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Os limites da austeridade

A Super Lua encantou os românticos na semana passada, exibindo o maior brilho desde 1948, ano em que o Ocidente ainda se recuperava nos escombros da Segunda Guerra Mundial. A Lua cheia de 2016 também encontra um mundo em frangalhos, tentando sair de uma crise econômica profunda que se arrasta desde 2008 e alimenta as criaturas populistas, racistas e xenófobas que costumam se banhar ao luar em tempos sombrios como esse.

Eleito com um discurso aterrorizante, o temido lobisomem americano Donald Trump, com sua loura cabeleira e dentes afiados contra imigrantes mexicanos, negros, muçulmanos, mulheres e empresas chinesas, prepara-se para assumir o comando da maior economia do mundo e aproveita o reflexo do Sol no satélite da Terra para, em suas noites de insônia, planejar novos muros terrestres e siderais.

Os reflexos lunares também despertaram criaturas esquisitas no Brasil. Como num clipe sem nexo de Michael Jackson, zumbis invadiram a Câmara dos Deputados e exigiram a volta da ditadura militar. No Rio de Janeiro, funcionários públicos revoltados com os efeitos da ruína financeira do Estado em seus bolsos tentaram tomar a Assembleia Legislativa e apanharam da Polícia, enquanto os camburões federais levaram para Bangu dois supostos lobisomens da política fluminense.

Os ex-governadores Anthony Garotinho e Sérgio Cabral são acusados de roubar dinheiro público, um crime praticado também à luz do dia por tantos monstros da democracia brasileira. Pelo menos outro enjaulado do Rio, Eduardo Cunha, contemplou a Super Lua lá no Paraná sem se sentir tão sozinho.

Todos são inocentes antes de serem considerados culpados após um julgamento justo e com amplo direito de defesa, garante a lei. Mas os fatos nebulosos que rodeiam esses campeões de votos – sim, eles foram eleitos e reeleitos pelas vítimas da corrupção – provam, desde já, que há algo de muito podre no reino do Brasil, onde há séculos impera o conluio entre os políticos corruptos e os empresários corruptores.

Sérgio Moro, o chefe dos caça-vampiros da Lava Jato, ainda tem muito trabalho pela frente se quiser neutralizar todos os sugadores dos recursos e do sangue alheio que ainda infestam os gabinetes oficiais, as repartições públicas e os partidos de todos os espectros ideológicos, da esquerda à direita.

Nessa luta do bem contra o mal, não existe bala de prata e a única certeza é o sofrimento longo que os demônios da crise econômica provocarão na população por mais alguns anos. Antigos heróis se transformam em vilões e velhos vilões se viram como podem para sobreviver nas ricas ruínas do Poder. Parte do povo brasileiro, que acordou do sonho da Nova Economia e da Nova Classe Média da Era Lula para o pesadelo do desemprego e da regressão social da Era Dilma, teme agora uma outra criatura derivada da gestão caótica das finanças públicas nos últimos anos: o inevitável ajuste fiscal.

O monstro da tesoura nos gastos públicos, que ameaça cortar as verbas oficiais e os gastos sociais, ficou tão inevitável quanto o combate à sangria desatada da corrupção nas obras e nos serviços do Estado.

Na terra devastada e ora iluminada pela Super Lua, em que o Rio de Janeiro é o maior símbolo da destruição, a PEC 241 é combatida nas ruas e nas escolas invadidas como se fosse o sinal do fim dos tempos. Mas é o mal necessário para salvar os pescoços dos brasileiros de um desfecho ainda mais maligno: o descontrole financeiro da União e dos Estados, semente da inflação e da desconfiança que leva à recessão. Infelizmente, o Brasil chegou ao ponto em que, se ficar como está, o bicho pega, se correr do ajuste fiscal, o bicho come. Isso não quer dizer que o nível desse ajuste e a qualidade dos cortes não possam ser criticados, debatidos e alterados. Podem, e devem, como nas melhores e piores democracias.

Se o arrocho fiscal for forte demais, pode tirar o pouco oxigênio que resta à atividade econômica e inibir a recuperação necessária para atrair investimentos, criar empregos e aumentar a arrecadação de impostos. Os governantes sabem disso e, para não transformar o Brasil numa Grécia, com suas lindas ruínas e uma população revoltada e sem emprego, precisam calibrar bem o aperto nos gastos e a retirada dos incentivos fiscais. Na Europa, o debate sobre o nível ideal do ajuste fiscal e dos estímulos ao crescimento está mais vivo do que nunca.

Na semana passada, a Comissão Europeia defendeu um estímulo de 0,5% do PIB na zona do euro, equivalente a uma injeção de € 50 bilhões, invertendo a política de arrocho fiscal que vigorou entre 2010 e 2013 e a neutralidade desde 2014. Não basta cortar, é preciso tomar medidas para a economia voltar a crescer quando se chega ao limite do ajuste fiscal. “Não sou fanático por austeridade”, disse Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, provavelmente, assustado com a nova força dos lobisomens nacionalistas que ameaçam a integridade da União Europeia pós-Brexit e pós-Trump. Sete décadas depois da última Super Lua, os fantasmas da História e da Economia continuam assustadores. ISTOÉ

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