Haddad não vê culpado pela rejeição no espelho
A taxa de rejeição atribuída a Fernando Haddad pelo Ibope deu um salto de 11 pontos percentuais. Agora, 38% do eleitorado declara que jamais votaria no petista. Por quê?, perguntou-se a Haddad. E ele: “Temos sofrido muito ataque do PSDB, mas isso não está favorecendo o PSDB, está favorecendo o fascismo. Alimentar o ódio é alimentar o fascismo. Quanto mais a gente alimentar o ódio, mais o fascismo vai crescer. Parte expressiva da elite brasileira abandonou a social-democracia para o fascismo.”
Quer dizer: para Haddad, a culpa pelo crescimento do índice de aversão à sua candidatura é de Geraldo Alckmin. Nessa versão, os ataques do candidato tucano ao petismo aguçam o ódio que serve de nutriente para a candidatura de Jair Bolsonaro. Em português mais direto: em campanha, Haddad revela-se capaz de quase tudo, menos de pronunciar meia dúzia de palavras que se pareçam com uma autocrítica.
Haddad poderia considerar a hipótese de que o mensalão e o petrolão contribuem para a rejeição de parte do eleitorado a um presidenciável petista. Entretanto, ele já insinuou em várias oportunidades que o PT deve se orgulhar dos escândalos, pois eles só vieram à tona porque os governos petistas fortaleceram os órgãos de controle, a Procuradoria e o Judiciário. Também disse que a petro-roubalheira nasceu na ditadura.
Se consultasse uma criança de cinco anos sobre sua rejeição, Haddad talvez ouvisse algo assim: “O fiasco econômico de Dilma levou uma legião de eleitores a cultivar uma ojeriza ao PT.” Mas Haddad não daria ouvidos à criança. Ele já declarou mais de uma vez que a ruína econômica não foi obra da ‘presidenta’. A culpa seria de sabotadores tucanos e de Eduardo Cunha, que se uniram para implodir o governo Dilma.
Considerando-se que o eleitor paulistano escorraçou Haddad da prefeitura de São Paulo em 2016, impondo-lhe uma inédita derrota no primeiro turno da eleição municipal, o preferido de Lula poderia responsabilizar a si mesmo por parte da rejeição atual. Mas Haddad atribui o próprio fracasso não à sua gestão como prefeito, mas ao “clima que se criou no Brasil” em 2016.
Há duas semanas, Haddad declarou o seguinte: “O que aconteceu em 2016? O Temer assumiu a Presidência da República e o Tasso Jereissati, ex-presidente tucano, admitiu em entrevista que o maior erro do PSDB foi ter contestado as eleições de 2014, foi ter aprovado pautas-bomba contra o governo da Dilma e ter embarcado no governo Temer.” Ou seja: Haddad acha que perdeu a prefeitura para João Doria por culpa do Temer e de uma conspiração tucana anti-Dilma.
De resto, o presidenciável petista renderia homenagens à racionalidade se admitisse que Lula não transfere apenas votos, mas também ressentimento. Antes de ser enquadrado pelo TSE na Lei da Ficha Limpa, o padrinho-presidiário de Haddad já ostentava no Ibope taxa de rejeição de 30%. Uma evidência de que um pedaço do eleitorado se recusa a dedicar devoção ao primeiro ex-presidente da história a ser condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.
O problema é que, para ser candidato do PT, Haddad precisa rezar pelo catecismo da legenda. E a aceitação da doutrina religiosa do petismo pressupõe a concordância com a tese de que Lula, a “alma viva mais honesta” que a República já viu, tem uma missão de inspiração divina a cumprir na Terra. Uma missão tão sublime que é indiscutível.
Haddad visita a cadeia de Curitiba semanalmente. Não dá um passo na campanha sem ouvir as orientações da divindade-presidiária. Faz isso porque aceita o dogma segundo a qual Lula, um corrupto de segunda instância, não deve explicações senão à sua própria noção de superioridade.
A despeito de submissão incondicional ao credo petista, Haddad não enxerga no espelho um culpado pelo aumento da taxa de rejeição. Corre o risco de ser surpreendido por uma aparição matutina da autocrítica. Quando levantar a cabeça para escovar os dentes, enxergará um reflexo desaforado: “Olá, vim apresentar você a você mesmo.” JOSIAS DE SOUZA