Procrastinação pode causar estresse e depressão, dizem especialistas
RIO — “Fica pra depois”, “amanhã eu consigo”, “faço mais tarde”. Na era das novas tecnologias, com suas tantas distrações, a frequência com que usamos estas expressões cresce em velocidade sem precedentes. Mas as pessoas que param seus afazeres para navegar na web, bater papo no WhatsApp ou jogar videogame provavelmente não sabem que a tal da procrastinação pode fazer muito mal à saúde, levando uma parte de seus adeptos a desenvolver desde problemas como insônia e estresse até mesmo depressão e dependência química.
Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, o “deixar para amanhã” pode afetar a vida acadêmica, o rendimento no trabalho e até as finanças. Por tudo isso, tornou-se um traço da sociedade intensamente estudado. Uma pesquisa recente da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, por exemplo, com 2 mil estudantes, verificou que alunos procrastinadores têm mais chance de adotar “conduta inapropriada”, como colar, mentir ou até falsificar dados para compensar o tempo perdido.
Outro estudo, da Universidade de Boulder, Colorado, nos EUA, avaliou 386 pares de gêmeos para concluir que a procrastinação pode ser, em parte, explicada pela genética, mas também pelo ambiente externo. Já um artigo do especialista Timothy Pychyl, psicólogo da Universidade de Carleton, no Canadá, alerta: deixar tarefas para depois gera sensação de prazer imediata, mas, no dia seguinte, diante do acúmulo de trabalho, o indivíduo vai ser exposto a um enorme estresse. Ou seja, procrastinar é uma falta de respeito com o “futuro você”, diz ele.
Autor do livro “Still Procrastinating: The No Regrets Guide to Getting It Done” (em tradução livre, “Ainda procrastinando: o guia de como fazer sem arrependimentos”), o pesquisador Joseph Ferrari viajou por dez países aplicando testes sobre como as pessoas reagiam a diversas situações. Concluiu que até um quarto da população adota a procrastinação como estilo de vida.
— A procrastinação é capaz de arruinar vidas. Pode, por exemplo, causar um derrame cerebral: uma pessoa pode ter sintomas como dor de cabeça e vômitos e resolver não ir ao médico naquele momento. Quando muda de ideia, é tarde demais — adverte Ferrari, que também é professor de Psicologia da Universidade DePaul (EUA). — É, também, motivo para a perda de bilhões de dólares no mercado, porque as pessoas costumam adiar seus compromissos. Este tema começou a ser explorado recentemente por pesquisadores de economia do comportamento.
Em seu trabalho, Ferrari obteve resultados semelhantes da Venezuela ao Japão, passando por Itália e EUA. A procrastinação, então, seria um “problema universal”, e não vinculado a uma cultura.
Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, define a procrastinação como “sintoma de várias doenças”, como o transtorno de déficit de atenção e a hiperatividade.
— Existe muita dificuldade em aceitar a existência dessas doenças — lamenta. — A procrastinação pode levar a estresse e depressão.
Membro do Grupo de Pesquisas de Procrastinação da Universidade de Calgary, no Canadá, o professor Piers Steel acredita que adiar obrigações faz parte da arquitetura do cérebro. É uma batalha entre o córtex pré-frontal, a região envolvida no planejamento de comportamentos e na solução de problemas, com o sistema límbico, que procura a gratificação imediata.
— Nós evoluímos para ter um pequeno horizonte temporal, para valorizar o aqui e agora, muito mais do que aquilo que é distante — comenta Steel, autor do livro “The Procrastination Equation” (“A equação da procrastinação”). — É difícil ter motivação em nível satisfatório até os prazos, antes distantes, tornarem-se demandas de último minuto.
Há quem defenda que procrastinadores são perfeccionistas. Steel acha que a associação é verdadeira para até 10% dos casos. O consultor de comunicação digital Alexandre Inagaki se inclui nessa turma. Ele atribui a frequência com que deixa para terminar tarefas aos “44 minutos do segundo tempo” a uma suposta vontade de deixar “tudo muito bom”.
PERDIDOS NA INTERNET
A busca pelo trabalho perfeito, porém, esbarra nas inúmeras distrações proporcionadas pela internet. Para Inagaki, é comum iniciar uma tarefa e perder-se entre páginas na web.
— A internet estimula a procrastinação. Enquanto estou respondendo e-mails, pesquisando assuntos ligados a meu trabalho, vejo alguns links interessantes e, quando percebo, estou com 54 janelas abertas — diverte-se.
Inagaki define-se, em seu próprio site (Pensarenlouquece.com), como “futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos”. A pauta do grupo poderia incluir como lidar com a privação de sono, um problema na vida do consultor de comunicação. A razão, admite, é a baixa capacidade de administrar seus horários.
— Acho que dormir é perda de tempo, mas às vezes os neurônios não dão conta. Não adianta ficar acordado 25 horas e fazer tudo errado — confessa ele, que reconhece ter desenvolvido problemas de sono. — Racionalmente falando, deixar tudo para em cima da hora não faz sentido.
Já o estudante de Jornalismo Anselmo de Almeida não manifesta arrependimentos com o hábito de não cumprir deveres no prazo.
— Só tive depressão na época em que planejava a longo prazo, porque não conseguia atender às minhas expectativas. Sei que poderia ser menos estressado, mas sou dependente da adrenalina — afirma ele. — O estudo, por exemplo, tem que ficar para a última hora, porque vou para a prova com o conteúdo fresco na cabeça. Mas, sinceramente, não sei como passo de ano.
Coordenadora do Núcleo de Orientação à Carreira do Centro Universitário Carioca (Unicarioca), Maura Xerfan já viu muitos procrastinadores como Anselmo passarem por sua sala. Segundo a professora, a pessoa que não consegue obedecer prazos pode desenvolver depressão. Em situações extremas, recorre a rotas de escape como o álcool e outras drogas.
— Procrastinar é prejudicial às realizações e também à saúde, resulta em estresse e culpa, levando à perda de produtividade e à vergonha por não cumprir responsabilidades. A frustração precoce resulta em desistência — alerta. — O álcool e outras drogas são buscados como válvulas de escape.
Nara Lopes Moreno, psicóloga e terapeuta ocupacional do Hospital São José, em Teresópolis, avalia que, na maioria dos casos, a procrastinação é “inocente”, um mecanismo de defesa inconsciente contra a sobrecarga de tarefas. Esta prática, no entanto, pode virar uma bola de neve. Em alguns casos, contribui para a depressão, considerada por psicólogos como o mal do século.
— Existe uma pressão grande para darmos conta de tantas atribuições. Quando não consegue, a pessoa pode ficar sujeita a doenças emocionais — observa ela. — O indivíduo começa a sentir efeitos em seu corpo e pode ficar deprimido ou procurar algum tipo de droga, para ter a sensação de fuga de todas as cobranças. O GLOBO