvida, e precisa ser brecado a partir da conscientização dos demais atores que podem fazer a diferença. A terceira via balança por um fio, tênue, frágil, quase arrebentado.
O tucanato em plena desordem, sem consenso ainda e sem projeto, parece trabalhar para que ele se desprenda de vez, rumo a um retrocesso que a maioria dos brasileiros torce para não acontecer. Resta agora, decerto, apenas a torcida. ISTOÉ