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Nas águas turvas da corrupção

Ainda há juízes no Brasil. A expressão original é a seguinte: “Ainda há juízes em Berlim”. Uma instigante historinha explica a origem da frase, que se tornou clássica. Ela nasceu da verve do escritor François Andrieux no conto “O moleiro de Sans-Souci”.

Numa leitura livre, a história é a seguinte: em 1745, o poderoso rei da Prússia, Frederico II, um déspota esclarecido, construiu um palácio de verão. Porém, um velho moinho atrapalhava a vista da paisagem. O soberano enviou assessores para comprar o moinho. O objetivo era a demolição.

O veterano e caprichoso moleiro não aceitou as propostas. Foi então convocado para uma conversa com Frederico. Com autoridade, o rei explicou que ordenaria a destruição. A resposta do moleiro de Sans-Souci se tornou clássica: “Ainda há juízes em Berlim”.

Lembrei-me dessa história ao ler os argumentos da ministra Carmen Lúcia, do STF, para explicar sua posição favorável à inédita prisão de um senador em pleno exercício do mandato. Vejam a seguir.

“Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo”.

“O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público.


Não passarão sobre a Constituição do Brasil”.

Na sequência de Carmen Lúcia, o ministro mais antigo na Corte, Celso de Mello, disse o seguinte: “Quem transgride tais mandamentos, não importando sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, governantes ou governados, expõem-se à severidade das leis penais e, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei. Imunidade parlamentar não constitui manto protetor de supostos comportamentos criminosos”.

Sim, há juízes no Brasil. Há leis. Há uma Constituição e há os que zelam por ela. Ontem, o Brasil viveu um dia histórico. As instituições novamente deram as respostas necessárias diante da complexidade dos acontecimentos. A decisão do Supremo levou o Senado a adotar comportamento também inédito.
O saldo: as instituições democráticas estão mais fortes.

Do ponto de vista político, o comportamento do senador Delcídio Amaral foi desastroso. Inevitavelmente, o Senado terá que abrir um processo na Comissão de Ética da Casa. O caminho será a sua cassação. A não ser que antes renuncie. Sem mandato, seu caso passará para as mãos do juiz Sérgio Moro.
Não descartem a possibilidade de uma delação premiada.

As coisas pioraram muito para a presidente Dilma Rousseff. A delação premiada de Nestor Cerveró, que tanto Delcídio tentou impedir, pode atingir em cheio a chefe da Nação. Foi Cerveró quem conduziu a compra da refinaria que ficou conhecida como “a ruivinha” (enferrujada). Na época da negociação, a então ministra Dilma presidia o Conselho de Administração da Petrobras. FÁBIO CAMPOS / OPOVO

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