Sem internet, comunidades rurais dependem de rádio para definir voto
Sentado em uma cadeira de plástico, o agricultor aposentado Raimundo Nonato da Silva, 63, aperta os olhos e aproxima-se da tela de um computador da Folha na qual aparece uma foto do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
"Sei quem é não", diz ele, que minutos depois repete a mesma frase ao deparar-se com uma foto de Fernando Haddad (PT), adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial que será definida neste domingo (28).
Numa campanha eleitoral marcada pela difusão de informações sobre a eleição em redes sociais online, comunidades rurais do sertão nordestino ainda dependem da televisão e do rádio para acompanhar os candidatos e definir seus votos.
Segundo dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 35,2% da população acima de dez anos do país não eram conectadas à internet no final de 2016, o que dá cerca de 63,3 milhões de brasileiros.
Raimundo Nonato é um deles --não sabe o que é um meme, não usa o WhatsApp, nem recebeu notícias falsas pelo telefone celular.
Ele mora no povoado Sítio Recanto, comunidade sem eletricidade nem internet do município de Campo Alegre de Lourdes (825 km de Salvador). E ainda depende de um meio de comunicação criado no século 19, o rádio, para acompanhar as propostas dos candidatos a presidente.
Com seu velho rádio de pilha sintonizado numa emissora de uma cidade vizinha, ele acompanha o horário eleitoral e o noticiário.
"Conhecer eu conheço só de nome. Sei que tem Adá [Haddad], que é o candidato de Lula, e o tal Bolsonaro, que é o que vai botar arma na mão do povo", diz ele, afirmando estar por dentro da das principais discussões da campanha.
Às vezes, quando vai ao povoado vizinho, assiste televisão na casa de parentes. Mas nos últimos meses não tem tido tempo de deixar a roça --quando chega à noite, após o trabalho, diz se sentir cansado para sair de casa.
Ele até tem telefone celular, mas não é um smartphone. Só o usa para fazer ligações quando vai à zona urbana de Campo Alegre de Lourdes, cidade que tem 71% da população morando em áreas rurais.
Numa casa vizinha, a dona de casa Marilene Cavalcanti da Silva, 20, não tem rádio nem TV, apenas uma caixa de som com um pendrive, na qual ouve uma playlist de música sertaneja. Uma bateria de carro velha alimenta as poucas lâmpadas da casa.
Na casa, onde mora com o marido e com o filho e mantem-se com R$ 170 do Bolsa Família, quase não se fala em política. A família só sabe notícias das eleições quando visita o povoado de Angico, a cerca de 5 km, e assiste televisão na casa de amigos.
Perguntada sobre Jair Bolsonaro, disse não saber quem era. Minutos depois, com algum esforço, associou o nome com "o candidato que levou a facada". Sobre Haddad, diz ter visto ele uma vez na televisão.
Do outro lado da fronteira, no Piauí, a situação não é muito diferente. Na localidade de Carretão, zona rural da cidade de Dirceu Arcoverde, a agricultora Zelina Rodrigues de Souza até tem energia elétrica, mas falta água e o sinal de telefone celular passa longe.
Ela tem um aparelho de televisão em casa, mas quase nunca o liga. Além de cuidar das plantações de milho, feijão e mandioca, pelo menos duas vezes por dia tem que ir buscar num riacho a água que traz no lombo de um jumento.
A rotina puxada faz com que a eleição presidencial seja um mero detalhe: "A gente chega tão cansada da roça e não pensa muito em ver televisão. Só quer descansar", afirma.
Da campanha eleitoral, pouco acompanhou. Sabe quem são os dois candidatos que disputam o segundo turno e diz que votará em Haddad, mas não sabe explicar exatamente o porquê: "Não sei, acho que a minha natureza pediu para votar nele".
Seu pai, Elias Rodrigues, mora numa casa que fica quase em frente, onde também não pega celular. Aos 97 anos, ele acompanha o noticiário pelo rádio e televisão. "Vou no candidato de Lula, aquele menino novo", diz Elias. E mesmo não tendo ouvido falar nos resultados de nenhuma pesquisa eleitoral, dá o seu veredito uma semana antes da votação: "Estou desconfiado de que ele vai perder".