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ISO, ESG, SUS, selos e eleições!

Antonio Carlos do Nascimento, O Estado de S.Paulo

15 de janeiro de 2022 | 03h00

No balanço pandêmico de brasileiros, a contabilização positiva está nas incorporações tecnológicas em nossas rotinas, nada novo, porém, aceleramos a demissão de vendedores em lojas físicas, assumimos definitivamente a função de bancários e forçamos restaurantes a trocarem garçons por motoqueiros, no que anoto os aprendizados mais celebrados.

Enquanto nossa imutável versão pratica a ingratidão ao Sistema Único de Saúde (SUS), aquele que em nosso desespero pré-apocalíptico demonstrou do que é capaz com financiamento condizente. Balizam-se resultados a partir de maus exemplos, ofuscando o denso contingente de bons gestores que conduziram com retidão e presteza seus recursos para impedir dezenas de milhões de mortes de infectados, para em breve proteger o País inteiro com a cobertura vacinal.

Talvez sejamos incorrigíveis e à semelhança da aceitação do luto, alguns mais e outros menos, logo passamos a viver de presente e futuro, sob a égide do tudo passa. É nesta insensibilidade coletiva que caminhamos para um processo absolutamente caótico em futuro próximo, resultante de nossa incapacidade de universalizar definitivamente a saúde brasileira.

Empresas de assistência médica do Brasil, com variáveis reputações, arrecadam bilhões em ofertas públicas iniciais (Ipos, na sigla em inglês) em suas estreias no mercado de capitais, o que afirma com imensa clareza que a rentabilidade é alta e a demanda, volumosa. Curioso para um país empobrecido e empobrecendo, mas constata que carecemos de cuidados e temos muita paúra de capitularmos à míngua.

Alguns desses grupos mantêm a excelência dos serviços, entretanto, grande parcela cresce vertiginosamente amealhando pares menores e direcionando suas carteiras para o atendimento em redes próprias. A milagrosa fórmula de geração de dividendos contempla equipes médicas deixando de gastar e de resolver. A programada falta de resolutividade, somada às exclusões contratuais, sobrecarrega inicialmente o SUS, para depois congestionar o âmbito previdenciário.

A aquisição de certificações de qualidade pelo setor privado de saúde, no que podemos exemplificar o selo da International Organization for Standardization (Organização Internacional para Padronização), ISO, pode garantir uniformidade no serviço e muita rentabilidade, mas habitualmente não propicia soluções plenas para o usuário. A conquista destes selos de qualidade é complexa, mas destituí-los é infrequente, tudo fica resolvido como fase de adequação para enormes e inesperadas demandas.

Em 2004, principiou timidamente um novo modelo normativo para o mercado, bem mais abrangente e atrelado à preservação planetária: o Environmental, Social and Corporate Governance (ESG), que pode ser compreendido como um compliance mercadológico que contempla questões sociais, ambientais e de administração empresarial interna, na relação com linhas produtivas e suas negociações.

Atualmente, empresas e corporações continuam sendo balizadas pela qualidade e rentabilidade, contudo, são crescentemente preferenciadas por investidores e consumidores na razão direta de seu envolvimento com sustentabilidade.

Por enquanto, a prestigiosa certificação desse comprometimento é apenas observacional, contudo, ao menos para grandes grupos corporativos, algumas fontes, tal como o índice Down Jones, são bons caminhos para encontrarmos detentores de selos ESG, ainda que virtuais.

Mas, nesse universo de cumprimento mínimo e limítrofe de regras, o componente humano da cadeia produtiva é diretamente atendido em ISOs e ESGs, apenas com os óbvios direitos a inclusão e boas condições de segurança e saúde ocupacional, com a assistência médica completa não avançando além dos muros das instituições, salvo por honrosas exceções ou por obrigatoriedade imposta em convenção coletiva de categoria profissional específica.

Saneamento básico, proteção de fauna, flora e leitos d’água, controle de resíduos e emissões de gases, entre as tantas facetas da sustentabilidade, se ocorrerem à plenitude o farão muitas gerações à frente e poucas sobrevivências terrenas contemporâneas resultarão de intervenção estatal massiva e/ou da louvável participação altruística da ciranda financeira.

Sem freios e parcialmente submissos a regras, toda a sorte de serviços de assistência médica se espalha pelo Brasil, para empobrecer ainda mais a população e abocanhar mercado que a obediência constitucional não permitiria, não por proibi-lo, mas por ignorá-lo, em face da Carta Magna nos garantir os cuidados de saúde em sua plenitude.

É possível afirmar que metade da população brasileira é dependente do SUS, 40% o são parcialmente, enquanto o restante utiliza a instituição eventualmente em acidentes urbanos ou rodoviários e na necessidade de transplante ou diálise.

Sem selos ou ações altruísticas que o fortaleçam, o SUS depende exclusivamente da condução de nossos comandantes, o que sugere fortemente a 90% do eleitorado procurar em 2022 por propostas robustas de seu financiamento, sob pena de não restar saúde para esperar os resultados de mirabolantes planos econômicos.

DOUTOR EM ENDOCRINOLOGIA PELA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, É MEMBRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA (SBEM)

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